Em outra oportunidade contei aqui que gosto de, vez por outra, ler jornais antigos, comparar e associar manchetes e relatos. Foi assim que nesse “garimpo” eu encontrei, dias atrás, duas histórias que merecem ser contadas outra vez, agora juntas. Se referem a duas pontes necessárias e que foram construídas em locais e circunstâncias diferentes. Os dois fatos se deram no final de 2021, um deles na cidade do Rio de Janeiro e o outro em São Gabriel da Cachoeira, pequeno município localizado no extremo noroeste do Amazonas.
Na capital carioca, duas favelas eram separadas pelo Rio Irajá. De um lado a Cinco Bocas, em Brás de Pina; do outro a Pica-Pau, em Cordovil. Quando alguém precisava ir de uma para outra tinha que fazer uma volta enorme, o que até era bom. Isso porque elas eram comunidades rivais, controladas por facções diferentes de traficantes. Acontece que durante a pandemia, com o isolamento que restringiu inclusive as ações policiais, Álvaro Malaquias Santa Rosa, o Peixão, tomou conta das duas e as unificou com Cidade Alta, Vigário Geral e Parada de Lucas, formando o que hoje chamam de Complexo de Israel. Por ordem sua, bandeiras daquele país e estrelas de Davi são vistas em inúmeros locais. E nenhuma religião mais é tolerada na área, que não a evangélica pentecostal – templos de outras crenças e terreiros foram todos destruídos.
A partir do controle estabelecido por Peixão, a ponte passou a ser bem interessante, pois evitava a exposição dos traficantes, o que ocorreria se eles tivessem que usar a Av. Brasil. Esta obra integrara as promessas de prefeitos por um bom tempo, antes disso. No primeiro mandato de Eduardo Paes ele disse que a faria, ao custo de R$ 3 milhões. Não fez. Quando Marcelo Crivella assumiu, assegurou que ela sairia do papel, por R$ 4 milhões. Não saiu. Volta Eduardo Paes e o assunto também, com a obra agora orçada em R$ 5 milhões. Mas, outra vez não é realizada. Foi então que a criminalidade resolveu assumir o assunto, claro que não pelas comunidades, mas para a sua proteção, como colocado acima. Com um engenheiro e uma empresa contratada, em tempo recorde ela estava pronta, ao custo total de R$ 370 mil.
Diante do fato, Paes chegou a prometer derrubar a ponte. No que foi de imediato dissuadido por seus assessores e pela promessa de Peixão de que tal tentativa seria respondida a bala. O assunto foi deixado de lado e as comunidades, mesmo que por linhas tortas, também tiveram sua vida facilitada. O comandante do sindicato do crime seguiu podendo agir com a mesma naturalidade de sempre. Hoje ele tem contra si quase uma centena de anotações criminais e responde a 26 processos, mas nunca foi preso. Impõe em toda a área um regime violento e usa tecnologia avançada que inclui até drones para a vigilância. Quando da tomada de Cinco Bocas, para se ter uma ideia, sequestrou oito jovens rivais, que foram mortos, tiveram seus corpos triturados e dados para consumo de porcos. Álvaro Malaquias agora tem tentado ser chamado de Arão, o personagem bíblico irmão de Moisés. E seus “soldados” integram o que ele denomina todo orgulhoso de “Tropa da Arão”.
A ponte no município amazonense custou menos que a carioca. Em uma rodovia que sequer é pavimentada, erguida sobre o Igarapé Rodrigo e Cibele, o valor final da obra foi de R$ 255.174,38. O então presidente Jair Bolsonaro foi até o local, distante 854 quilômetros de Manaus, para as solenidades de inauguração. O custo para o deslocamento de sua comitiva, diárias e telefonia, segundo confirmou na época a própria Casa Civil da Presidência da República, via Lei de Acesso à Informação, foi de R$ 711.795,63. Ou seja, exatos 2,789 vezes o custo da estrutura. O que é mais um bom exemplo do desrespeito ao princípio da economicidade, que está apontado na nossa Constituição Federal. Ele visa garantir que, na administração pública, os recursos sejam utilizados de forma o mais eficiente e eficaz possível, sem prejuízo da qualidade. E não se limita à mera busca por preços menores, determinando que se otimize os gastos, buscando uma relação custo-benefício que seja a mais vantajosa para a sociedade.
28.08.2025

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