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O GOVERNADOR QUE MATOU A PRÓPRIA FILHA

Francisco de Assis Peixoto Gomide Júnior (1849-1906), ou simplesmente Peixoto Gomide, foi governador de São Paulo – na época o cargo era chamado de presidente – por um curto período de tempo, entre 1896 e 1898. Também presidiu o Senado. Era um homem muito rico e que, depois de morto, foi homenageado com a colocação de seu nome em uma rua na capital daquele Estado, no Jardim Paulista. Seu pai, também político, fora deputado provincial e geral, na época do Império. E ele, que tinha como profissões ser advogado e professor, casou com Ambrosina Pinto Nunes, tendo quatro filhos.

Em 1906 ele foi centro de uma tragédia familiar. Na sala de sua casa, disparou um tiro contra a testa de sua filha Sofia, de 22 anos, que teve morte instantânea. Na sequência, tirou sua própria vida. A residência da família ficava na Rua Benjamin Constant, 25-A, entre a Praça da Sé e o Largo de São Francisco, onde hoje está o Palacete Chavantes.

O episódio, obviamente, teve enorme repercussão. E ao menos duas hipóteses foram levantadas na época, tentando explicar sua motivação. A primeira seria sua oposição radical ao relacionamento de Sofia, que estava com casamento marcado para a semana seguinte. O noivo era o promotor público e poeta Manuel Baptista Cepelos (1872-1915), um jovem que era tido como boêmio, mas que tivera inclusive seus estudos custeados por Peixoto Gomide. Então, porque a simpatia do pai da noiva se tornaria uma oposição tão extrema? A segunda aventada é que o rapaz seria na verdade também filho do político, resultado de uma relação extraconjugal. O que também justificaria a “gentileza” incomum no pagamento de sua formação acadêmica. Modernamente, se poderia acrescentar outra possibilidade, com a existência de relacionamento entre o jovem e o próprio governador.

Manuel, depois do ocorrido, abandonou o ministério público paulista e se mudou para o Rio de Janeiro. Na capital carioca, nunca conseguiu ter sucesso profissional e enfrentou enormes dificuldades financeiras. Até vender seus livros de porta em porta ele fez, para conseguir pagar por casa e comida. Em 7 de maio de 1915 foi encontrado morto junto às pedras da praia que existia na rua Pedro Américo, no Catete. A causa nunca chegou a ser apurada.

Algum tempo atrás ouvi alguém questionando se uma pessoa que mata alguém e/ou comete suicídio – no caso dele, as duas coisas – deveria ou não se tornar nome de rua em qualquer cidade brasileira. Mesmo sendo uma discussão tão plausível quanto tantas outras, lembrei que existem em diversas cidades brasileiras logradouros que homenageiam figuras ligadas, por exemplo, à repressão, tortura e mortes acontecidas durante o período da ditadura militar (1964-1985). Um estudo da Universidade de São Paulo, de 2021, confirma que são cerca de 3,7 mil ruas, avenidas e praças que os eternizam, como heróis que nunca foram. Talvez o caso mais notório esteja em cidade cearense, onde existe a rua Carlos Alberto Brilhante Ustra, o mais destacado torturador e assassino do regime.

Nos últimos anos, a manutenção dessas homenagens tem sido alvo de muitas críticas. O que resultou em iniciativas que promoveram trocas, como forma de respeito à memória das suas vítimas. Em Belo Horizonte, por exemplo, a antiga Rua Dan Mitrione, que referia o agente do FBI que treinava torturadores brasileiros, se tornou Rua José Carlos da Matta Machado, um dos muitos jovens mortos na resistência contra o arbítrio e o autoritarismo. Em Porto Alegre, a Av. Castelo Branco foi rebatizada como Avenida da Legalidade, mas o processo acabou revertido em ação da extrema-direita. O que não aconteceu em São Paulo, onde o Elevado Costa e Silva se tornou definitivamente Elevado João Goulart, em 2016.

Ainda na capital paulista tramita o projeto de lei “Ainda Estou Aqui”, que visa novas substituições – por enquanto ele segue adormecido, em comissões da Assembleia Legislativa. De modo paralelo, atendendo outras iniciativas, a Justiça já determinou que a Prefeitura de São Paulo elabore um cronograma para alterações. Mas, a gestão Ricardo Nunes permanece em silêncio. Atualmente, a cidade tem mais de 30 locais que podem ser alterados. Entre eles estão: Praça Augusto Rademaker Grunewald (Itaim Bibi), para Praça Eunice Paiva; Av. Ênio Pimentel da Silveira (Morumbi), para Av. Egle Vannucchi Leme; Rua Otávio Gonçalves Moreira Júnior (Jardim Esmeralda), para Rua Zuzu Angel; Praça Humberto de Souza Melo (Belenzinho), para Praça Dom Evaristo Arns; e Praça Ministro Alfredo Buzaid (Vila Nova Conceição), para Praça Nadir Gouvêa Kfouri.

A discussão sobre a revisão desses nomes segue em curso, refletindo a luta pelo direito à memória e pela preservação histórica no Brasil. Isso não significa esquecer ou ocultar fatos, mas entender que não se pode exaltar criminosos. Talvez fique mais fácil de entender a defesa dessa posição, com a avaliação de uma situação hipotética. Os paulistanos achariam normal a existência de ruas como os nomes de Suzane von Richthofen, Elize Matsunaga ou Alexandre Nardoni? Pois torturadores, militares e apoiadores do regime de exceção causaram enorme número de mortes e mutilações, também de pessoas que não tinham como se defender, em atos tão bárbaros ou piores do que os praticados pelas três pessoas que citei como exemplo. Não é algo a ser considerado?

09.12.2025

Manoel, Sofia e Francisco Gomide

O bônus de hoje é Passional, com Fátima Guedes.

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