Uma canção que nasceu da parceria entre o pianista Ariel Ramirez (1921-2010) e o historiador Felix Luna (1925-2009), imortalizada na voz de Mercedes Sosa – teve inúmeras outras gravações –, é nosso assunto de hoje. Seu nome: Alfonsina y el Mar. Mas essa pessoa, que mereceu a homenagem musical, não era uma simples criação, uma personagem nascida da imaginação dos compositores. Ela existiu de fato, tendo por acaso nascido na Suíça, filha de um casal ítalo-argentino. E recebeu o nome de Alfonsina Storni (1892-1938).

Com dez anos de idade, a pequena vivenciou uma série de fatos muito duros, em função do seu pai ter sofrido um fracasso econômico, antes da doença que o levou à morte. Essa situação fez com que ela forçosamente tivesse sua infância abreviada, se tornando costureira e operária, na Argentina. Apenas mais tarde conseguiu, sendo aprovada em concurso, tornar-se uma professora das que trabalham no meio rural, com todas as dificuldades que a profissão impõe.

A história de Alfonsina prosseguiu com sua fuga da província, seguindo com a companhia teatral de José Tallavi. Grávida, teve aquele que seria seu único filho, em Buenos Aires. Depois seguiu para a Europa, onde conheceu artistas de vanguarda, aprimorou seu talento poético e sofreu as dores da vida e de alguns amores. Ganhou tal dimensão, considerada a qualidade do que produzia, que estudiosos da literatura a comparavam com a poeta chilena e primeira entre as latino-americanas a receber um Nobel de Literatura (1945), Gabriela Mistral.

Inquieta, questionadora da realidade, a potência poética de Alfonsina vinha de seu interior. Tu que nunca serás, A súplica, Palavras a um habitante de Marte, Doce tortura, Luz, Sou essa flor e Crepúsculo são alguns dos muitos títulos que confirmam o seu talento. Em época de enormes dificuldades para que as mulheres tivessem destaque e ascensão, ela externava no seu fazer as frustrações pessoais dela e de todas, as desilusões, a duríssima luta contra tantas desigualdades. E toda essa força lírica foi celebrada com sensibilidade igual na música com a qual dois argentinos dramatizaram a sua morte.

Alfonsina y el mar narra a história do suicídio da poeta, quando tinha 46 anos de idade. O fato se deu em uma noite enluarada, em Mar Del Plata, em decorrência de uma crise depressiva. A decisão extrema ocorreu logo após a descoberta de um câncer de mama. Também teria sido motivada por nova desilusão amorosa e pela morte de um grande amigo seu, o escritor uruguaio Horácio Quiroga. Antes do ato final cometido ao jogar-se ao mar, se hospedara em uma pensão, sem se identificar. E lá escreveu seu derradeiro poema, que recebeu o apropriado título de Voy a Dormir. Nele, faz pedido a uma ama-de-leite imaginária que ilumine seu sono com as luzes de uma constelação. Solicita ainda que possa ficar em paz. “Se ele telefonar novamente/ Diga que não insista/ Diga que saí”.

Na letra de Ariel e Felix estão versos como “Sabe Deus que angústia te acompanhou/ Que antigas dores calaram tua voz/ Para deitar-se embalada ao canto das conchas marinhas”. Em outro trecho, seguindo a mesma tradução livre, há uma cena de encanto: “Cinco sereiazinhas te levarão/ Por caminhos de algas e de corais/ Fosforescentes cavalos marinhos/ Estarão em vigília/ E os habitantes da água/ Brincarão a teu lado”. Tudo explicando sua despedida tão próxima ao mar. Que o seu acolhimento tenha sido assim tão belo.

23.06.2023

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Poeta argentina Alfonsina Storni, em ilustração

O bônus de hoje está na voz de Fábia Rebordão, uma portuguesa fadista, que gravou essa emblemática música latino-americana descrita no texto acima. Ela está acompanhada pela viola de Pedro Jóia, ao nos brindar com Alfonsina y el Mar.


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