Eu nunca tive o menor tino comercial. Negocio qualquer coisa, sempre de modo errado: pagando ou recebendo, comigo o preço nunca é justo e quem perde sempre sou eu. Acho que meus pais gastaram todo esse ingrediente com o meu irmão, que era atilado como ele só. Quando chegou a minha vez, filho mais moço, não havia sobrado. Tudo bem. Isso é da vida e outras qualidades certamente as tenho. Agora, não foi por falta de exemplo que eu deixei de aprender a fazer negócios. O Sérgio mesmo eu poderia ter imitado, o que não fiz.
Agora, tem gente que nasce com essa facilidade. Se costuma dizer que vendem até geladeira para esquimó. E farejam oportunidades e ofertas. Muito pequeno, lembro de um libanês que tinha casa comercial na minha cidade natal. Nossa família comprava dele e, quando o produto que se buscava não existia na loja, mesmo assim ele tinha uma fórmula para fidelizar e deixar nova venda engatilhada: “Não tem, mas bai-rê-cé-be”, dizia ele com seu sotaque que para mim era muito estranho. A promessa de que em breve iria receber a mercadoria solicitada era uma forma de fazer com que se voltasse lá ou que, no mínimo, se avaliasse não procurar na concorrência por algum tempo. E a expressão lhe rendeu um apelido.
Como eu saí de Bom Jesus muito pequeno não sei que fim levou aquele libanês – ai de quem o chamasse de turco. Mas, na minha imaginação infantil ele era um homem rico. Se não chegou a esse patamar, na certa foi muito bem sucedido. Se bem que este conceito é algo às vezes tão volátil quanto a própria existência. Para o modelo de vida capitalista, isso só pode ser empregado se a pessoa tem mais do que precisa, acumula de modo compulsivo e consegue, de alguma forma, ostentar essa riqueza toda. Aliás, até a discrição que muitos capitalistas adotam não deixa de ser uma forma de jactar-se, só que paradoxalmente sem alardear. Ela tem um valor em si, como a caridade quando explícita, que supera o próprio ato/fato.
Quanto a ser comerciante, não deve mesmo ser uma atividade fácil. A pessoa ocupa um lugar intermediário entre os interesses de quem produz e as necessidades de quem consome. E lucra com isso, naturalmente. Só que paga também um preço muitas vezes elevado. Em alguns ramos, os horários são absurdos. Vá abrir um restaurante, para ver. Em outros depende da sazonalidade, com períodos no qual as receitas tendem a zero. E há compromissos legais com registros, impostos, funcionários, o escambau. Mas, no final das contas, esse é um trabalho essencial para a economia e para a vida das pessoas. Todos precisamos da padaria da esquina, da farmácia sempre aberta, do posto de gasolina, compramos roupas, livros, brinquedos, móveis e eletrodomésticos, fazemos ranchos nos supermercados. Ou seja, não se pode passar sem comerciantes. Bai-rê-cé-be, aquele libanês de quem lembro o apelido e não seu nome verdadeiro, cumpriu bem esse papel.
06.02.2024

APOIE O VIRTUALIDADES! Gosta de política, esporte, cultura, tecnologia, comportamento e outros temas importantes do momento? Se identifica com os meus textos? Contribua por meio do PIX virtualidades.blog@gmail.com ou fazendo uso do formulário abaixo:
FORMULÁRIO PARA DOAÇÕES
Selecione sua opção, com a periodicidade (acima) e algum dos quatro botões de valores (abaixo). Depois, confirme no botão inferior, que assumirá a cor verde.
Faça uma doação mensal
Faça uma doação anual
Escolha um valor
Ou insira uma quantia personalizada
Agradecemos sua contribuição.
Agradecemos sua contribuição.
Agradecemos sua contribuição.
Faça uma doaçãoDoar mensalmenteDoar anualmenteO bônus de hoje é Armazém, com Ana Carolina.
Descubra mais sobre VIRTUALIDADES
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.
Looking good.
CurtirCurtir
Armazéns, bolichos e “lochinhas” também integram os meus afetos de infância.
CurtirCurtir
Eu adorava aqueles armazéns que vendiam de tudo. As coisas compradas à granel, com arroz e feijão postos em sacos de papel. E tinha aqueles expositores rotativos, de vidros repletos de balas coloridas.
CurtirCurtir