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A OPERAÇÃO ALGECIRAS

Quando a junta militar que governava a Argentina, em 1982, decidiu retomar as Malvinas, que os ingleses ocupam irregularmente, fez isso por duas razões distintas. A primeira e óbvia é que este arquipélago originalmente era seu, fica colado no continente sul americano e está distante quase 13 mil quilômetros da Inglaterra. A segunda, foi a tentativa de, insuflando o nacionalismo, desviar a atenção sobre o fato de que a ditadura militar imposta em 1976 não tinha simpatia alguma por parte de seu povo. O maior erro do general Leopoldo Galtieri foi acreditar que os europeus não iriam se dar ao trabalho de entrar em conflito por um pedaço de rocha onde se criam ovelhas. Ele estava errado.

Vamos, antes de continuar com a história recente, lembrar que a região era argentina até que em 2 de janeiro de 1833 o capitão John James Onslow desembarcou no local com contingente militar. Isso dois anos depois dos Estados Unidos – sempre eles – terem declarado que a região era “free of government”. Ou seja, uma espécie de terra sem dono, de ninguém. Voltando ao (quase) presente, uma semana depois que militares argentinos fizeram exatamente o mesmo que os ingleses haviam feito 149 anos antes, a Grã-Bretanha estava terminando de preparar uma enorme frota para vir retomar o arquipélago. E se soube que a guerra seria praticamente inevitável.

Visando encontrar um jeito de forçar que retroagissem, reduzindo seu poder de fogo ou mesmo aceitando negociar, os militares argentinos bolaram um plano mirabolante. O responsável por ele foi o almirante Jorge Anaya. A ideia era enviar um grupo de mergulhadores com o objetivo de atingir a frota inimiga, explodindo navios ingleses em seu próprio território, antes de cruzarem o Atlântico. Fazer com que eles se sentissem vulneráveis em sua própria casa, repensando a situação. Esses mergulhadores prenderiam minas magnéticas nos cascos, causando danos irreparáveis com as detonações.

A questão é que chegar nas bases navais dentro do território inglês não seria tarefa fácil. Então, optaram por executar o plano na que é mantida em Gibraltar, no sul da Espanha. Deste modo, foram urgentemente deslocados para a região um oficial da inteligência e três ex-terroristas argentinos que pertenciam ao grupo Montoneros. Um deles, de nome Maximo Nicoletti, já havia inclusive plantado minas em um navio da própria marinha de seu país, quando lutava para derrubar o governo. Assim, o grupo foi embarcado para a França, seguiu depois para Madri, onde teve acesso às minas – elas foram enviadas em malas diplomáticas, que entraram na Espanha sem vistoria –, indo por fim para a cidade de Algeciras(*). Nela os quatro chegaram disfarçados de pescadores.

Os passaportes falsos haviam sido confeccionados pela junta militar. Mas, eram tão mal feitos que o agente de imigração francês se deu conta. Permitiu a entrada, porém avisou seus superiores. Em função disso, o grupo passou a ser monitorado à distância. Em Algeciras, compraram apetrechos para pesca e ficaram aguardando a chegada de algum navio de porte que merecesse ser atacado. Também dependiam de ordem do almirante Anaya, claro. Entretanto, os dias se sucederam sem que a possibilidade surgisse.

A segunda estupidez, depois da questão dos passaportes, foi que eles pagavam tudo em dinheiro vivo, algo não comum para turistas. Faziam isso com o hotel, o carro alugado, as compras feitas, as refeições. Tal fato alertou também as autoridades locais, com a polícia tratando então de acompanhar seus passos. Quando finalmente aportou na base próxima a fragata inglesa HMS Ariadne, veio a ordem para aproveitar o momento. Até porque o almirante estava furioso pois, na mesma data, teria sido afundado o cruzador argentino General Belgrano, na primeira grande perda nas batalhas que já aconteciam no Atlântico Sul.

Então o plano foi reexaminado em detalhes, o equipamento deixado em perfeita ordem para a execução do ataque ao amanhecer seguinte. Com isso feito, foram dormir. Despertaram com a polícia na porta do hotel. E bastou uma rápida busca para os explosivos serem encontrados. Presos, não restou saída além da confissão. Para a sorte deles, estava o então primeiro-ministro espanhol Leopoldo Sotero com problemas internos o suficiente, não desejando de modo algum se envolver no conflito entre argentinos e ingleses. Então, silenciosamente determinou que fossem eles devolvidos, via Canárias, com os passaportes falsos mesmo. Na Argentina ocorreu a mesma coisa, com o grupo disperso e todos fingindo que nada acontecera. Só se tomou conhecimento do fato anos depois, quando Maximo Nicoletti foi preso ao participar da tentativa de assalto a um carro-forte e revelou tudo.

A guerra durou poucos meses. Como esperado, terminou com a vitória da Grã-Bretanha. O saldo foi a morte de 649 soldados argentinos, 255 britânicos e mais três civis moradores das ilhas. Além disso, o resultado acelerou a queda da junta militar e a restauração da democracia no país vizinho.

27.08.2024

(*) Algeciras é um município e cidade portuária do sul de Espanha, na província de Cádiz, comunidade autónoma da Andaluzia. O município tem 85,9 km² de área e em 2021 tinha 122.982 habitantes. Localiza-se perto de Gibraltar, ligeiramente mais a norte do que Tarifa, que é a cidade mais a sul da Europa continental.

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O bônus de hoje é Héroes de Malvinas, com a banda de rock argentina Ciro y Los Persas. O grupo foi formado em 2009, sendo liderado pelo cantor e compositor Andrés Ciro Martinez.