Asseguro a vocês que o filme é muito bom. Tanto que, além de estar conquistando bilheteria significativa em todo mundo, já ganhou vários prêmios – incluindo a cobiçada Palma de Ouro, em Cannes – e está indicado para cinco categorias do Oscar (filme, direção, atriz, roteiro original e edição). Me refiro ao mais recente trabalho da diretora francesa Justine Triet, Anatomia de Uma Queda. Toda a trama gira em torno de uma morte, que pode ter sido resultado de um simples acidente como também um homicídio ou um suicídio. Assim, as dúvidas são levadas ao tribunal, onde temos a oportunidade de ver pormenores que podem indicar qual das hipóteses seja a verdadeira.
Uma das coisas que a história também mostra é o quanto a vida privada hoje em dia está se tornando algo de interesse público, uma vez que nem tudo aquilo que termina exposto tem pertinência com a investigação, sendo apenas circunstâncias comuns à maioria dos casamentos. Nela, o núcleo central é composto por três personagens: Sandra, uma escritora alemã; Samuel, seu marido francês; e Daniel, o filho do casal (vivido por Milo Machado Graner). Os demais que merecem ser citados são Vincent, o advogado amigo de Sandra; e o promotor público – por lá chamado de L’Avocat général –, do qual nem mesmo o nome importa, gravitam em torno da busca pelo esclarecimento de tudo.
O julgamento termina assumindo um valor em si, deixando de ser assim tão relevante a verdade: se trata apenas de um teatro midiático. E nele, quem termina parecendo “ver” as circunstâncias com outros olhos é justamente o garoto filho do casal, que tem uma severa deficiência visual. Afinal, isso nos mostra o quanto somos movidos não pela racionalidade dos fatos e sim pela forma como as narrativas são construídas. E a complexidade da experiência humana se evidencia.
O que o filme tem de mais arrebatador é a sua capacidade de equilibrar quase à perfeição forma e conteúdo. A interpretação magistral de Sandra Hüller – sim, a atriz tem o mesmo nome que a personagem – consegue mostrar e esconder ao mesmo tempo inúmeras perspectivas. Tudo é o tempo todo uma espécie de metalinguagem brincando tanto com o nosso intelecto quanto com a nossa capacidade sensorial. Um jogo constante se dá também com a ambientação: a própria casa da família se trata de uma estrutura ainda incompleta, tanto que o marido está no sótão trabalhando em melhorias no momento em que a queda ocorre. Essa residência é isolada e cercada de neve, tornando tudo monocromático e frio como parece ser a relação do casal.
Citei até aqui os nomes de apenas dois dos atores e atrizes, talvez pelo fato de serem mesmo aqueles que conduzem todo o suspense da trama e disparado têm desempenho destacado. Não que os outros tenham ido mal, apesar de gravitarem ao redor da luminosidade de Sandra e Milo. O promotor (Antoine Reinartz) tem brilho nos olhos cada vez que entende estar conduzindo a decisão dos jurados para a culpabilidade da ré. Seu advogado de defesa (Swann Arlaud) se mostra sério e compenetrado como sua missão de fato exige. E o morto (Samuel Theis, outro prenome repetido), nas cenas nas quais é mostrado em tempo anterior retrata a angústia e a ambiguidade necessárias para a dúvida ser criada.
Enfim, o filme que está nas salas brasileiras desde 25 de janeiro, vale o ingresso. E sua duração de 2h31min nem é percebida, tal o nível de atenção que os espectadores precisam manter para acompanhar o fio da meada. Até porque nesse novelo ele dá algumas boas voltas.
16.02.2024

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Faça uma doaçãoDoar mensalmenteDoar anualmenteOs bônus de hoje iniciam com o trailer do filme Anatomia de Uma Queda legendado. Depois temos uma versão instrumental da música PIMP, do rapper norte-americano Curtis James Jackson II (50 Cent). Ela é usada à exaustão e em volume altíssimo nas primeiras cenas do filme. Quem toca é Bacao Rhythm & Steel Band, um grupo alemão de funk cujo líder, Björn Wagner, viveu muitos anos na caribenha Trinidad e Tobago, uma nação formada por duas ilhas e localizada perto da Venezuela.
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Sandra brilha em Zona de Interesse também. “Anatomia” está na minha lista para ver até o Oscar
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