Amanhecia o dia 16 de março de 1968. Cerca de 100 soldados dos EUA invadem a pequena aldeia de My Lai, localizada na zona rural do Vietnã, país contra o qual estão em guerra. Eles integram a Companhia Charlie e têm a missão de confrontar vietcongues – esse era o nome que usavam para identificar os membros da Frente Nacional para a Libertação do Vietnã –, que não se encontravam no local nem nas proximidades, como se soube depois. Tomados de fúria, resolvem executar os habitantes civis desarmados. Ao longo de cerca de três horas se deu uma matança cruel, que vitimou 504 pessoas, sendo 182 mulheres (17 grávidas) e 173 crianças e bebês. Não pouparam ninguém: idosos eram arremessados nos poços ainda vivos, mulheres e meninas só recebiam um tiro na cabeça depois de estupradas. Nem os animais de criação eles deixaram vivos, atirando por prazer em porcos e galinhas. Todas as suas casas foram incendiadas.

Esse, considerando o que foi apurado, se tratou apenas do maior entre tantos outros massacres que ocorreram. Não foi de modo algum o único. Os próprios registros militares que os Estados Unidos arquivaram com cuidado e discrição por mais de três décadas descrevem pelo menos mais 300 casos que poderiam ser descritos como crimes de guerra. My Lai se destacou apenas pelo número de mortos em um único dia. E por fotografias que chegaram a ser feitas pelos próprios algozes. Outro fato que o diferenciou foi ter o piloto de helicóptero Hugh Thompson Jr., com sua tripulação de dois homens (Glenn Andreotta e Lawrence Colburn), agido ativamente para que tudo parasse. Eles chegaram ao final, como apoio para os soldados na tal missão original, se deparando com o cenário de horror absoluto. Hugh então marcou a área com fumaça verde e, depois do pouso, ordenou que a sua tripulação abrisse fogo com as metralhadoras laterais da aeronave Hiller OH-23 Raven contra qualquer soldado que se recusasse a obedecer a ordem de cessar-fogo. Com isso garantiu que 11 civis que ainda seriam executados fossem poupados.

Após decolarem Andreotta viu movimentos em uma vala de irrigação que estava repleta de pessoas mortas. Desceram novamente. Ele teve que andar sobre vários corpos mutilados para chegar ao local onde parecia haver algum sobrevivente. Embaixo de um cadáver ensanguentado, com vários buracos de bala no tronco, havia uma criança de cinco ou seis anos, também coberta de sangue e em estado de choque. Ele a trouxe no colo e, para sair da vala, precisou segurar no rifle que Colburn lhe estendeu. Quase sem combustível, deixaram a criança no hospital de Quảng Ngãi.

Hugh chegou a ser considerado uma espécie de traidor por ter agido com humanidade. Como punição, passaram a enviar o piloto em perigosas missões de localização dos inimigos. Isso resultou em ter sido ele cinco vezes abatido pelo fogo inimigo. Na última destas quedas, lesionou a sua coluna. Além disso, carregou cicatrizes emocionais e psicológicas pelo resto da vida. Foi reformado e chegou ao posto de major. Morreu em 6 de janeiro de 2006, aos 62 anos, depois de uma longa batalha – essa ele perdeu – contra o câncer.

Voltando ao “Massacre de My Lai”, quando a imprensa levou tudo ao conhecimento público, as Forças Armadas não tiveram como evitar a abertura de um inquérito. Em março de 1970 foram indiciados 25 dos soldados por crimes de guerra e ocultação de fatos e provas. Apenas um deles terminou condenado: o tenente William Calley Jr., que liderava o pelotão naquela manhã. Ele foi sentenciado à prisão perpétua, mas cumpriu apenas três dias, uma vez que o então presidente Richard Nixon ordenou a redução de sua pena para três anos em prisão domiciliar.

As estimativas de civis vietnamitas mortos durante a guerra, entre 1965 e 1973, é de aproximadamente dois milhões de pessoas. Os comunistas venceram, apesar dessas baixas absurdas. Com a retirada dos soldados dos EUA, unificaram Vietnã do Norte e Vietnã do Sul. Hoje a República Socialista do Vietnã tem 90 milhões de habitantes, apresenta paz e prosperidade, com crescimento econômico e estabilidade política.

31.07.2025

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O bônus de hoje é o vídeo com uma música tradicional do Vietnã. Ela é tocada no instrumento local que chamam de “ban dau”. A gravação foi feita em apresentação pública em Hanói, a capital do país unificado.


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4 Comentários

  1. Que tragédia que foi essa guerra: primeiro a França e depois os USA e seus governos. Vou repercutir, claro. Essa semana estou trabalhando “Imagine”, e claro, tudo vem a calhar. Grande abraço.

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