Quando leio alguma coisa que Vinícius de Moraes produziu entre um uísque e outro, me dá vontade de beber. Entretanto, logo depois eu volto ao normal e desisto, ao perceber que todo o seu talento era algo muito maior do que o estado etílico poderia proporcionar. E que isso não aprimoraria quaisquer aptidões que porventura eu tenha. Agora, como não se apaixonar pelo seu Soneto de Fidelidade? Como não se curvar diante da primorosa peça teatral Orfeu da Conceição? E como permanecer insensível diante das letras que escreveu e foram musicadas por Jobim e outros parceiros, sucessos do tamanho de Se Todos Fossem Iguais a Você, Garota de Ipanema ou ainda Eu Sei Que Vou te Amar, para citar apenas três?
O nome de batismo do “Poetinha” – apelido carinhoso dado justamente pelo seu parceiro Tom Jobim – era Marcus Vinícius da Cruz de Mello Moraes, carioca nascido em 19 de outubro de 1913. Ao longo da vida, além de poeta foi jornalista, diplomata, dramaturgo, compositor e cantor. Neste primeiro entre os atributos ou profissões citadas se notabilizou pela capacidade de gestar sonetos.
Na vida privada era um boêmio inveterado, fumante e apreciador como poucos de um bom “scotch”. Conquistador, casou nada menos do que nove vezes. Veio ao mundo na Gávea, o que não deixa de ser enorme privilégio, sendo filho de um violinista e de uma pianista, mas ambos amadores. Foi o segundo de quatro filhos do casal. Ainda no colégio de jesuítas onde estudava, integrou um coral e passou a montar peças de teatro. Depois disso, ao se tornar amigo de Paulo Tapajós, arriscou fazer suas primeiras composições musicais.
Politicamente, por mais estranho que isso possa ter parecido mais tarde, iniciou quando jovem frequentando as reuniões da Ação Integralista Brasileira, um movimento de cunho nacionalista, conservador, tradicional e de direita. Chegou mesmo a receber instruções de milícias, algo que temos visto renascer em anos recentes. Depois disso conseguiu um emprego como censor cinematográfico e ganhou uma bolsa do Conselho Britânico para estudar língua e literatura inglesa na conceituadíssima Universidade de Oxford.
De volta ao Brasil, passou a trabalhar em jornais e tentou por duas vezes o ingresso na carreira diplomática. Conseguiu ser aprovado na segunda tentativa. Atuou como vice-cônsul em Los Angeles e também esteve em Paris e Roma. Na capital italiana participou de encontros na casa do escritor Sérgio Buarque de Holanda. Seu convívio e concordância com pensadores e artistas críticos à ditadura irritou de tal forma os fardados que ocupavam o poder, que ele foi aposentado compulsoriamente pelo AI-5, um brutal recurso usado contra quem divergia dos seus métodos. Estava em Portugal no dia em que isso aconteceu, em espetáculos com Chico Buarque e Nara Leão. Foi anistiado post-mortem pela Justiça em 1998, exatos 30 anos depois, além de promovido ao posto equivalente de embaixador.
Quanto à produção literária, nos anos 1940 os seus versos foram na maioria em linguagem simples, abordando temas sociais e fazendo uso sistemático da sensualidade. Em meados da década seguinte publicou sua Antologia Poética, que até hoje em dia tem boa aceitação e venda. Ao mesmo tempo, alcançou premiação no concurso do IV Centenário de São Paulo, com a peça teatral mais importante de sua carreira: a já citada Orfeu da Conceição. Quando mais tarde pretendeu musicar esse texto, aceitou a sugestão de Lúcio Rangel e chamou para o trabalho um jovem pianista, então com 29 anos, que vivia da venda de músicas e arranjos para os “inferninhos” de Copacabana, no Rio de Janeiro. Seu nome: Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, hoje homenageado no aeroporto internacional da cidade, antes chamado de Galeão.
Vinícius também foi fundamental no início do movimento da Bossa Nova, um dos mais importantes da música brasileira em todos os tempos. O álbum que é considerado fundador desse período, Canção do Amor Demais, se tornou antológico em especial pela interpretação intimista da música título, pela cantora Elizeth Cardoso. Outras faixas também são nele assinadas por Vinícius, ao lado de Tom, como Luciana e Chega de Saudade, duas referências. Tamanha criatividade – bem como a variedade e a extensão da obra – termina sendo capaz de fazer com que nos “embriaguemos”, quando em contato com ela. Esse sim um efeito talvez aproximado do que oferecia o uísque envelhecido que ele costumava consumir.
27.02.2024

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Faça uma doaçãoDoar mensalmenteDoar anualmenteO bônus de hoje começa com Amandha Monteiro declamando Soneto de Fidelidade. E prossegue com Eu Sei Que Vou Te Amar, na voz de Ana Carolina, em gravação feita ao vivo.
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