O AGRO É OGRO

Uma campanha desencadeada pela Rede Globo, quando todos os dias destinava minutos consideráveis do seu Jornal Nacional e fazia uso de uma arte que mostrava um duto enferrujado do qual jorrava dinheiro, foi fundamental para o recrudescimento de um antipetismo que contribuiu e muito para a eleição de Bolsonaro, em 2018. A ação criminosa de Moro e Dallagnol retirou Lula da disputa, mas foi esse massacre televisivo que impediu Haddad de ter sucesso, mesmo sendo incomparavelmente um candidato superior em relação à excrescência que venceu.

Outra campanha da mesma rede televisiva, essa mais subliminar, porém igualmente importante, vinha repetindo, em seu horário nobre, que o agro era algo pop e tech. Mais do que isso: que ele era TUDO. Coloco assim, com maiúsculas, para reforçar o absurdo que todos viam e ninguém se encarregava de contestar. O agronegócio, do modo como era posto, ao ser chamado de “a indústria riqueza do Brasil”, se apresentava como a locomotiva no nosso desenvolvimento. Na verdade, ele é a maior razão do nosso atraso.

O povo brasileiro carrega o agro nas costas, sendo quem arca com o ônus de todas as vantagens que recebem os grandes latifundiários. São R$ 348 bilhões em recursos destinados a eles pelo Plano Safra, apenas neste ano corrente. E não pagam impostos, têm isenção fiscal e não recolhem o ICMS sobre o que exportam, devido à Lei Kandir. Além disso, de olho na entrada fácil de recursos que vão direto para o seu bolso quando exportam tudo in natura, esses mega produtores não permitem, por exemplo, que se beneficie aqui dentro a produção, agregando valor. Podemos ir além, lembrando que são eles os principais responsáveis pelo desmatamento criminoso, pelas queimadas ilegais e pela violência no campo.

Se você ainda não está convencido, vamos acrescentar mais alguns detalhes nessa explanação. Por pressão de lobby pago por eles, nosso país autoriza a importação de agrotóxicos extremamente danosos para a saúde da população, sendo que esses produtos químicos em sua maioria estão com seu uso proibido nos países de origem. Eles contaminam solo e água, permanecendo neles por tempo indeterminado. Mesmo assim, muitas vezes insatisfeitos com o preço que precisam pagar em operações de compra regular, incentivam o contrabando, recebendo produtos ainda piores na medida em que sofrem falsificações. Outro fator é que foram eles os maiores defensores da liberação do acesso a armas e munições que o governo Bolsonaro, de modo irresponsável, permitiu. Nesse último caso, os milicianos e outras pessoas envolvidas em ações criminosas foram beneficiados indiretamente.

Simplificando: o agro concentra renda, destrói o meio ambiente e tem responsabilidade pelo crescimento da violência. Mesmo assim, não é difícil de se ver médios e pequenos produtores defendendo a pauta dos grandes, uma pauta que nunca será de fato a deles. Fazem isso porque foram convencidos que também podem fazer parte desse grupo, mesmo nunca tendo passado de “barrados no baile”. É a força da ideologia que os arrasta, assegurando uma falsa identificação com um grupo ao qual não pertencem. Quanto à população em geral, a ladainha é dizer que não se pode questionar o agro porque é ele que alimenta o Brasil. Isso se trata de uma mentira deslavada. O que chega na nossa mesa, feijão e arroz, frutas, verduras e legumes, não estão na lista do que eles produzem. Só a carne, talvez possa ser considerada. Mesmo assim, a prioridade vem sendo o mercado internacional, o que reduz a oferta e aumenta o preço aqui, internamente. O agronegócio quer saber é de commodities, da cotação da soja, do milho – que no exterior é usado amplamente como ração animal –, nunca se tem alguém passando fome no país.

É o agro que compra a colheitadeira caríssima, tratores imensos e seus camionetões movidos a diesel. É o agro que tem aviões com os quais pulverizam veneno nas lavouras, pouco se importando se a apicultura do vizinho será ainda afetada. Acreditem: ele não é um príncipe. Na verdade, o agro é ogro. Se vocês não sabem, esse é o nome dado para uma criatura mitológica que integra o folclore de vários países da Europa. Ela é retratada como sendo um gigante, que tem aparência um tanto ameaçadora e grotesca. Uma das suas características seria o fato de se alimentar de carne humana. O agronegócio brasileiro também tem esse hábito, de devorar homens e mulheres que para ele trabalham. E também o de manter muitas vezes um trabalho análogo ao de escravizados. De se lixar para tudo o que não integra o seu mundinho.

É o medo de terem seus privilégios sequer discutidos que os faz agora enviar caminhões, tratores e máquinas para as estradas. E financiarem a farta alimentação de um povinho doutrinado, que grita palavras de ordem que são fruto da sua ignorância, nas portas dos quartéis. Eles desejam um Brasil melhor? Não se trata disso: temem que a verdadeira melhoria se estenda para além dos seus interesses particulares e de suas contas bancárias. Razão pela qual incentivam seus prepostos baratinhos. Por isso, se faz necessário manter a calma e a paciência, até o final do ano, sem que se caia em provocações. 

24.11.2022

O bônus musical de hoje é Funeral de um Lavrador, na voz de Elba Ramalho. Trata-se de um belíssimo poema de João Cabral de Melo Neto, que foi musicado por Chico Buarque de Holanda. A escolha é uma homenagem aos que criam de fato a riqueza dos latifundiários, da qual nunca compartilham.

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O PAI ADOTIVO DO PIX NEM QUERIA QUE ELE NASCESSE

Vamos por partes, como diria Jack, o Estripador: em primeiro lugar, os estudos para a implantação de uma ferramenta que permitisse realizar pagamentos rápidos também aqui no Brasil – já existiam em vários outros pontos do mundo – foram feitos em 2016. Quem estava à frente deles era o economista Ilan Goldfajn, do Banco Central. E a presidência da República era ocupada por Michel Temer. As análises se faziam necessárias para que se tivesse noção mais precisa dos possíveis benefícios, como também dos impactos que poderiam ser trazidos por sua eventual adoção. Serviu de exemplo um sistema que era utilizado pela startup Zelle, nos EUA. Segundo: a portaria que oficializava o início de tudo foi publicada em maio de 2018, antes de Bolsonaro ser eleito. O terceiro ponto, que agora foi varrido para baixo do tapete da memória, é que a equipe econômica do atual governo e o próprio presidente, após assumirem, se mostraram contrários à adoção do Pix. A posição se explica porque temiam que houvesse impacto significativo nas receitas de bancos, seus apoiadores.

Como depois não se confirmaram as perdas dos banqueiros, porque a redução das receitas com TEDs e DOCs – reportagem de O Estado de São Paulo garante que Itaú Unibanco, Bradesco, Banco do Brasil e Santander teriam deixado de arrecadar R$ 1,5 bilhão em 2021 – foram amplamente compensadas pelo crescimento no número das contas e por receitas adicionais vindas de outros serviços prestados aos correntistas, o mesmo governo que era contra respirou aliviado. E, mais do que isso, está se declarando pai da ideia na propaganda eleitoral que vem sendo mostrada em rádio e televisão. Um adendo: os quatro bancos citados pelo jornal, que são as quatro maiores instituições financeiras do nosso país, somaram no ano o lucro de R$ 81,63 bilhões, o maior já registrado desde 2006.

Em pelo menos 60 países existem sistemas de pagamento instantâneo semelhantes ao Pix brasileiro. O Japão foi o primeiro em todo o mundo a oferecer um desses. Conhecido como Zengin, ele existe desde 1973 e, por razões óbvias ligadas ao aprimoramento das tecnologias, já passou por diversas atualizações. Na Inglaterra o Faster Payments começou a operar em 2008, sendo aplicável em todas as nações do Reino Unido. Em Portugal o nome é MB Way e existe desde 2014. E na Índia ele se chama UPI, iniciais de Unified Payment Interface, com os indianos fazendo uso desde 2016. No México e na Turquia os serviços são mais recentes: respectivamente, o CoDi começou em 2019 e o Fast em 2021. Para que se tenha uma ideia, o resultado da facilidade dessas operações aponta que, segundo dados da FIS, que é líder global em tecnologia para serviços financeiros, até o final de 2022 teremos 75% da população mundial já incorporada.

Mais informações relevantes: o trabalho liderado por Ilan Goldfajn contou com a participação de cerca de 130 instituições que colaboraram, entre bancos, fintechs e cooperativas. O Pix tem ajudado a retirar de circulação dinheiro em papel, o que assegura economia para o governo que agora pode emitir menor número de notas para substituir as danificadas. Mais de 112 milhões de pessoas já se cadastraram no sistema. E um dado que preocupa é que a agilidade do processo está fazendo com que ele seja amplamente utilizado em crimes. Estimativas apresentadas pelas próprias instituições bancárias apontam para um desvio de R$ 2,5 bilhões em golpes financeiros ao longo deste ano, com 70% deste montante sendo movimentado via Pix.

Isso posto, para concluir vamos esclarecer de uma vez que o Pix não é um quinto filho homem de Jair Bolsonaro. Nem se precisa de exame de DNA para que fique comprovado que essa paternidade não procede. Basta buscar as mais singelas informações, que estão disponíveis para quem quiser. Foi o que eu fiz. Deste modo, a frase “Criamos o Pix tirando dinheiro de banqueiros”, pronunciada na entrevista concedida ao Jornal Nacional e depois repetida em vídeos de campanha, é uma inverdade. Uma a mais. A ideia foi importada e depois, internamente em nosso país, o sistema foi criado e implementado por analistas e técnicos, servidores concursados do Banco Central, que atuam defendendo interesses do Estado e não de governos. O que torna ainda mais triste isso ser apresentado como uma das maiores realizações de um presidente; uma confissão de que ele fez mesmo muito pouco.

11.09.2022

O bônus de hoje é a música Pra Que Dinheiro?, de Martinho da Vila, na voz de Pedro Luís. A gravação foi feita em edição do Sambabook.

Esse blog recomenda que seus leitores conheçam o site da Rede Estação Democracia. Acesso através do link abaixo.

https://red.org.br/