MÚSICA SEFARDITA OU SEFARDÍ

Não faz muito que conheci a música sefardita, com ela chamando minha atenção por suas características bastante peculiares. Este cancioneiro é típico dos descendentes de judeus originários de regiões de Portugal e da Espanha, que mantiveram mesmo após afastados de lá o ladino como sua língua – é algo muito próximo ao espanhol. Ao ser cantada, usam um fraseado e uma harmonização que lembra a música medieval. E ver uma de suas apresentações quase que nos remete a um filme que retrate tal período. Lembrando que o termo sefardita ou sefaraditas tem origem justamente na denominação hebraica para designar a Península Ibérica (Sefarad, ספרד).

A música em questão adquiriu, com o passar do tempo, influências de Marrocos, da Grécia e da Bulgária, entre outros locais. Isso porque foi para esses países que os judeus se deslocaram, entre 1492 e 1496. Assim, apesar de terem sido mantidas as mesmas letras, as melodias foram variando, muitas das vezes até de modo considerável. Inclusive passando a ocorrer um certo distanciamento entre as que tiveram seguimento em cada um destes países. No início do século passado vários etnomusicólogos, assim como estudiosos da literatura hispânica medieval, se debruçaram mais sobre ela. E foi apenas em 1957 que se teve um trabalho bem mais criterioso e acadêmico, com o qual foram buscadas coletivamente informações e registros em diversos pontos do mundo, incluindo América do Norte, Balcãs e Norte da África. Isso resultou em uma série de gravações, que agora estão digitalizadas e disponíveis no site Folk Literature of the Sephardic Jewish , hospedado na Biblioteca da Universidade de Illinois.

A música sefardita é essencialmente vocal. Ou seja, os instrumentos ao serem utilizados são um acompanhamento, assumem uma posição que é secundária. E a escolha deles foi refletindo as possibilidades oferecidas pelas culturas anfitriãs. Ou seja, eram priorizados pelos judeus aqueles disponíveis, fossem eles gregos, marroquinos, otomanos, etc. Os mais comuns eram – e ainda são – alaúdes dedilhados, citaras, cumbus, kanun, santur assírio, bandolim e violinos, bem como tambores manuais. Os homens sefarditas tocavam esses instrumentos locais, enquanto que suas mulheres, quando desacompanhadas ou em contextos domésticos entoavam seus cantos usando pandeiros ou outros instrumentos de percussão. Inclusive alguns eram improvisados com alguns utensílios de cozinha.

Mas, as mulheres cantoras assumiam especial relevância em cerimônias de casamento, por exemplo. No Mediterrâneo oriental existiam muitas delas especializadas, que também tocavam tambores. Eram conhecidas como tanyederas. Em algumas escolas judaicas da área otomana, por volta do início do Século XX, meninas eram ensinadas a tocar bandolim e ud. Este último se trata de um instrumento persa ou árabe, semelhante à antiga guitarra mourisca. Dele descende o alaúde, de corda palhetada ou dedilhada, que possui braço trastejado com uma caixa de ressonância característica. Algo como uma meia pera ou gota.

Agora, importa menos saber desses detalhes técnicos e históricos, com muito mais importância tendo o sentir aquilo que a música nos oferece. Ela é plena de relatos simbólicos, de sensibilidade e emoção, merecendo ser conhecida e apreciada. Uma curiosidade final é que tivemos e temos muitos brasileiros famosos que são descendentes de sefarditas, como Ayrton Senna, Carlos Drummond de Andrade, Marisa Monte, Antônio Fagundes e Chico Buarque de Holanda.

24.06.2024

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O bônus musical é duplo mais uma vez. Começamos com os espanhóis Emílio Villalba (tocando rabel) e Sara Marina (tocando bendir), que são acompanhados por Ángeles Núnez (voz), na interpretação da música sefardita A la uno yo nací (A uma hora eu nasci). Depois é a vez da israelita Nani Noam Vazana cantando a tradicional canção sefardita Morenika, na língua de seus ancestrais, o ladino.

QUANDO SE SOLTA O CAVALO

A história é mais ou menos a seguinte: um cavalo amarrado estava tentando se soltar, sem conseguir. Veio um demônio e fez isso por ele. Libertado, o animal faminto invadiu e começou a comer plantações de fazendeiros das proximidades. Assim, um deles o matou a tiros. O dono do animal ficou indignado, mesmo que antes não cuidasse assim tão bem da sua propriedade. Em uma discussão, matou o vizinho que havia eliminado o cavalo. Por isso, a mulher do fazendeiro morto revidou e matou o dono do cavalo. E acabou morta pelo filho dele, um rapazola que acreditou que precisava mostrar que era homem. O que terminou causando cólera na vizinhança, que executou o rapaz e botou fogo na fazenda da família. Foi quando um espírito que tudo observara (e quase sempre tem um fazendo tal coisa), perguntou ao demônio: – Afinal, por que você fez tudo isso? Ao que ele prontamente respondeu: – Eu apenas soltei o cavalo.

A moral da história é que a maldade está nos nossos corações. Para que ela aflore, basta que um gatilho simples seja acionado. Depois dele, nós mesmos nos encarregamos de fazer o resto. Por isso uma mera fake news faz tanto estrago. Não é apenas pelo conteúdo dela, geralmente algo grotesco, muitas vezes tão absurdo que beira o risível. Ela apenas dispara nossas predisposições. Essa gente toda, que nos últimos anos nos surpreendeu com sua desumanidade e ignorância, não fez isso por ter mudado. Continuou toda sendo o que sempre foi: apenas se aproveitou da chance recebida para externar isso tudo, sem aquele risco anterior de uma desaprovação generalizada. Porque outras pessoas, na mesma situação delas, legitimam sua postura agora assumida. Estava dada a permissão para que a barragem se rompesse, ao melhor estilo Mariana e Brumadinho.

Citei fake news e me voltou à mente um episódio pior do que triste, que ocorreu no litoral paulista, dez anos atrás. Fabiane Maria de Jesus foi linchada no dia 3 de maio de 2014. Isso ocorreu depois de mensagens falsas terem circulado nas redes sociais, alertando a vizinhança sobre ser ela uma suposta praticante de bruxaria, que havia sequestrado uma criança para a prática de seus rituais. Foi no Guarujá, onde um bom número de pessoas se entendeu no direito de deter, julgar, condenar e executar a mulher. Muito machucada, ela sobreviveu ainda por dois dias, antes de vir a falecer. No ano passado, essa história verdadeira inspirou a ficção, com a novela Travessia, escrita por Glória Perez, tendo repetido a situação. Só o final foi diferente, com a personagem Brisa, vivida por Lucy Alves, tendo mais sorte e sobrevivido. Não sei se por coincidência ou por iniciativa da autora, a telenovela terminou exatamente na data do nono ano da morte de Fabiane: 5 de maio.

Esse crime bárbaro ocorreu quando se davam os primeiros passos em um experimento social que buscava conduzir as pessoas para reações desejadas por manipuladores. Gente que se especializou em soltar o cavalo, em circunstâncias perfeitamente estudadas, com objetivos muito claros. Pessoas e organizações que, de posse de recursos tecnológicos, fazendo uso de algoritmos que permitem individualizar os discursos de tal forma que cada um que os recebe imediatamente se identifica, passaram a moldar comportamentos, a criar convicções e difundir as certezas mais incertas. Isso é uma ferramenta poderosa para a publicidade, mas muito perigosa para a propaganda. A primeira vende produtos, a segunda compra consciências e sequer paga por elas.

Serviram para deflagrar movimentos sociais, como as “primaveras” ocorridas em países árabes. Fizeram com que as profundezas do Reino Unido o retirassem da União Europeia. Foram decisivos na eleição de Donald Trump. Aqui no Brasil isso foi testado no movimento levado para as ruas em 2013. Depois garantiram, por exemplo, que mulheres, gays e negros votassem em um candidato extremamente machista, homofóbico e racista. Fizeram com que gente que no passado sempre vacinou os seus filhos desacreditasse da ciência. Com que também utilizassem, sem a menor lógica, remédio contra vermes para os mais variados fins, menos aquele ao qual ele se destina.

Pior é que esse pessoal continua por aí. As ferramentas continuam a sua disposição, sem o controle devido. As redes sociais permanecem sendo o esgoto por onde escorre o que mais de imundo, desumano e fétido eles são capazes de produzir. São a faca sempre disposta a cortar a corda que prende o bicho homem.

Precisamos prender nossos cavalos – talvez isso seja o nosso verniz de civilização. Mas, é evidente que não se deve de modo algum maltratar os animais. Que eles recebam comida, água e a liberdade necessária dentro das propriedades. O que é um modo simbólico de dizer que se precisa nutrir nossa capacidade de raciocínio e nosso discernimento. A propriedade é a mente e o livre pensar é mais do que necessário: trata-se de algo essencial. Assim como valorizar a vida em comum, o convívio. Quem quer antes soltar o cavalo é quem deseja que você não pense, não tenha pontos de vista, seja tão radical quanto quem tem armas para depois puxar os gatilhos.

29.03.2024

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O bônus de hoje é a música Um Só, com Gabriel o Pensador e Maneva.