A CORAGEM DE LULA

Bolsonaristas, fazendo justiça com suas próprias biografias, outra vez se revelam oportunistas e imorais. Na primeira adjetivação, devido ao fato de tentarem, ao pedir impeachment do presidente Lula, desviar o foco do iminente indiciamento de lideranças suas pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Na segunda, porque a suposta motivação significa um fechamento voluntário de olhos em relação ao massacre que vem sendo perpetrado na Faixa de Gaza. Não são esses mesmos “cidadãos de bem” os defensores impolutos de “Deus, Pátria e Família”? Deus estaria de acordo com o aniquilamento da pátria palestina, com a destruição das famílias que são donas legítimas daquele território? Com a morte em massa de civis, especialmente mulheres e crianças? Na realidade, sua falsa indignação com um pronunciamento que relatou a verdade dos fatos também é uma demonstração silenciosa que os incomoda ter o atual presidente uma coragem que seu “messias” jamais teve e jamais terá.

Afinal, o que aconteceu? Vamos lá, tentando esclarecer alguém que ainda em merecidas férias não acompanhou o noticiário. O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, ao conceder uma entrevista em Adis Abeba, na Etiópia, onde participou como convidado especial dos últimos dias da 37ª Conferência da União Africana, disse que aquilo hoje visto na Faixa de Gaza só encontrou paralelo na história com a ação de Hitler contra os judeus. A resposta integrava o contexto relacionado com uma pergunta a respeito de terem países ocidentais deixado de fazer repasses financeiros para a agência ligada à ONU que dá assistência para os refugiados palestinos, a UNRWA. Ou seja, por pressão de Israel, tais recursos deixaram de ser garantidos, ampliando o sofrimento de todo o povo palestino.

Se a comparação de Lula está longe da realidade, em termos numéricos, uma vez que o holocausto vitimou milhões de judeus, não está no que se refere ao desrespeito de leis internacionais e ao ataque sistemático vitimando civis. As estimativas são de mais de 29 mil pessoas mortas, segundo as autoridades locais, com um número inimaginável de mutilados. E com os quase dois milhões de palestinos agora alojados precariamente em Rafah – que também pode ser atacada a qualquer momento –, o que temos é praticamente um campo de concentração a céu aberto. Faltam alimentos, água e remédios. Em termos da área total da Faixa de Gaza, não resta quase nada da infraestrutura, com a destruição de hospitais, sua universidade, sistemas de abastecimento de energia e 90% dos prédios residenciais, resultado de bombardeios aéreos sistemáticos e de uma invasão por terra, pelo contingente militar de Israel, que é de 170 mil soldados ativos e 300 mil reservistas no total. Sintetizando: Lula comparou métodos e não grandezas.

Ao se pronunciar contra a guerra, Lula outra vez expressou sua escolha pela cultura da paz, algo que é fundamental para as nossas relações internacionais. Fez o que todos os cidadãos brasileiros deveriam fazer: solicitar o imediato cessar-fogo, que as hostilidades sejam interrompidas e que se permita acesso de ajuda humanitária para a população cercada em Rafah. Agora, não se pense que esse é um desejo apenas de quem vê tudo de longe: em Israel cresce a cada dia a oposição ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, principal fiador da guerra, com o grupo de extrema-direita que ele representa. E fora das suas fronteiras, cada vez mais nações se mostram indignadas com o fato de os apelos pela paz serem por ele simplesmente ignorados. Mas, não se pode de modo algum confundir o povo judeu com o governo israelense, pois são totalmente distintos. Se faz necessário repudiar a conduta de Netanyahu sem permitir que isso se generalize para com os cidadãos daquele país e para com os judeus que moram fora dele.

Internamente aqui no Brasil o que estão tentando esconder é que o mal estar entre os dois governos começou antes deste episódio de agora. Primeiro, quando o embaixador israelense, Daniel Zonshine, participou de um encontro com parlamentares da oposição e com o ex-presidente Jair Bolsonaro, desrespeitando tanto a decisão democrática do povo brasileiro quanto às normas da diplomacia. E que, depois disso, seu país atendeu sugestão dos bolsonaristas e atrasou ao máximo a liberação de brasileiros que buscavam deixar a Faixa de Gaza, no início do conflito. Essa foi uma tentativa articulada para culpar Lula pela demora, visando causar desgaste político. Não deu certo devido ao fato de ter sido nosso país o único a enviar aviões e garantir sem custo algum a retirada de pessoas. Aliás, isso terminou se revelando positivo para o atual governo, que ajudou inclusive simpatizantes de Bolsonaro que lá estavam, sem distinções. E foram trazidas também pessoas de outras nacionalidades, de carona.

O primeiro-ministro de Israel declarou que Lula, por ter dito aquilo que muitos líderes mundiais com certeza gostariam de ter a coragem de falar, agora é persona non grata naquele país. Esse termo é usado para dizer que alguém não é bem-vindo. Mas, deve ter sido surpreendido por uma declaração do governo dos EUA, logo depois, na qual ele também se opõe ao novo ataque que estaria sendo preparado pelas forças armadas israelenses contra os palestinos sitiados. Evidente que para o seu maior protetor não haverá retaliações, talvez apenas um silêncio constrangido, antes do esperado desrespeito ao que está sendo sugerido. A reação do Brasil, por enquanto, foi chamar de volta o seu embaixador em Tel Aviv. Na diplomacia, isso é o primeiro passo para demonstrar descontentamento. O extremo seria mandar embora o embaixador israelense, mas isso não será feito pelo simples fato de que o governo brasileiro, do mesmo modo que escrevi acima, sabe diferenciar o que sejam os atuais mandatários daquele país e sua população.

Com certeza, Lula e os brasileiros continuarão respeitando Israel e todo o povo judeu, o que talvez Benjamin Netanyahu não mereça para si e seus seguidores. Mas, a história saberá diferenciar o que são um e outro destes dois líderes. Nós já percebemos quem ganhará reconhecimento pelo que sempre ajudou a construir e qual merecerá repulsa e tentativa de esquecimento.

20.02.2024

P.S.: Após o texto acima ter sido concluído chegou a notícia de que o grupo de rabinos ortodoxos do grupo Torah Judaism, em Israel, saiu em defesa do presidente Lula, imediatamente depois de Netanyahu atacá-lo nas redes sociais. Também o coletivo Vozes Judaicas por Libertação fez isso, tendo publicado uma nota. Um dos seus trechos afirma que “a contradição do povo judaico ser ora vítima e agora algoz é palpável, tenebrosa e desalentadora. Lula externou o que está no imaginário de muitos de nós”.    

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O bônus de hoje é a canção One Day, numa realização do Koolulam, que é uma iniciativa social-musical com o objetivo de reunir pessoas para criação conjunta. Cada evento por eles realizado faz com que todos os participantes estabeleçam uma nova versão para uma música já bem conhecida, sendo ela executada imediatamente. O clipe aqui apresentado foi gravado dia 14 de fevereiro de 2018 em Haifa, uma cidade portuária localizada no norte de Israel.

CONVERSAS PRA BOI DORMIR

Mais uma expressão idiomática exposta aqui no blog, essa que dá título para a crônica de hoje. Adoro grande parte delas. Todas são um conjunto de duas ou mais palavras, no idioma que se domina – existem em todos eles –, se caracterizando por não existir como encontrar seu significado apenas considerando o sentido literal de cada termo. Gente normal não conversa com bovinos, evidentemente. Exceto talvez algum agropecuarista um tanto excêntrico, mas esse provavelmente não se enquadrasse nos critérios de conceituação da normalidade. Enfim, o dito refere uma conversa fiada ou mole, como também uma história que nada possui de verdadeira. Isso tem um forte apelo figurativo e cultural, se enquadrando plenamente no contexto popular. Na imprensa então, considerando-se os últimos tempos, não é nada incomum encontrá-las em enorme profusão, menor apenas do que as que pululam nas redes sociais.

Um exemplo bem recente: o competentíssimo serviço secreto de Israel, o Mossad, garante que não percebeu todo o aparato e movimentação dos integrantes do Hamas, no preparo para os ataques com foguetes no dia 7 de outubro. Isso que o grupo está confinado em uma área menor do que a Zona Leste de São Paulo, toda ela cercada com arame farpado e muros, com torres de vigilância ao redor, sensores de movimento e um enorme número de câmeras, além do apoio de satélites dos Estados Unidos. Então, sem ser notado, o grupo treinou durante pelo menos três meses – avaliam em mais de 600 homens – e preparou tratores e escavadeiras para abrir caminho para a invasão. Na minúscula e vigiada Gaza, nada foi notado. Mas, o mesmo serviço secreto conseguiu saber que dois – eu disse dois – homens estariam preparando um atentado a ser perpetrado aqui no Brasil, contra a comunidade judaica, tratando corretamente de avisar nossa Polícia Federal para providências. Algo bem fácil de se entender e muito provável de acontecer, considerada a “índole terrorista” do povo brasileiro e todo nosso histórico de atentados. E constataram isso de lá mesmo, apesar da prodigiosa distância entre Brasília e Tel Aviv, de quase 11 mil quilômetros. O que pode ser coberto em cerca de 13 horas de voo, se ele for direto. Ou seja, um forte cheiro de indevida justificativa para a retenção criminosa, por tanto tempo, de brasileiros junto à fronteira do Egito.

Outro exemplo, esse totalmente local: o discurso adotado quando da privatização da companhia de energia elétrica de São Paulo foi aquele repetitivo de sempre, de que o serviço seria barateado. Ela atende nada menos do que 7,5 milhões de unidades consumidoras, em 24 municípios da região metropolitana, tendo esse fato se dado em 2018. A providência tomada pela empresa desde então foi reduzir em 36% suas equipes, o que garantiu um aumento de 50% no lucro e piorou em muito quaisquer atendimentos. O resultado é que agora, com ventanias atingindo fios, uma parcela enorme da população ficou sem energia por mais de cinco dias. As perdas e prejuízos foram incalculáveis e o empurra-empurra quanto às responsabilidades, previsíveis. A solução proposta foi cobrar dos consumidores uma “contribuição de melhoria”, para que aqueles que agora exploram o serviço usem os recursos para a colocação de redes subterrâneas. E, se esse tanto não for suficiente, dinheiro público também será alcançado para eles. Ou seja: o lucro foi privatizado, enquanto o eventual prejuízo deve ser socializado. Esta a comprovação de que o argumento inicial para desencadear o processo era conversa mole, mesmo que na época defendida por alguns “jornalistas isentos”. Tivemos boi na linha (outra expressão), sendo que essa não é daquelas de transmissão, com torres e tudo mais.

Lembro que o meu irmão Sérgio brincava comigo, numa época na qual ele já era estudante universitário e eu ainda percorria os anos do antigo Curso Primário – foi apenas em 1971 que a estrutura de ensino do país unificou as etapas primária e ginasial em uma única, denominada de Primeiro Grau. Quando algo absurdo estava sendo falado ele referia como “tertúlias flácidas para acalentar bovinos”. De início apenas a última palavra era do meu conhecimento, mas evidente que entendi depois. A frase sequer era dele, mas foi uma lição importante a mais que ele me deu. Aprender a identificar coisas que nos são entregues em um embrulho, muitas vezes com papel de presente, mas que não valem nada daquilo que aparentam. E quem as aceita, acaba sendo a pessoa sim, embrulhada. Não se precisa nem sair de casa para ver o quanto essa prática está em uso. Ai de quem não consegue ver o que existe na informação, além da sua superfície: tende a ser mais um passivo e inocente ruminante.

10.11.2023

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