OUTRA CADEIRA JÁ ACABOU COM UMA DITADURA

Minha dissertação, apresentada na conclusão do Mestrado em Letras, teve o título “A Construção de Cadeira: memória, literatura e história no conto de José Saramago”. Foi escrita e defendida com a segura e generosa orientação da professora doutora Regina da Costa da Silveira. Seu teor era relacionado a um conto do escritor português, que o fez baseado em um acontecimento real. No texto, ele narra a queda do ditador António Salazar que, ao cair de uma cadeira e bater com a cabeça no chão, precipitou o término da mais duradoura das ditaduras da história do continente europeu. Com uma lesão cerebral bastante séria, ele não pode mais continuar à frente do regime autoritário que perdurou por 41 anos. O povo daquele país ficou em dívida com este móvel prático e aparentemente inofensivo.

Dias atrás, na cidade de São Paulo, estivemos em vias de também contrair dívida semelhante. A cadeira paulistana não era do mesmo modelo, a época definitivamente é outra, a primeira “agiu” sozinha – na realidade pela ação de cupins – ao se quebrar, enquanto a segunda foi arremessada. Mas, quanto aos alvos, ambos têm em comum o perigo que um representava e outro representa à democracia. Durante debate dos candidatos a prefeito da capital paulista, José Luiz Datena, do PSDB, atirou aquela na qual ele estava sentado contra o também candidato Pablo Henrique Costa Marçal, do PRTB. Foi o ápice de uma discussão, tendo o primeiro sucumbido às provocações do segundo e perdido de vez a cabeça. Entretanto, terá ele perdido a razão?

Claro que o termo “razão” pode ter dois significados diferentes, também neste fato: o de estar certo, estar apoiado na verdade e em argumentos sólidos; como também o de ter juízo, discernimento, ponderação e bom senso. Na primeira destas alternativas e neste caso específico, podemos até dizer que sim, para Datena. Ele tem uma certa razão para explicar ter perdido a cabeça, porque é impossível tentar uma conversa que seja minimamente civilizada com Marçal, sem que no fundo se deseje calar sua boca. E isso é impossível de fazer com alegações, por mais razoáveis que elas sejam. Mas, evidentemente, a cadeirada é um exagero, algo pouco civilizado. Agora, na segunda das alternativas, aquela que refere sensatez, tino e equilíbrio, ocorre entre eles um 0x0 triste de se ver. Jogo duro mesmo, sem perspectiva.

Lamentáveis e até hilárias, se tudo não passasse de um teatro bufo e trágico ao mesmo tempo, foram as cenas posteriores. Marçal praticamente nem foi atingido, continuou em pé e verborrágico como sempre. A turma do “deixa disso” de imediato intercedeu e acalmou os ânimos. E ambos foram retirados da sequência do debate que ocorria na TV Cultura: o primeiro expulso e o segundo pateticamente conduzido de ambulância. Depois, este tratou de tirar alguma vantagem eleitoral do ocorrido, informando que estaria com uma costela quebrada – um fenômeno, pois a cadeira pegou no braço que ele estendeu em proteção. Inclusive postou foto em um suposto leito de UTI, mesmo não tendo o cuidado de esconder a pulseira verde que estava no seu pulso. Essa identifica casos rigorosamente sem nenhuma urgência, aqueles cujo paciente pode ir embora porque não há motivo algum para permanecer hospitalizado.

Talvez por isso, por não ter colado a narrativa que Marçal pretendia, a primeira pesquisa de intenção de votos feita logo após o incidente deu indicação de que ele estava perdendo fôlego. Que o cenário começa a voltar a ser o esperado no começo da disputa. Neste quadro, favoritos são o atual prefeito, Ricardo Nunes (PMDB), que herdou o cargo após a morte de Bruno Covas (PSDB), em 2021 – essa está sendo sua primeira disputa em cargo majoritário – ; e Guilherme Boulos (PSOL), que perdera para Covas quatro anos atrás e tenta outra vez ser eleito para o cargo.

Na disputa pelo comando da maior cidade do país, cujo orçamento é de R$ 111 bilhões, são dez os candidatos. Além dos quatro citados acima, Datena (PSDB), Marçal (PRTB), Nunes (MDB) e Boulos (PSOL), estão na disputa Tabata Amaral (PSB), Marina Helena (Novo), Altino Prazeres (PSTU), Bebeto Haddad (DC), João Pimenta (PCO) e Ricardo Senese (UP). A decisão caberá aos 9.322.444 eleitores aptos, com o pleito com certeza ocorrendo em dois turnos, agora em outubro.

24.09.2024

P.S.: Texto atendendo tua sugestão, querida Dani Serpa.

A cena mostra o quanto patética está a politica brasileira, desde a ascensão da extrema-direita

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O bônus de hoje é a música Heloísa mexe a cadeira, com Vinny. Este é o nome artístico de Vinícius Bonotto Conrado, um cantor e compositor paulista que é casado com a cantora argentina Karina Andrea Lusbin. Em 2020 ele chegou a integrar uma nova formação da banda LS Jack, mas deixou o grupo após lesão nas cordas vocais, da qual ao que consta já se recuperou.