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MERECEMOS UM POUCO DE BLUES

Tarde do domingo 12 de maio. Um melancólico Dia das Mães aqui neste sul encharcado do Brasil. Segue chovendo lá fora, o nível dos rios estão outra vez subindo e milhares de pessoas passam esta data longe de suas casas, de almoços em família. Nem todas estão podendo sequer trocar abraços, carinho e aconchego. O quadro, entendo eu, merece um blues. E com ele presenteio, ao final deste texto, minhas amigas e meus amigos leitores, boa parte fora da minha Porto Alegre e do Rio Grande do Sul. Torcendo para que aqueles neste território possam também ouvir e perceber na mensagem musical algum acalento.

O blues é um gênero musical surgido nos Estados Unidos, perto do final do Século XIX. Sua origem é absolutamente afro-americana, tendo ele toda a tristeza e também a força dos negros escravizados. Foi se consolidando com a fusão de músicas tradicionais de povos africanos, que se somaram ao que chamavam de “canções de trabalho” e também principalmente ao gênero spirituals, que contribuiu com o seu tom manso – no sentido se suave – e o andamento largo e meditativo. Importante aqui fazer um necessário parêntesis, para afirmar que ele não pode ser confundido com o gospel, que tem uma proposta mais voltada para ser um instrumento de pregação.

Se é verdade que o spirituals trazia também entonação religiosa, sempre foi muito mais fortemente social, tendo ainda função política. Aos negros, libertos ou não, foram se somando os abolicionistas. E nas letras, em geral compostas pelos libertos, eram inseridos códigos e expressões que apontavam rotas de fuga e locais seguros para quem fugisse. Toda essa potência foi herdada pelo blues, que não por acaso partiu do sul dos EUA para conquistar quem tem bom gosto em todo o mundo. Hoje em dia há uma rota turística naquela região, dedicada à música. Ela passa pelas cidades de Nashville, Memphis, Cleveland e New Orleans, entre outras. Essa última merece especial destaque, uma vez que é reconhecida como sendo o verdadeiro berço não apenas do blues como também do jazz.

New Orleans, na Louisiana, assim como agora está acontecendo com Porto Alegre, foi devastada pelas águas em 2005. Estando às margens do rio Mississipi, próxima ao Golfo do México, naquela ocasião foi violentamente atingida pelo furacão Katrina, que integrava a categoria dos mais destrutivos. Mesmo não tendo um Sebastião Melo na prefeitura, por lá os diques também não funcionaram a contento, apesar da terem eles a manutenção que os da capital gaúcha não estavam tendo. Com ventos que atingiram 200 quilômetros por hora e com a impermeabilização do solo impedindo escoamento de água mais rapidamente, eles terminaram sendo superados. Assim, a destruição foi quase total, até porque parte da cidade fica abaixo do nível do mar. Da sua área total, 89% terminou alagada. O nível da água atingiu os 7,6 metros – cerca de dois metros a mais do que o Guaíba – e os prejuízos chegaram perto de 20 bilhões de dólares. Mais de mil pessoas perderam a vida: a estimativa é que no Rio Grande do Sul se passe agora de 250, considerando as mortes que já estão contabilizadas e o número de desaparecidos até o momento.

Por lá, um grande esforço de engenharia levou ao desenho e execução de uma obra que incluiu a construção de muros contra inundações, algo semelhante aos existentes na avenida Mauá, que o prefeito de Porto Alegre e o governador Eduardo Leite planejavam derrubar. Seus diques e fundações foram reforçados e estações de bombeamento de água estão em condições de drenar a água durante tempestades. O mesmo que aqui se tem, apesar que pouco operacionais devido ao problema de falta de manutenção semelhante ao que abateu parte de nossas comportas.

A boa notícia é que New Orleans voltou à vida normal, sendo local de uma cultura pujante e povo acolhedor. E que Porto Alegre também irá voltar. Desde, logicamente, que não se tenha que continuar convivendo com lideranças mais preocupadas em atender à especulação imobiliária e menos preocupadas com a segurança e boas condições de vida para a maioria da população.

13.05.2024

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O bônus de hoje nos oferece a cantora Meena Cryle, com The Chris Fillmore Band, interpretando o blues It Makes me Scream (Isso me Faz Gritar), durante um concerto em 2017. Antes, porém, você verá um vídeo com o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, admitindo que pretendia ver o muro da Mauá removido para que fossem construídos prédios às margens do Guaíba.

O ESCÁRNIO DOS COLETES

Se as campanhas de solidariedade que estão sendo agora promovidas e veiculadas nos meios de comunicação, pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul e pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre, fossem minimamente honestas, deveriam adotar um slogan tipo “Façam aquilo que nós não fazemos”. É um verdadeiro escárnio ver o governador Eduardo Leite (PSDB) posando com o colete da Defesa Civil, uma vez que ele desidratou ao extremo o orçamento para esse órgão. Desde que assumiu o seu primeiro mandato, em 2019, a verba definha a cada ano, não conseguindo garantir nem mesmo as operações mais triviais e rotineiras. Quando da enchente anterior, em setembro do ano passado, o Governo Federal precisou enviar R$ 211 milhões para complementar o que era obrigação do Governo do Estado. Agora Leite informa uma chave PIX, para que a sociedade destine recursos que ele deveria ter garantido. Aliás, estranhamente a chave é de uma entidade privada que sequer tem site e presença nas redes sociais.

O prefeito Sebastião Melo (MDB), por seu turno, outro que não troca esta peça da vestimenta desde o início da crise, fazendo questão de usar colete semelhante nas cores laranja e cinza, sucateou o sistema de prevenção e contenção de enchentes, propositalmente. Basta conferir os dados oficiais: em 2021 investiu R$ 1,7 milhão, em 2022 a quantia de R$ 141 mil e em 2023 nem sequer um único centavo. Convém registrar que Porto Alegre possui o melhor sistema de proteção contra enchentes de todo o Brasil, que veio sendo construído em etapas, desde 1941. Cerca de um bilhão de dólares custou todo ele, em valores atualizados, se somarmos tudo o que foi feito ao longo de décadas. Todas as pessoas conhecem o Muro da Mauá, mas existem diques, várias casas de bombas, comportas de superfície e gravidade, sem contar com uma estrutura predial existente junto à Usina do Gasômetro. Só que todo esse cuidado da engenharia foi colapsado pela falta de manutenção.

Com essa atual enchente duas comportas não resistiram à pressão da água. Estavam todas enferrujadas, corroídas de tal forma que uma outra, na região central da cidade, precisou ser acionada através de tração motora oferecida por uma máquina retroescavadeira. O descaso de Melo chegou a deixar sem graxa o mecanismo. Pintura então, nem falar. Quanto às comportas de gravidade, que ficam submersas nos poços das casas de bomba, a prova maior de que não entraram em operação está no fato das águas estarem nos esgotos e deles brotarem. Pararam de operar porque é cara a sua manutenção, uma vez que depende de especialistas em mergulho muito qualificados. Vejam que existem R$ 428,9 milhões em caixa para isso, que permanecem intocados. Melhor é investir em agradinhos e em isenções para a construção civil.

Até 2019 Porto Alegre contava com o DEP – Departamento Municipal de Esgotos Pluviais. Ele então foi incorporado ao DMAE – Departamento Municipal de Água e Esgoto, que por sua vez vem sendo destruído de forma proposital, aos poucos, para a entrega à iniciativa privada. Hoje o número de funcionários foi reduzido para menos da metade. E Melo não aceitou que novos fossem contratados. Importante lembrar que, quando o DEP existia, era considerado modelo e o único em todo o país a cuidar da drenagem em um primeiro escalão, com ênfase à proteção da cidade. Havia planejamento e execução de obras e serviços, que focavam além do tempo de cada gestão. Tudo voltado, portanto, às necessidades da população.

A Defesa Civil, conforme consta no teor do Decreto nº 7.257, datado de 4 de agosto de 2010, se tornou um órgão integrante do mais abrangente Sistema Nacional de Proteção. O órgão tem como objetivo atuar em todas as diversas “fases de prevenção, mitigação, preparo, resposta e reconstrução de cenários, nos desastres naturais ou tecnológicos”. No Rio Grande do Sul ela está subordinada à Casa Militar, de civil só tendo o nome. O comando geral, a subchefia e as divisões e centros operacionais têm coronéis à frente. E há uma profusão de outros militares, com ênfase para as patentes de tenente-coronel, major e tenente, com um ou outro sargento nas funções menos relevantes.

Considerando que está na lei ser a prevenção uma das obrigações da Defesa Civil, nenhum destes inúmeros militares – contei 41 em leitura rápida feita no site da Casa Militar – tratou de cobrar que fosse feita a manutenção necessária nas estruturas de segurança? Logística não é algo do que todos eles se orgulham? Se fosse uma guerra, iriam para o campo de batalha sem saber da confiabilidade do equipamento que lhes fosse fornecido? Evidente que nada impediria a enchente de acontecer. Mas, com absoluta certeza, seus efeitos poderiam ter sido menores. Entendo que, além de comando, recursos também são fundamentais. Então, falharam muito mais do que eles os civis eleitos ou colocados na administração por escolha dos mandatários. Mas, o sofrimento e as perdas recaíram sobre a população. E nenhum destes, usem fardas ou coletes, será afastado de suas funções. No caso do prefeito, pelo menos não antes da eleição que ocorre no mês de outubro, quando ele buscará votos para tentar permanecer no cargo.

08.05.2024

P.S.: O secretário municipal do Desenvolvimento Social, Léo Voigt, entrou em férias na sexta-feira e viajou para a Europa. É de responsabilidade da sua pasta “dedicar-se a garantir ao cidadão porto-alegrense em risco ou vulnerabilidade social o acesso aos direitos sociais básicos”, segundo o site da prefeitura. Importante lembrar que era da sua alçada o contrato com a rede de Pousadas Garoa, da qual uma unidade pegou fogo dias atrás, com dez vítimas fatais. Ele também deveria estar presente e atuante no enfrentamento da atual crise, com a enchente impactando na vida de tantos cidadãos.

Sebastião Melo, com o colete que imagina o identifica como super-herói
Eduardo Leite, com o uniforme que parece não tirar nem para dormir

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O bônus de hoje é uma música leve, que fala sobre mudar os rumos da nossa vida. O que se merece e precisa ouvir, em meio à tristeza dessa devastação toda que está em andamento no Rio Grande do Sul. Trata-se de Mundança (assim mesmo: não há erro ortográfico), de Flávio Leandro e Elmo Oliveira, com Marina Aquino em violão e voz. Mas, antes veja um pequeno vídeo do canal Mídia Ninja que lembra uma ação do governador Eduardo Leite relacionada ao meio ambiente.