DE PODRE NÃO TEM NADA

Com o inverno tendo chegado às 17h50 desta quinta, 20 de junho, e se estendendo até quase o final do mês de setembro, especialmente para quem mora aqui no Sul do país, mudam um pouco nossos hábitos, não apenas quanto à vestimenta e horários de recolhimento e convívio, lazer e compromissos sociais. Os alimentares também se alteram de um modo bem significativo. Quando está mais frio, nosso organismo passa a necessitar de maior quantidade de energia para que consiga regular a sua temperatura corporal, para se manter aquecido. Automaticamente, como se fosse um sistema de defesa, nosso cérebro deflagra alteração naquilo que “apetecemos” consumir. Bate uma enorme vontade por alimentos mais calóricos, os gordurosos e ricos em açúcares, assim como massas e carnes. Até quem é chocólatra encontra mais desculpas; o quentão e a graspa ganham maior espaço, assim como outras bebidas também alcoólicas; chás e cafés se justificam mais; e cresce a busca por pães e outros carboidratos.

Na serra, mais gente procura por fondue; pelo galeto com muita polenta e “pasta”; sopas são diversas, com receitas levando feijão, moranga ou sendo as que os italianos nos trouxeram, de agnolini ou capeletti; e há ainda os pinhões, que podem ser cozidos na água ou feitos na chapa dos imprescindíveis fogões à lenha. Mas, talvez o maior e mais tradicional de todos os símbolos gastronômicos do período seja mesmo o entrevero, um prato associado ao tropeirismo e que tem variados ingredientes, como bacon, linguiça, tomates, pimentões, carnes e o pinhão já citado. Seu próprio nome já é uma referência histórica, uma vez que significa o choque de forças combatentes, o momento em que as tropas adversárias se confundem no campo de batalha. Essa mistura, onde tudo fica junto, próximo demais e sem que se tenha certeza do resultado

Não falta riqueza ao cardápio sulista, portanto. Mesmo assim, quero aqui fazer referência a algo de fora, que é semelhante ao nosso entrevero: o Olla Podrida, um ensopado espanhol que leva grão de bico ou feijão, carne suína, bovina e de perdiz, presunto e vegetais como cenoura e batata, repolho, cebola, alho-poró e outros ingredientes. Trata-se de uma especialidade de Burgos, que é uma das nove províncias que formam a comunidade autônoma de Castela e Leão. A refeição em geral é preparada em panela de barro, cozinhando durante várias horas.

A tradução literal do nome do prato seria “pote podre”. Mas, não se trata de nada disso. O “podrida” provavelmente seja uma corruptela da palavra original “poderida”, que é potente. Deste modo, muito mais correto é que se entenda como “panela poderosa” E isso, com certeza, corresponde à verdade: o prato é forte, no sentido de calórico. Ele é comido como único ou principal, sendo que algumas vezes separam as carnes do restante do conteúdo, ao servir.

Uma curiosidade é que a receita pode ser encontrada na “Opera dell’arte del cucinare”, que foi publicada em 1570 por Bartolomeo Scappi, que era o cozinheiro do Papa Pio V. O autor era um famoso chef na época da renascença italiana. Ele era natural de Dumenza, na Lombardia, tendo adquirido fama ao organizar um banquete colossal enquanto servia ao cardeal Lorenzo Campeggio, ainda antes de mudar-se para o Vaticano. Esta receita teria depois sido traduzida para o holandês, por Antonius Magirus, para o “Kook-boeck oft Familieren Kevken-boeck”, em 1612. Desde sempre, na descrição, era informado que se tratavam de carnes e vegetais ao estilo de regiões da Espanha e Portugal. Onde, aliás, o que se iniciou ontem foi o verão.

21.06.2024

Olla Podrida é um prato típico da região de Burgos, na Espanha

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O bônus de hoje é uma versão da música Comida, de Sérgio Britto, Marcelo Fromer e Arnaldo Antunes, com Elza Soares e Titãs. O clipe foi gravado durante a pandemia de Covid-19, remotamente.

SILVIO LUIZ ERA MUITO MELHOR

Se vocês prestarem bem atenção, revendo algum jogo recente, aquele narrador esportivo que há muito nos apresentavam como o melhor de todos, na televisão, era até um pouco gago. Ou pelo menos tinha – e deve ainda ter, mesmo que agora afastado – algum problema com sua dicção. Isso sem contar que quase entrava em luta verbal com quem estivesse escalado para ser comentarista, ao seu lado, uma vez que parecia pretender exercer ambas as funções ao mesmo tempo. Nada disso acontecia com Silvio Luiz. Esse era preciso, muito divertido, não falava além da conta e democraticamente dividia espaços.

Mesmo sendo muito respeitado no meio, Sylvio Luiz Perez Machado de Souza – essa era a grafia correta e completa do seu nome – com certeza não alcançou nem perto a fama e a fortuna amealhadas por esse outro ao qual fiz referência indireta. Mas, era muito melhor. Eu adorava seus bordões, como aquele que repetia eventualmente, diante de um lance inusitado ou de algo bizarro que via acontecer em campo. Arrisco dizer que esse “pelas barrrrbas do profeta” era o mais diferente entre todos. E ele fazia assim mesmo, com um forte e proposital carregamento na letra “r”, que se arrastava levando consigo a centralidade do texto.

Agora, sem dúvida nenhuma, os bordões que se tornaram uma marca sua, uma verdadeira assinatura nas transmissões, foram aqueles que ele adotou para uso na hora em que um time marcava gol. Começava com “olho no lance” e seguia na sequência com “foi, foi, foi, foi ele” antes de acrescentar o nome do artilheiro. Ou seja, ele se consagrou narrador esportivo sem jamais ter gritado gol. Isso seria simples demais, comum demais para ele, apesar de toda a sua simplicidade como pessoa, como ser humano. Valorizando o trabalho dos colegas que estavam à beira do gramado, na reportagem, costumava perguntar, ao lhes passar a palavra: “o que é que só você viu?

Silvio Luiz foi embora na manhã da quinta-feira, 16 de maio, na mesma São Paulo que o acolhera 89 anos atrás. Velhinho e lúcido. Talvez ele ainda continue a narrar jogos onde atuem Pelé, Maradona, Just Fontaine, Sócrates, Gerd Muller, Johan Cruyff, Di Stefano e outros tantos craques. Vai se divertir muito por lá, ao mesmo tempo em que ele próprio seguirá externando toda a sua felicidade em transmitir as emoções deste que é o maior esporte de todo o mundo. “Acerte o seu aí, que eu arredondo o meu aqui“, dizia ele ao iniciar cada um dos tempos dos jogos. Pois agora terá todo o tempo do mundo.

Incrível é que na véspera e no dia em que Silvio Luiz foi “convocado” para outras paragens, mais dois integrantes do jornalismo esportivo foram chamados. Na noite da quarta, 15 de maio, perdemos o Apolinho, apelido carinhoso de Washington Rodrigues, uma figura carimbada no rádio carioca. No dia seguinte foi a vez de Antero Greco, jornalista da ESPN que teve também passagens destacadas em jornais. Ambos foram vitimados pelo câncer. Silvio foi em decorrência de complicações de um AVC que sofreu durante a transmissão do jogo Palmeiras x Santos, pela decisão do Campeonato Paulista, em abril. A idade, como se vê, não o afastara do seu trabalho e da sua paixão. Que, aliás, se confundiam.

20.05.2024

Sylvio Luiz Perez Machado de Souza

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O bônus de hoje é a música Aqui é o País do Futebol, com Wilson Simonal.