Você estava na última linha de uma página inteira datilografada com todo o cuidado, sem um único erro. Então, comete um, sem ter à disposição aquela fita corretiva – que também não adiantava muito, porque ficava um borrão branco para dedurar a falha ocorrida. Vivia a melhor parte da conversa, quase convencendo a menina a aceitar seu convite para sair, quando cai a ligação porque acabaram todas as suas fichas do telefone público. Conseguiu que um dos seus amigos gravasse uma fita cassete com aqueles sucessos aos quais só tinha acesso pelo acaso de ouvir na programação de uma emissora de rádio, mas ela é mastigada pelo aparelho e estraga. Tinha alugado um vídeo VHS para ver no final de semana e esqueceu de rebobinar a fita antes de entregar, tendo que pagar uma multa por isso. Mandava revelar as 36 fotos batidas na festa e descobria que todas haviam ficado desfocadas ou que entrara luz na câmera, velando tudo.

Por que cargas d’água quando eu fui adolescente não existia nenhuma das facilidades que o computador trouxe, nem o celular, a música em MP3, o streaming e as fotos digitais? Também não havia nenhum canal de televisão por assinatura. E os abertos se limitavam a dois ou três. As transmissões eram em preto e branco, até 1972. Fantasmas, não de ectoplasma – o tal fluido vital –, mas apenas de imagens duplas mesmo, assombravam grande parte das transmissões. Daí se a gente tinha uma antena externa precisava vez por outra ajustar sua posição; se era dentro de casa, havia o pensamento mágico de resolver colocando Bombril nas suas pontas. Em nenhum dos casos ficava bom de fato.

Quando se ia ao cinema, o filme era em rolo, nada do digital de hoje em dia. Assim, era muito comum que a fita arrebentasse e a projeção fosse interrompida. Então, as luzes se acendiam e a gente precisava esperar que o projetista fizesse uma emenda e reiniciasse. Isso poderia significar perder algum detalhe, mesmo que pequeno, da sequência. Se a sorte não estivesse a nosso favor, prejudicava um pouco o entendimento da história. E essas comparações desfavoráveis podem vir desde antes, na infância. O futebol de botão – se bem que durou até uma boa parte da nossa adolescência – era um dos nossos jogos prediletos: nada destes que agora tem imagens realistas, que se controla com joystick, que tem áudio e o escambau. Era sobre a mesa mesmo que se disputavam as partidas. O auge da glória era fazermos as goleiras com arame e as redes com filó, tudo artesanal. No meu caso, até os jogadores eu cheguei a produzir, derretendo canetas esferográficas quebradas dentro de forminhas metálicas.

No futebol de verdade, lá na minha infância em Bom Jesus, precisava ficar segurando o fio de cobre que servia de antena no rádio, para poder ouvir jogos do meu Grêmio. O som ia baixando até sumir, voltando pouco depois. O que era terrível quando ele se calava justo no momento de um ataque promissor, com você não sabendo se o gol saíra ou não. Hoje em dia se pode ouvir emissoras do mundo todo, através de aplicativos. No passado os pais ainda acreditavam que engolir um chiclete poderia ser perigoso, então não deixavam se mascar muito. Nas embalagens do Ping-Pong ou do Ploc que se conseguia comprar, não lembro bem, vinham figurinhas para se colecionar ou um decalque colorido que se colocava na pele, como uma tatuagem falsa. O maior azar é quando se transferia e um pedaço da imagem não colava, ficando assim como o esmalte falhado nas unhas das meninas. Mais adiante, pouca coisa era mais triste do que procurar fazer uma “média” com a turma, levando um disco de vinil que todos queriam ouvir, para uma reunião dançante daquelas nas garagens, descobrindo apenas lá que ele estava arranhado justo na faixa com a melhor música.

O incrível é que mesmo com todos os avanços, com a tecnologia e a sociedade sendo agora tão diferentes, não se deixa de ter saudades do que se viveu. O que não significa ser saudosista, achar que antes tudo era melhor. Na verdade, se trata de compreender valores e significados de cada época. E mesmo agradecer a oportunidade que se está tendo de estar presente em momentos tão distintos.

10.08.2023

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