A minissérie televisiva Tenda dos Milagres (1985) foi a única produção, entre centenas realizadas nas últimas décadas, que não apenas admitiu e retratou a miscigenação brasileira, como a defendeu abertamente. Ela destacou a importância cultural da população negra para o país. Quase quarenta anos depois, nenhuma outra conseguiu ser tão contundente ao abordar esse tema. Por isso, ainda merece ser reverenciada, pelo papel que cumpriu.

Produzida pela TV Globo e exibida entre julho e setembro daquele ano, ela teve um total de 30 capítulos, que eram levados ao ar às 22h30min. Foi escrita por Agnaldo Silva e Regina Braga, que tomaram como base o romance homônimo do baiano Jorge Amado. Aliás, as gravações foram feitas em dois municípios da Bahia: sua capital Salvador e Cachoeira, que fica 120 quilômetros distante, nas margens do Rio Paraguaçu.

O elenco escalado era de fato maravilhoso, tendo nomes como Tânia Alves, Milton Gonçalves, Gracindo Júnior, Cláudio Marzo, Yara Cortês, Daniel Dantas, Antônio Pitanga, Francisco Milani, Emiliano Queiróz, Louise Cardoso, Nicette Bruno, Mário Lago, Othon Bastos, Miriam Pires, Júlia Lemmertz e Lima Duarte, entre outros. A direção geral foi de Paulo Afonso Grisolli, que contou também com os diretores Maurício Farias e Ignácio Coqueiro. Tudo com a supervisão geral de Daniel Filho.

A narrativa é feita seguindo lembranças do protagonista, que se chama Pedro Arcanjo (Nelson Xavier). O ano é 1930 quando ele passa mal e, com fortes dores no peito, é levado para a casa de Cesarina (Ângela Leal). Estando à beira da morte, sua vida é repassada através de uma enxurrada de memórias boas e ruins. Essa “retrospectiva” forçada o conduz até 1913, de onde partem suas aventuras, repletas de festas e também de amores, tudo somado à luta para manter vivas na Bahia as culturas negra e mestiça. Afinal, essa era sua missão, segundo lhe fora revelado pela mãe de santo Magé Bassã (Chica Xavier).

O antagonista de Arcanjo é Nilo Argolo (Oswaldo Loureiro), um médico legista muito influente, racista que busca comprovar a tese de uma suposta superioridade da raça branca, através de “pesquisas”. Quem o ajuda nessa empreitada é um delegado inescrupuloso de nome Francisco Mata Negros (Francisco Milani). Depois de 14 capítulos tudo retorna para 1930, quando Pedro se envolve com Rosa de Oxalá (Dhu Moraes), a bela esposa de seu amigo Lídio Corró (Milton Gonçalves). Outra personagem feminina que cruza seu caminho é a jornalista Ana Mercedes (Tânia Alves), que funda o jornal Tenda dos Milagres com o objetivo de ser ele um porta-voz da luta contra a discriminação racial.

Algumas circunstâncias, como Arcanjo ser expulso da faculdade de medicina, onde era bedel, servem de estopim para uma grande revolta que toma conta das ruas próximas ao Pelourinho. E o movimento negro ganha força, com sua aclamação pelo povo. Argolo, por sua vez, sofre um derrame cerebral ao saber que sua filha Luísa (Júlia Lemmertz) se casara com o negro Damião (Joel Silva).

Mostrando a força que tem a teledramaturgia, apesar de Jorge Amado ser na época um campeão na vendagem de livros, Tenda dos Milagres estava longe de ser um dos preferidos do público. Com a minissérie, passou a vender dez vezes mais do que antes. E esse “casamento” entre o autor e a televisão foi profícuo, com várias outras adaptações ao longo do tempo. Foram os casos, por exemplo, de Gabriela, Tieta, Pastores da Noite, Mar Morto e A Descoberta da América Pelos Turcos, entre outros títulos. O sucesso de Tenda dos Milagres a levou a ser comercializada em mais de uma dúzia de países, não apenas falantes do português, como França e Macedônia.

São tantas as novelas reprisadas, nos últimos anos, que a emissora poderia fazer um enorme favor, reverenciando sua própria trajetória, brindando o público com uma de suas melhores produções. Ainda mais que a discussão sobre racismo e outros tantos preconceitos que sempre assombraram a alma pretensiosamente branca da classe média e da elite brasileira, estão mais aflorados do que nunca. Mas, seria quase um milagre – sem tenda nem trocadilho algum – imaginar que isso possa ser feito. Porque o que direciona as escolhas televisivas são muito mais os possíveis retornos financeiros do que qualquer preocupação social.

08.11.2023

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O bônus de hoje é Milagres do Povo, de Caetano Veloso. Essa era a música de abertura da minissérie.

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