DEPOIS DA BUNDA, A PRAÇA

Vamos deixar bem claro: a comunidade aqui do bairro Petrópolis, em Porto Alegre, não pediu de modo algum para ver a bunda daquele funcionário da Plaenge, que a mostrou voluntária e debochadamente para os moradores que realizavam um simples e pacífico protesto contra a derrubada de um guapuruvu. Acredito ainda que a maioria das pessoas que vivem na área, se fossem consultadas, também não gostaria que esta construtora paranaense, numa evidente e insuficiente tentativa de reparação não do dano causado à natureza, mas na sua imagem, assumisse agora a responsabilidade pela manutenção da Praça Mafalda Veríssimo, que fica nas proximidades. Pois assumiu, com a conivência da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, que se esmera em incentivar paliativos que atendam interesses da classe empresarial, em quaisquer circunstâncias. Soluções para problemas reais, que digam respeito à maioria da população, essas passam sempre longe dos gabinetes de Sebastião Melo e seu secretariado.

A perfumaria da vez não foi bem aceita. Assim, no último final de semana os moradores voltaram a protestar, não concordando com esta saída que de honrosa na verdade não tem nada. Deste modo, foi organizada na própria praça em questão a feira Petrópolis Vive – Guapuruvu Solidário, que contou com a abertura da exposição Alerta Verde: O Fim do Futuro?, destacando a luta pela sobrevivência dos parques públicos; bate-papo com jornalistas; feira de artesanato; atrações musicais; e caminhada literária (Redescobrindo a Casa de Cyro Martins) , com recolhimento de livros para doação a bibliotecas atingidas pela enchente.

É importante salientar que a praça recebeu esse nome em homenagem à esposa do grande escritor Érico Veríssimo, uma vez que a casa onde eles residiam fica pertinho. Para saber o que a família deles achou da situação criada, a jornalista Juliana Bublitz entrou em contato com Lúcia Veríssimo, companheira do também escritor Luis Fernando Veríssimo – filho do casal Érico/Mafalda. E publicou matéria em sua coluna em GZH. A resposta obtida de Lúcia é que eles não tinham nada a ver com o fato, que não haviam pedido e nem tampouco tinham sido consultados sobre essa decisão.

Fernanda Veríssimo, jornalista, tradutora e historiadora que nasceu no Rio de Janeiro e reside em Porto Alegre, filha do casal LFV/Lúcia, foi outra que se manifestou. Fez isso através de um texto, que encaminhou aos vizinhos. Nele afirma que “são muitas as praças do bairro que precisam da atenção do poder público, com ou sem a participação de empresas privadas. Depois da justa revolta dos moradores pela remoção de um guapuruvu e de outras árvores, a adoção da pequena Praça Mafalda Veríssimo pela Plaenge nos parece uma acanhada ação de marketing para tentar minimizar um erro enorme”.

O guapuruvu era uma árvore de bom porte, perfeitamente saudável. A empresa, quando a derrubou, afirmou que estava fazendo isso com o objetivo de “mitigar danos ao muro de divisa e às edificações lindeiras”, omitindo que os vizinhos conviviam há décadas com a espécie vegetal sem quaisquer problemas. E o novo muro, quando fosse construído, poderia ter uma solução de engenharia que assegurasse a manutenção da árvore viva. Ou a empresa construtora não tem técnicos com a necessária competência para tanto? Lúcia Veríssimo, ainda na resposta dada para Juliana Bublitz, disse que “era uma árvore imensa, linda e elegante. Lembro dela desde que viemos morar aqui no bairro, em 1966. É uma lástima o que aconteceu”.

A empresa em momento algum pediu desculpas. Nem informou para as pessoas que foram “premiadas” com o riso debochado e com a visão da bunda, se o funcionário que fez isso foi de alguma forma cobrado pela atitude, se ocorreu alguma punição. Não se sabe se por omissão ou por concordância da mesma com o ato que foi grosseiro e inaceitável – há fotos comprovando tudo. Agora, não será com a adoção da praça que tudo ficará solucionado. As relações não começaram bem e é muito importante que futuros compradores de unidades do imóvel que está sendo construído tomem conhecimento dos fatos. Se a Plaenge age desta forma como seus vizinhos, não fará coisas semelhantes com os seus clientes?

02.07.2024

P.S.: A Plaenge retirou o seu nome dos oito pontos onde ele estava estampado, nos tapumes da obra, que tem frente para as ruas Eça de Queiroz e Felipe Azevedo. Não se sabe se essa providência tem ou não relação com os fatos desencadeados pelo corte do guapuruvu.

Vista parcial da Praça Mafalda Veríssimo, no bairro Petrópolis, em Porto Alegre

O bônus de hoje é Pega na Mentira, com Erasmo Carlos.