VINHO FALSO E VITORIOSO

Vinhos, como todo e qualquer produto, podem ser encontrados com as mais distintas qualidades. O que, também como tudo, resulta em ofertas com preços muitos distantes uns dos outros. Nos supermercados você encontra garrafas por cerca de R$ 40,00. Em 2018, no leilão Sotheby’s uma garrafa de Romanée-Conti, safra de 1945, acabou sendo arrematada pela módica quantia de US$ 558 mil. Isso equivale a cerca de R$ 2,7 milhões na cotação atual.

Uma das formas mais corriqueiras de valorização de um vinho está na obtenção de títulos em grandes competições existentes no mundo. Os consumidores passam a confiar mais, porque sabem que nelas estão os maiores especialistas da indústria vínica. Essa, por sua vez, resulta de uma espécie de fusão entre técnica e arte. Trabalha desde a seleção das uvas, passando por produção e armazenamento, até chegar ao sublime momento do consumo. E vem evoluindo tanto de acordo com o que ocorre na sociedade, quanto com o que acontece com a economia. Talvez o maior exemplo disso seja a globalização, que causou impacto em todas as etapas deste processo.

Mas, voltando à credibilidade conferida pelas avaliações, a realidade é que talvez nem sempre ela seja verdadeira. Interesses em jogo também podem e devem afetar esse setor da economia. Suspeitando desse fato um programa televisivo belga chamado “On n’est pas de pigeons!” (algo como “Não somos pombos”, uma expressão idiomática que significa não serem tontas ou bobas as pessoas), resolveu fazer um experimento para tirar a prova, no ano passado. Então, a equipe de produção, contando com a ajuda de um sommelier experiente, primeiro escolheu o pior vinho que encontrou entre os mais baratos em um mercado. Seu preço foi de apenas € 2,50, uns R$ 13,00 aqui no Brasil, pelo câmbio. Com a garrafa adquirida em mãos, trocaram o rótulo e “rebatizaram” o produto, com o objetivo de glamourizar. Depois disso fizeram sua inscrição no torneio Gilbert & Gaillard, em Hong Kong.

O nome original, “Bonnes Vignes” foi alterado para algo muito nobre: “Le Château Colombier” (Castelo Columbário, um pombal na verdade). Este nome foi uma ironia proposital, associada ao título do programa. Por isso foi colocado o desenho de um pombo no rótulo elegante e moderno que criaram especialmente. Inventaram também um nome para um suposto produtor e apresentaram o produto como tendo “denominação de origem controlada”. Pronto: com a maquiagem toda estava feito o upgrade, mas apenas na imagem e no marketing, porque o conteúdo era o mesmo.

O vinho recebeu elogios da banca julgadora, ao conquistar seu paladar. E, quando dias depois saiu o resultado, surpreendentemente recebeu a “Medalha de Ouro”. No texto explicativo sobre a escolha, foi posto pela organização do evento que o vinho tinha “palato suave, sendo rico em aromas jovens e limpos, que prometem uma agradável complexidade”. Chamada ao final de “muito interessante”, a bebida foi aprovada com louvor. No entanto, aquele profissional contratado pela emissora – Eric Boschman tem renome na sua profissão – fora categórico ao dizer que se tratava de “um vinho básico e dos piores da seleção que havia sido feita”. Um daqueles para os quais se atribui a expressão pejorativa de “martelados”, sendo eles resultantes de misturas indevidas. Enfim, o que se viu foi uma contradição tão grande que se torna difícil explicar.

O programa de televisão é exibido tanto na Bélgica quanto na França, justo um país que se orgulha da sua produção de vinhos. Seu objetivo, segundo foi explicado, era mostrar que prestígio é relativo. E que não há rigor em todos os concursos internacionais existentes, com alguns sendo mesmo uma fraude. O que, obviamente, não pode ser atribuído a todos, existindo muitos sérios e respeitáveis. Isso posto, estou pensando em abrir uma garrafa logo mais à noite. Claro que de um daqueles muito confiáveis, aqui da Serra Gaúcha, pelos quais consigo pagar.

18.09.2024

Este vinho não existe, mas ganhou uma Medalha de Ouro

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O bônus de hoje é a música Bebendo Vinho, com a banda Ira!, de São Paulo.