Porto Alegre está demasiado machucada. Muitas das suas ruas e bairros estão guardando dores e ficarão com cicatrizes. Milhares de moradores estão de luto, quer pela perda de pessoas como pelo apagamento de memórias – objetos e fotos perdidas de momentos que jamais irão voltar – e pela destruição de conquistas. A recuperação dos bens materiais levados ou destruídos pelas águas será penosa. E muito mais ainda a restituição da sua dignidade, da normalidade da vida por mais dura que fosse antes, a reconquista da capacidade de sonhar.

Passeios de finais de semana estão tendo que ser trocados pela limpeza de tudo. O pôr do sol talvez demore a ter as mesmas cores. O transporte público está precário como nunca. Muitos espetáculos foram adiados ou cancelados. Escolas e hospitais ainda não atendem em sua plenitude de funções e necessidades. Os gritos de gol foram calados, na Arena e no Beira-Rio. O que mais cresce por aqui, além dos amontoados de lixo e de entulho, é a ansiedade das pessoas. Os supermercados aumentam os preços a cada dia, alimentando mais a ambição do que consumidores. Postos de trabalho estão ameaçados E a esperança está como areia na parte superior das ampulhetas.

A cidade, que já foi homenageada com tantas canções e poemas, está precisando como nunca da sensibilidade destes compositores, de poetas e quem mais possa ter um olhar mais atento e pleno de ternura. Ela, que sempre foi uma espécie de mãe acolhedora – eu mesmo sou um dos seus tantos filhos adotivos –, agora necessita de colo e atenção. Vamos recuperar a doente, buscar prioritariamente a sua cura, sem esquecer da necessidade posterior de atacar as causas que agravaram o mal por ela enfrentado. Identificar os patógenos e dar um jeito de neutralizá-los, para evitar reincidência.

Por enquanto, como alento, vamos recordar aqui de quem nos lembrou com muita propriedade, na música Porto Alegre, que o de mais especial que tem a cidade está acima do seu chão. A letra de Thedy Corrêa faz parte da trilha do documentário “Porto Alegre Meu Canto do Mundo”, e repete que este é o lugar que ele escolheu para viver. Vamos também evocar a produção de Vitor Ramil, que 27 anos atrás brindou a todos com Ramilonga, em álbum que ele gosta de dizer que apresentou a “estética do frio” – também no título de então – como sendo um traço de identidade do Estado. E da sua capital, por extensão.

Nessa oportunidade, importante também citar Horizontes, uma canção composta por Flávio Bicca Rocha para a peça teatral “Bailei na Curva”, que marcou época em Porto Alegre. Quando cantada pelo elenco era seguida pelas vozes e assobios do público, prosseguindo junto com os aplausos ao final dos espetáculos. Foi apenas no ano seguinte, com a gravação feita por Elaine Geissler, que ela alcançou outros espaços e ficou ainda mais conhecida. Agora, o que jamais poderia deixar de ser incluído nesta homenagem, nessa busca poética tão necessária em meio ao lodo, é O Mapa. Mário Quintana consegue retratar, com aquela sua característica inigualável, de ser profundo na simplicidade, o que cada um de nós adoraria ter a capacidade de expressar. Ele esquematiza uma cidade que a enchente não é capaz de atingir. Como sonhamos, tomara que não inutilmente, seja o que nos reserve o futuro.

06.06.2024

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Os bônus de hoje são apenas a continuidade do que já foi antecipado no próprio texto da crônica. O clipe de Porto Alegre, com a banda Nenhum de Nós; seguido de uma gravação de Ramilonga, feita por Vitor Ramil na Argentina; do áudio de Horizontes, na voz de Elaine Geissler; e fechando com uma declamação de O Mapa, de Mário Quintana.

Horizontes, de Flávio Bicca Rocha, na voz de Elaine Geissler

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