Em 18 de novembro de 1914, exatamente 110 anos atrás, nasceu Iberê Camargo, em Restinga Seca, então distrito de Cachoeira do Sul (1). O gaúcho se tornou um dos maiores artistas plásticos brasileiros, sendo reconhecido internacionalmente por suas pinturas e como gravurista. Seus estudos começaram na Escola de Artes e Ofícios da Cooperativa da Viação Férrea, em Santa Maria. Após vir morar em Porto Alegre, teve uma breve orientação do professor João Fahrion, que era ilustrador e desenhista. Em 1942 ingressou na Escola Nacional de Belas-Artes, no Rio de Janeiro, mas ficou decepcionado com o academismo (2) vigente e a abandonou. Então, por recomendação dada por Cândido Portinari, passou a frequentar o curso livre de Alberto da Veiga Guignard. Em 1948 foi para a Europa e por lá permaneceu por dois anos e meio. Em Roma estudou pintura com Giorgio de Chirico, gravura com Carlo Alberto Petrucci e materiais com Leoni Augusto Rosa. Depois disso, em Paris, atraído pela fama do professor André Lhote e também pela leitura do Tratado da Paisagem, esteve algum tempo em sua academia.

Sua vida profissional seguiu na capital carioca. Em 1980, no auge do seu prestígio e fama, um acontecimento trágico o abalou profundamente. Ao presenciar a briga de um casal, no bairro de Botafogo, ele tenta intervir e tudo sai do controle, virando luta corporal entre os dois homens. Armado, Iberê, que estava com 66 anos, atira e mata seu oponente, o engenheiro Sérgio Alexandre Esteves Areal, de 32. Termina preso em flagrante e fica detido no Batalhão de Choque da Polícia Militar, por um mês. A alegação de legítima defesa foi acolhida e ele absolvido liminarmente em janeiro de 1981, com o veredito sendo confirmado em junho de 1982. Esse fato, no entanto, afetou sua vida pessoal e inclusive sua produção artística.

Para deixar o acontecimento mais distante, não apenas no tempo como também no espaço, Iberê resolve voltar a viver em Porto Alegre. Aqui se instala em uma casa na Cidade Baixa e se torna frequentador do Parque da Redenção e arredores. Neste período surgiram temáticas um pouco distintas daquelas que antes abordava. Se inicia, por exemplo, a fase dos manequins, com ele desenhando em frente às vitrines das lojas da Rua da Praia. Também passou a desenhar uma série de ciclistas, olhando para os que pedalavam no parque. Interessante é que começaram a surgir os personagens, que eram papeleiros, músicos, palhaços, trabalhadores de rua e os próprios mendigos que circulavam nesse seu território comum. Segue-se a fase fantasmagórica, com muitos destes sendo retratados em estruturas esqueléticas.

Esse seu legado hoje em dia se concentra especialmente em uma instituição que ganhou seu nome e ocupa lugar de destaque na orla do Guaíba. A Fundação Iberê Camargo preserva e divulga a obra em um prédio de arquitetura moderna, inaugurado em 2008. A obra foi idealizada pelo arquiteto português Álvaro Siza, que teve especial preocupação com as questões ambientais. As aberturas foram projetadas para garantir uma iluminação natural e há reaproveitamento da água das chuvas. A própria concepção do prédio tentou fazer jus à inquietação do artista, com suas linhas e arrojo.

Iberê costumava dizer que não era um homem de tocar as coisas com as pontas dos dedos. Ele de fato agarrava a vida e a arte por inteiro, com as duas mãos. Cronista do seu tempo, mesmo não o retratando com o uso de palavras, transpunha para a pintura e para a gravura aquilo que via. E disse, certa vez, que a vida dói. Para quem ainda está aqui e tem algum respeito pela arte, só não causa dor a ausência do artista porque segue muito presente tanto do que ele fez.

18.11.2014

(1) Restinga Seca se emancipou de Cachoeira do Sul em 25 de março de 1959, com a lei tendo sido assinada pelo então governador Leonel Brizola.

(2) Academismo é o método de ensino artístico profissionalizante que foi desenvolvido pelas academias de artes europeias. Academicismo se trata da postura conservadora de observar sempre – e às vezes de modo exagerado – as regras formais, estéticas e técnicas propostas (ou impostas) no meio acadêmico.

Iberê Camargo (1914-1994). Crédito da foto: Luiz Eduardo Achutti

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