ACORDARAM A XUXA

A bela andava adormecida. Ou ao menos estava sonolenta, longe dos holofotes que mais dão destaque: aqueles da Rede Globo de Televisão. Nos últimos dias, no entanto, ao retornar para sua antiga casa, virou verdadeiro arroz de festa (*). Esteve presente em diversos programas, seja como entrevistada, convidada ou atração. Circulou pelo Domingão com Hulk; no Mais Você, da Ana Maria Braga; no Altas Horas, de Serginho Groisman; no Que História é Essa, Porchat?; no Fantástico e até mesmo no Papo de Segunda, atração do canal GNT. Deram um jeito inclusive de recuperar velhos vídeos com ela no Criança Esperança, onde também teve participação no deste ano. E uma apresentação junto com Angélica e Eliana, antigas “concorrentes”, foi chave de ouro. Se estivéssemos na época do Big Brother Brasil, que ocorre sempre no começo do ano, não duvidem que seria vista visitando a casa. Ela ganhou até mesmo um documentário, que recupera sua trajetória mostrando ser ela um dos cases mais bem sucedidos da história da TV brasileira. Falo de Maria da Graça Meneghel, a Xuxa.

Gaúcha de Santa Rosa, há quem diga que saiu da sua cidade natal em uma quinta-feira e começou a falar chiado no Rio de Janeiro na segunda seguinte. Maldades à parte, iniciou como modelo ainda aos 16 anos, em desfiles e fotos publicitárias. Sua primeira capa foi para a revista Carinho, da Bloch Editores. Em 1983 iniciou na televisão, no Clube da Criança, criado por Maurício Sherman na extinta Rede Manchete. Ficou por lá até 1986, quando se transferiu para a Globo, onde de fato explodiu em termos de popularidade e audiência. Foram vários os programas que então protagonizou: Xou da Xuxa, Xuxa Park, Planeta Xuxa e alguns outros. Seu nome sempre no título da atração.

Graças ao trabalho da empresária Marlene Mattos, virou uma máquina de produzir dinheiro. Muitos discos, alguns filmes, linhas de cosméticos e de roupas, material escolar e brinquedos com sua imagem, tudo rendia uma fortuna. Mais tarde se transferiu para a Rede Record, onde não mais teve o sucesso anterior, mas seguia conhecida. Inclusive no exterior tentou fazer carreira, claro que sem a repercussão alcançada aqui em terras tupiniquins.

Em um país onde temos tantos reis e rainhas assim denominados pelos interesses do mercado – Pelé, Roberto Carlos, Marta, Hortência e Rita Lee, por exemplo – por que não uma Rainha dos Baixinhos? Foi a este posto ela alçada, quando ocupava o horário matinal da programação global e arregimentava milhões de crianças, que a seguiam como os ratos de Hamelin iam atrás do flautista. Naquele período contribuiu para encher muitos cofres, em especial os da emissora e dela própria, mas também de vários daqueles empresários que embarcaram juntos na empreitada.

Seus programas tinham relativa qualidade, mas nunca se livraram de alguns escorregões que, hoje em dia, seriam muito mais evidentes. Era constrangedor ver todas as manhãs ela conclamar as crianças que assistiam para se alimentarem bem na refeição matinal. Fazia isso diante de uma mesa com vários tipos de pães, frutas, cereais, leite, sucos e bolos, esquecendo que uma gigantesca parte entre aquelas que estavam vendo aquilo tinham no máximo um café preto e um pão dormido para consumir. Outra coisa é que suas Paquitas, as assistentes de palco que sempre a acompanhavam, eram todas loiras. Nunca houve sequer uma que tivesse cabelo escuro, mesmo que conservasse a pele clara. Negras jamais, nem em sonho.

O documentário que citei fizeram também para exorcizar algumas dessas agora indesejadas lembranças. E nele coube transformar a sua antiga empresária Marlene Mattos, outrora fundamental no sucesso de Xuxa, em uma bruxa malvada. Alguém precisava levar a culpa, deixando o papel de boazinha para a outra vez eterna Rainha dos Baixinhos. Esta afirmou em entrevista recente que nunca soubera que quando escolhiam por outros atributos uma Paquita não loura, essa era obrigada a pintar os cabelos. Mas, se esqueceu de um antigo comercial que fizera, que desmente essa sua conveniente versão de agora (veja ele no final desta crônica, nos bônus). Marlene foi também acusada pela antiga amiga de filtrar até mesmo seus possíveis namorados.

Alguns anos e procedimentos estéticos depois, eis que ela surge de volta à televisão que a projetou. Agora sessentona e sem mais chances de animar apenas auditórios infantis, até porque as crianças de hoje em dia são um tanto diferentes daquelas da sua época, se tornou necessário trabalhar a sua imagem. Para que possa ser aproveitada em outra gama de programas. Uma nova Xuxa precisaria brotar dos escombros, para ainda render o dim-dim que agrada tanto ao plim-plim. E é esse renascimento que todos estamos presenciando agora. Como Lázaro, ela está sendo despertada outra vez para a vida. Mas, esse milagre deve ser atribuído não a Jesus e sim ao “Deus Mercado”.

12.08.2023

(*) No Brasil essa expressão, “arroz de festa”, costuma ser empregada para designar pessoa que faz o possível para estar presente em todos os eventos comemorativos que consegue.

Se você gostou desta crônica, garanta a continuidade do blog com uma doação. Isso ajudará a cobrir custos com sua manutenção. Faça isso usando a Chave PIX virtualidades.blog@gmail.com (qualquer valor ajuda muito) ou o formulário existente abaixo. São duas alternativas distintas para que você possa optar por uma delas e decidir com quanto quer ou pode participar, não precisando ser com os valores sugeridos. Toda contribuição é bem-vinda. No caso do formulário, a confirmação se dá depois das escolhas, no botão “Faça uma Doação”.

Uma vez
Mensal
Anualmente

FORMULÁRIO PARA DOAÇÕES

Selecione sua opção, com a periodicidade (acima) e algum dos quatro botões de valores (abaixo). Depois, confirme no botão inferior, que assumirá a cor verde.

Faça uma doação mensal

Faça uma doação anual

Escolha um valor

R$10,00
R$20,00
R$30,00
R$15,00
R$20,00
R$25,00
R$150,00
R$200,00
R$250,00

Ou insira uma quantia personalizada

R$

Agradecemos sua contribuição.

Agradecemos sua contribuição.

Agradecemos sua contribuição.

Faça uma doaçãoDoar mensalmenteDoar anualmente

No bônus de hoje temos primeiro um vídeo (a qualidade não é boa) de um velho comercial de televisão, estrelado por Xuxa. Depois é a vez de Pedro Iaco, com a música Fada Madrinha.

A FORÇA DO ÓDIO

Pobre Brasil, onde a intolerância e a falta de empatia e de humanidade seguem sendo consequências do deplorável e persistente discurso de ódio. Ou talvez o contrário, uma vez que existe uma retroalimentação constante entre narrativas e sentimentos: uma similaridade com aquela questão da galinha e do ovo, porém mais evidente. Sem dúvida alguma, o discurso gera a intolerância e a intolerância gera o discurso. A verdade é que, quando a gente pensa que se possa estar de algum modo rumando para a pacificação do país, virando a página deste antes tão improvável fascismo que nos alcançou, notícias nos mostram o contrário. Nada de reconstrução: a maldade segue latente e a extrema-direita não irá descansar de modo algum, jamais dando espaço para qualquer coisa que seja de fato positiva, alentadora. 

Vejamos aqui dois exemplos recentes desta irracionalidade extremista. Marco Feliciano, que é deputado federal e também pastor pentecostal, afirmou dia 30 de junho que os africanos são descendentes de um ancestral amaldiçoado por Noé. Disse também que o homossexualismo teria começado na África, assim como a AIDS. Dois dias depois outro pastor bolsonarista, André Valadão, transmitiu um culto ao vivo no qual insinuou que os evangélicos deveriam matar a população LGBTQIAP+. Ou seja, a fé que deveria ser cristã prega abertamente coisas que Jesus jamais teria proposto ou sequer referido. Cadê o “amássemos uns aos outros”? Desde quando o cristianismo tem na sua filosofia o ataque a grupos, minoritários ou não? Racismo e homofobia são crimes no Brasil (Lei 7.716/89) e quem os pratica precisa ser tratado como criminoso.

Fiquei pensando: Marco Feliciano recusa receber o dízimo de fiéis de sua igreja que sejam negros ou pardos? Porque, inacreditavelmente, eles existem. Muitos continuam lá, mesmo atacados em sua ancestralidade e desrespeitados na sua dignidade humana, talvez em função da lavagem cerebral a qual estão submetidos. Aliás, esse mesmo deputado pastor já fora denunciado em ocasiões anteriores pela prática de estupro e de orgias em igrejas evangélicas. Um belo exemplo de cidadão e religioso. Lembro ainda que ele é alvo de dois processos no Supremo Tribunal Federal, um deles sendo ação que o acusa de estelionato. E Valadão, que tão logo demonstrou sua vergonhosa homofobia foi denunciado pela travesti Talita Oliveira, que fora contratada em duas oportunidades para “prestar serviço ativo” ao pastor, como é que fica?

Em dicionários se encontra que ódio é uma aversão intensa, que é direcionada. Mas, ao prosseguir no conceito, eles dão também pistas de suas razões e origens. Está posto que é “paixão que conduz ao mal que se faz ou se deseja a outrem”. Entendeu, Valadão? Prato cheio para a explicação da repugnância. Bendita psicologia! Esse rancor violento e duradouro também pode ser consequência da inveja ou do medo. Tudo muito lamentavelmente humano, mas que pode e precisa ser enfrentado e resolvido.

Agora em 13 de julho, o Correio Braziliense publicou notícia relatando que o ministro da Justiça, Flávio Dino, demitiu um delegado da Polícia Federal que havia declarado, publicamente, que indígenas e negros são seres inferiores. A exoneração, afirma o jornal, estava publicada no Diário Oficial da União – não tive como confirmar. Mas, que providência que não esta deveria ser tomada? Tal opinião do delegado colocaria em xeque a credibilidade do seu trabalho e da própria instituição, que na verdade andou também sendo contaminada nos últimos anos. E não só ela: a política brasileira é o maior exemplo disso, depois que em passado recente os ratos saíram do esgoto direto para postos chave, a partir da eleição de Jair Bolsonaro.

O Congresso Nacional nunca foi tão conservador e extremista, quanto esse eleito no ano passado. E esta semana o presidente do PL no Rio de Janeiro, Valdemar Costa Neto, disse ter encontrado o nome ideal para o posto de vice na chapa que irá apresentar, com o general Braga Neto buscando a prefeitura da capital carioca. A escolha deve recair sobre a deputada federal bolsonarista Chris Tonietto, também do PL, tendo sido decidida porque ela foi condenada pela Justiça Federal a pagar R$ 50 mil de indenização por danos morais coletivos, após associar nas suas redes sociais a população LGBTQIAP+ com pedofilia. É a força do ódio. Basta comprovar que o seu é grande o suficiente e sua vida está feita.

17.07.2023

Se você gostou desta crônica, garanta a continuidade do blog com uma doação. Isso ajudará a cobrir custos com sua manutenção. Faça isso usando a Chave PIX virtualidades.blog@gmail.com (qualquer valor ajuda muito) ou o formulário existente abaixo. São duas alternativas distintas para que você possa optar por uma delas e decidir com quanto quer ou pode participar, não precisando ser com os valores sugeridos. Toda contribuição é bem-vinda. No caso do formulário, a confirmação se dá depois das escolhas, no botão “Faça uma Doação”.

Uma vez
Mensal
Anualmente

FORMULÁRIO PARA DOAÇÕES

Selecione sua opção, com a periodicidade (acima) e algum dos quatro botões de valores (abaixo). Depois, confirme no botão inferior, que assumirá a cor verde.

Faça uma doação mensal

Faça uma doação anual

Escolha um valor

R$10,00
R$20,00
R$30,00
R$15,00
R$20,00
R$25,00
R$150,00
R$200,00
R$250,00

Ou insira uma quantia personalizada

R$

Agradecemos sua contribuição.

Agradecemos sua contribuição.

Agradecemos sua contribuição.

Faça uma doaçãoDoar mensalmenteDoar anualmente

O bônus de hoje é O Samba Não Pode Esperar, com Daniela Mercury.