A afirmação feita no título acima não é minha. Ela resulta de levantamento realizado por um órgão técnico e de controle, que serviu de base para uma reportagem tão séria quanto preocupante. O relatório foi elaborado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e a matéria publicada pelo jornal O Estado de São Paulo. Ambos relatam que o Exército Brasileiro liberou nada menos do que 5,2 mil licenças de Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs) para condenados por crimes graves, como tráfico de drogas e homicídio, durante o governo de Jair Bolsonaro. Muitas dessas pessoas tinham inclusive mandados de prisão em aberto – um total de 2.690 –, mas eles, de modo surpreendente, não foram levados em consideração. A partir desse grupo, facções de criminosos e milícias passaram a se armar, com muito maior facilidade e menor custo, uma vez que o contrabando, com todos os seus riscos, em grande parte foi abandonado.
Outro aspecto que ficou evidente e precisa ser considerado para uma investigação minuciosa, que já devia ter sido feita, diz respeito às pessoas usadas como “laranjas”. Para que se torne mais fácil adquirir armas de fogo, elas são registradas para porte, mesmo não tendo nem de longe a renda necessária para a aquisição. Bastou um cruzamento dos dados do Exército com os do Cadastro Único e foram encontradas 22.493 delas com ao menos uma arma de fogo, mesmo não tendo a menor condição de tê-la adquirido. Ou seja, o crime organizado pode se dar ao luxo de obter armamento tanto no “atacado”, com CACs falsos ou cooptados, quanto no “varejo”, através de pressão contra moradores dos locais onde agem. Importante dizer que todos esses números dizem respeito ao período entre 2019 e 2022.
Ainda segundo informações do TCU, 94 pessoas que são declaradas como mortas adquiriram 16.669 munições durante o governo Bolsonaro. A auditoria também apontou que um grande número de CACs que faleceram ao longo daqueles mesmos quatro anos – incrível como essa gente morre – tinham 24.442 armas registradas em seus nomes. Esse arsenal aparece no Sigma (Sistema de Gerenciamento Militar de Armas) com o “status ok”, sem restrição específica. Ou seja, ninguém se deu ao luxo de tentar saber para onde elas foram, depois da morte dos donos.
A megaoperação policial recentemente deflagrada nas comunidades que formam os Complexos do Alemão e da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro, apreendeu – segundo relatório oficial das polícias – nada menos do que 120 armas de fogo, entre elas 93 fuzis e pistolas, além de alguma quantidade de explosivos e equipamentos militares. Do total das armas, boa parte tinha procedência legal, chegando aos morros graças aos tais CACs e registros pessoais. Mas também existiam armas falsificadas. Ou seja, essas últimas distantes da eficiência e da capacidade operacional dos 117 fuzis M-16 novinhos em folha e ainda com identificação da procedência estadunidense, que foram apreendidos em março de 2019 na casa onde residia Alexandre Mota de Souza, amigo de Ronnie Lessa, o assassino de Marielle Franco e vizinho de Jair Bolsonaro.
Alexandre chegou a ser preso, mas a juíza Alessandra Bilac, da 40ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, mandou soltá-lo acreditando piamente que ele não sabia que tinha um arsenal em casa. Até porque essas armas todas devem formar um volume discreto, algo que talvez coubesse em uma caixa de sapatos. Tanto que, segundo os policiais que o detiveram, ele chegou a “demonstrar surpresa e desespero ao saber o que havia dentro dos caixotes”. Esses depoimentos favoráveis e a generosidade da juíza o deixaram em liberdade.
Nesse seu relatório recente, o TCU alerta sobre a gravidade do problema, que está longe de ser solucionado. Isso apesar de os registros de novos CACs terem sido suspensos pelo presidente Lula provisoriamente, ainda em 2023. Aquela decisão reverteu a política armamentista da gestão Bolsonaro, mas a emissão foi novamente reativada, com o Exército voltando a atuar autorizando certificados. Este inclusive, instado pela imprensa depois dos fatos recentes nas comunidades cariocas, afirmou que “vem adotando as medidas cabíveis para aperfeiçoar os processos, bem como também a necessária fiscalização”. Enquanto isso não acontece, fica a população refém daqueles que precisam do caos e do medo para o estabelecimento da “ordem” que tanto dizem desejar e defender.
13.11.2025
P.S.: Uma cronologia recente, sobre a qual devemos nos debruçar. A Polícia Federal deflagou a maior operação contra o Primeiro Comando da Capital (PCC), na qual foi levantada a participação de gente graúda, da Faria Lima, como “associada” em muitas ações do crime organizado. Logo depois, quando o Projeto de Lei Antifacção é enviado pelo Planalto para apreciação da Câmara dos Deputados, Guilherme Derrida (PP), que ocupava o cargo de Secretário da Segurança Pública, justamente em São Paulo, se afasta e reassume no legislativo, apenas para relatar tal projeto. E, nas alterações que propõe ao texto original, entre outras tantas, busca afastar a PF deste tipo de investigação, que passaria a ser responsabilidade das polícias estaduais. Tudo coincidência, evidente.

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