FRASES INÚTEIS E EVENTUAL MÁ FÉ

Quero dizer a todos vocês que uma das várias frases que hoje em dia me irritam – talvez o sinal definitivo de que eu estou ficando velho – é aquela que se ouve com relativa frequência ao final de reportagens televisivas que envolvem questões relacionadas com a segurança pública. Aquela clássica “a polícia segue investigando o caso”. Mas, queriam o quê? Que ela não cumprisse com a sua obrigação, abandonando o trabalho recém iniciado, o fato ainda não esclarecido? Seria notícia e bastante absurda e surpreendente se acontecesse exatamente o contrário, com os policiais se recusando a investigar. Algo como o ocorrido com o delegado Rivaldo Barbosa, aquele que fez de tudo para atrapalhar, impedindo a elucidação do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes.

Tem outra: basta existir uma empresa, uma organização qualquer que esteja envolvida em problema que vem à tona em uma denúncia, por ilegalidade ou irregularidade, e sai a nota afirmando que ela “está colaborando com as autoridades”. E poderia não estar? Claro que neste caso em geral a autoria do texto é do setor de relações públicas, da comunicação da própria empresa ou organização. Mas, ao repetir e repercutir a nota mais do que óbvia a imprensa veste a carapuça, assume para si o papel de boba. Enfim, escrevo isso para reafirmar minha opinião sobre a total inutilidade destas expressões usadas ou repassadas por alguns colegas.

Claro que não é fácil ser jornalista. Evidente que somos quase que todo o tempo levados a repetir situações, perguntas, colocações. E que as redundâncias seguidamente são inerentes nesses casos. Como questionar o jogador na saída para o intervalo sobre como foi o primeiro tempo do jogo, correndo o risco de ouvir que “teve 45 minutos mais os acréscimos e eram dois os times em campo”. Ou aquela outra situação que beira o desrespeito, de querer saber como está se sentindo alguém no meio de uma tragédia climática ou quem sabe no velório de um ente querido. Algum repórter, nesses casos, já recebeu como resposta um “está tudo ótimo e eu estou muito feliz”?

Agora, fora as frases inúteis e a dificuldade de fugir ao lugar comum, o que demanda experiência, criatividade e muita atenção – porque todos nós em algum momento incorremos nisso –, há também situações bem mais graves, geralmente surgidas não no calor da entrada ao vivo, de estar o microfone aberto, do diálogo com o entrevistado. Essas em geral são de edição, no caso dos jornais, por exemplo. Surgem elas pela facilidade de seguir o (mau) hábito, por obediência a uma linha imposta pelos patrões e até mesmo por má fé. Assim, passamos a conviver com manchetes do tipo “Porto Alegre não investiu nada em prevenção contra as cheias”. Como assim? A cidade é um ente, existe concretamente sem deixar de ser algo abstrato. Ela não tem discernimento e não decide nada. Quem faz isso são as pessoas investidas de poder para tal coisa. Então, com a manchete o leitor comum é induzido a aceitar como normal a distribuição da responsabilidade, da omissão, do que foi mal feito. Pior ainda: sendo porto-alegrense, até ele tem culpa, devendo se acalmar, ficar quieto, não cobrar nada. Não está o nome do prefeito, como deveria estar. Assim, todos erramos – talvez sim, na hora de votar –, não há um rosto, uma assinatura.

É como aquela coisa esdrúxula de “O mercado está nervoso”. Nunca são os especuladores, os rentistas, os descontentes por não terem mais reivindicações de facilidades sido aceitas. Os que querem manter todos os dedos, sem perder um único anel. Aliás, em geral eles têm muito mais anéis do que dedos. Quem nos assalta, nos oprime, quer sempre induzir à privatização dos lucros e à socialização dos prejuízos é um ser etéreo. Agora, os dois exemplos que citei acima estão fortemente interligados. Não investir no DMAE para sucatear; sucatear para justificar a entrega para a iniciativa privada – outra faceta do “mercado” –, de preferência por preço vil; e tudo sem ficar mal com quem vota, que precisa terminar não só concordando como mesmo agradecido pela venda, uma vez que é levado a acreditar que ela vai garantir a “melhoria dos serviços prestados”. Assim como o Governo do Estado fez com a Equatorial.

11.05.2024

NOTÍCIAS DA ENCHENTE:

1.    A Grendene, uma gigante calçadista gaúcha com sede em Farroupilha, na serra gaúcha, sugeriu em comunicado interno que os seus empregados doassem em todo ou em parte as cestas básicas que recebem para as vítimas da enchente no RS. Mas, ela própria ofereceu como ajuda apenas a doação de alguns calçados de suas marcas, camisetas e meias infantis. Convém salientar que o lucro líquido da empresa chegou a R$ 243 milhões, no quarto semestre de 2023. E ela irá distribuir, a partir de 15 de maio, o montante de R$ 145,8 milhões em dividendos para os seus acionistas.

2.    Um sócio da Sogipa teve um piti, essa semana, ao saber que não poderia usar a piscina do clube para recreação, enquanto as áreas próximas estivessem sido ocupadas por desabrigados, em ação solidária promovida pela associação. Diante de um exemplo tão edificante, torço para que ele não tenha filhos.

3.    O prefeito de Imbé, no litoral gaúcho, tentou dar uma de malandro e decretou estado de calamidade pública no seu município. Luís Henrique Vedovato, do MDB, alegou que o grande número de pessoas se deslocando de Porto Alegre e região metropolitana estava causando sérios problemas de abastecimento e colocando em risco a assistência à saúde. Claro que não colou e ele precisou voltar atrás, devido à repercussão negativa. Durante o período de veraneio o crescimento populacional por lá é muito maior do que o de agora, também transitório.

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O bônus de hoje é O bônus de hoje é A Terceira Lâmina, na voz de Zé Ramalho, versão com a sanfona de Dominguinhos.

O ESCÁRNIO DOS COLETES

Se as campanhas de solidariedade que estão sendo agora promovidas e veiculadas nos meios de comunicação, pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul e pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre, fossem minimamente honestas, deveriam adotar um slogan tipo “Façam aquilo que nós não fazemos”. É um verdadeiro escárnio ver o governador Eduardo Leite (PSDB) posando com o colete da Defesa Civil, uma vez que ele desidratou ao extremo o orçamento para esse órgão. Desde que assumiu o seu primeiro mandato, em 2019, a verba definha a cada ano, não conseguindo garantir nem mesmo as operações mais triviais e rotineiras. Quando da enchente anterior, em setembro do ano passado, o Governo Federal precisou enviar R$ 211 milhões para complementar o que era obrigação do Governo do Estado. Agora Leite informa uma chave PIX, para que a sociedade destine recursos que ele deveria ter garantido. Aliás, estranhamente a chave é de uma entidade privada que sequer tem site e presença nas redes sociais.

O prefeito Sebastião Melo (MDB), por seu turno, outro que não troca esta peça da vestimenta desde o início da crise, fazendo questão de usar colete semelhante nas cores laranja e cinza, sucateou o sistema de prevenção e contenção de enchentes, propositalmente. Basta conferir os dados oficiais: em 2021 investiu R$ 1,7 milhão, em 2022 a quantia de R$ 141 mil e em 2023 nem sequer um único centavo. Convém registrar que Porto Alegre possui o melhor sistema de proteção contra enchentes de todo o Brasil, que veio sendo construído em etapas, desde 1941. Cerca de um bilhão de dólares custou todo ele, em valores atualizados, se somarmos tudo o que foi feito ao longo de décadas. Todas as pessoas conhecem o Muro da Mauá, mas existem diques, várias casas de bombas, comportas de superfície e gravidade, sem contar com uma estrutura predial existente junto à Usina do Gasômetro. Só que todo esse cuidado da engenharia foi colapsado pela falta de manutenção.

Com essa atual enchente duas comportas não resistiram à pressão da água. Estavam todas enferrujadas, corroídas de tal forma que uma outra, na região central da cidade, precisou ser acionada através de tração motora oferecida por uma máquina retroescavadeira. O descaso de Melo chegou a deixar sem graxa o mecanismo. Pintura então, nem falar. Quanto às comportas de gravidade, que ficam submersas nos poços das casas de bomba, a prova maior de que não entraram em operação está no fato das águas estarem nos esgotos e deles brotarem. Pararam de operar porque é cara a sua manutenção, uma vez que depende de especialistas em mergulho muito qualificados. Vejam que existem R$ 428,9 milhões em caixa para isso, que permanecem intocados. Melhor é investir em agradinhos e em isenções para a construção civil.

Até 2019 Porto Alegre contava com o DEP – Departamento Municipal de Esgotos Pluviais. Ele então foi incorporado ao DMAE – Departamento Municipal de Água e Esgoto, que por sua vez vem sendo destruído de forma proposital, aos poucos, para a entrega à iniciativa privada. Hoje o número de funcionários foi reduzido para menos da metade. E Melo não aceitou que novos fossem contratados. Importante lembrar que, quando o DEP existia, era considerado modelo e o único em todo o país a cuidar da drenagem em um primeiro escalão, com ênfase à proteção da cidade. Havia planejamento e execução de obras e serviços, que focavam além do tempo de cada gestão. Tudo voltado, portanto, às necessidades da população.

A Defesa Civil, conforme consta no teor do Decreto nº 7.257, datado de 4 de agosto de 2010, se tornou um órgão integrante do mais abrangente Sistema Nacional de Proteção. O órgão tem como objetivo atuar em todas as diversas “fases de prevenção, mitigação, preparo, resposta e reconstrução de cenários, nos desastres naturais ou tecnológicos”. No Rio Grande do Sul ela está subordinada à Casa Militar, de civil só tendo o nome. O comando geral, a subchefia e as divisões e centros operacionais têm coronéis à frente. E há uma profusão de outros militares, com ênfase para as patentes de tenente-coronel, major e tenente, com um ou outro sargento nas funções menos relevantes.

Considerando que está na lei ser a prevenção uma das obrigações da Defesa Civil, nenhum destes inúmeros militares – contei 41 em leitura rápida feita no site da Casa Militar – tratou de cobrar que fosse feita a manutenção necessária nas estruturas de segurança? Logística não é algo do que todos eles se orgulham? Se fosse uma guerra, iriam para o campo de batalha sem saber da confiabilidade do equipamento que lhes fosse fornecido? Evidente que nada impediria a enchente de acontecer. Mas, com absoluta certeza, seus efeitos poderiam ter sido menores. Entendo que, além de comando, recursos também são fundamentais. Então, falharam muito mais do que eles os civis eleitos ou colocados na administração por escolha dos mandatários. Mas, o sofrimento e as perdas recaíram sobre a população. E nenhum destes, usem fardas ou coletes, será afastado de suas funções. No caso do prefeito, pelo menos não antes da eleição que ocorre no mês de outubro, quando ele buscará votos para tentar permanecer no cargo.

08.05.2024

P.S.: O secretário municipal do Desenvolvimento Social, Léo Voigt, entrou em férias na sexta-feira e viajou para a Europa. É de responsabilidade da sua pasta “dedicar-se a garantir ao cidadão porto-alegrense em risco ou vulnerabilidade social o acesso aos direitos sociais básicos”, segundo o site da prefeitura. Importante lembrar que era da sua alçada o contrato com a rede de Pousadas Garoa, da qual uma unidade pegou fogo dias atrás, com dez vítimas fatais. Ele também deveria estar presente e atuante no enfrentamento da atual crise, com a enchente impactando na vida de tantos cidadãos.

Sebastião Melo, com o colete que imagina o identifica como super-herói
Eduardo Leite, com o uniforme que parece não tirar nem para dormir

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O bônus de hoje é uma música leve, que fala sobre mudar os rumos da nossa vida. O que se merece e precisa ouvir, em meio à tristeza dessa devastação toda que está em andamento no Rio Grande do Sul. Trata-se de Mundança (assim mesmo: não há erro ortográfico), de Flávio Leandro e Elmo Oliveira, com Marina Aquino em violão e voz. Mas, antes veja um pequeno vídeo do canal Mídia Ninja que lembra uma ação do governador Eduardo Leite relacionada ao meio ambiente.