NOS ESQUECEMOS DAS CARTAS

Ninguém mais escreve para mim. A bem da verdade, eu também não escrevo para mais ninguém. Mesmo assim, não perdi um antigo e agora estranho hábito de olhar a caixa de cartas, no saguão de entrada do meu edifício, praticamente todas as vezes que entro e saio. Inutilmente, claro. A não ser que se considere correspondência uma ou outra fatura que eu ainda não optei por receber virtualmente.

Acho isso muito triste. Ainda lembro dos tempos nos quais elas eram trocadas com relativa assiduidade. Sem contar a época do Natal, quando se multiplicavam os envelopes, na medida em que traziam também os cartões com desejos de Boas Festas. Teve um ano – quando eu era consideravelmente jovem – que enviei 106 deles. Isso depois de ter feito uma lista cuidadosa, com antecedência, na tentativa de não esquecer de ninguém. Poupei uns trocos por uns três meses, para poder pagar por eles e mais o custo dos Correios, por isso lembro do número. Eu os comprava de instituições e, em especial, gostava muito dos que a Unicef oferecia. Nem sei se segue vendendo hoje em dia.

Até uma namorada eu tive, com a qual se trocou cartas por algum tempo, época na qual estávamos vivendo em dois Estados diferentes. Isso até que um dia eu decidi por algo mais extremo, uma vez que desejava ainda poder ouvir a voz dela, além de ler o que me escrevia. Então, comprei um daqueles antigos gravadores de cassete e enviei de presente. A partir de então, a gente podia gravar e trocar fitas, com conversa e música. O que também precisava do serviço dos carteiros. Eles em geral eram gentis, reconheciam a gente, sabiam localizar moradores até quando faltavam dados no endereço do destinatário. E já usavam aquelas roupas na cor amarela, podendo ser vistos de longe. Assim como de longe traziam as notícias que se esperava normal e ansiosamente.

Primeiro os e-mails e depois as próprias redes sociais, turbinaram todos os nossos contatos. Mas os tornaram muito impessoais. Quantos dos amigos virtuais que se têm são realmente amigos? Tente examinar que proporção tem o seu número, em relação a outros que também estão nas suas agendas sem que você saiba de fato quem são. As cartas uniam as pessoas à distância, parecendo ter muito mais calor humano. Não eram nunca impessoais, frias. Até mesmo por serem escritas à mão e não digitadas, traziam muito mais dos seus emissores.

Outra coisa que a sua ausência está causando é que estamos piorando muito a nossa caligrafia. Hoje em canso quando escrevo alguma coisa. E tenho quase que vergonha do desenho das letras. O que foi uma perda e tanto, senão da minha – que nunca foi assim tão boa – pelo menos a de tantas pessoas que produziam quase que uma obra de arte. Tinha gente que se especializava em subscritar convites, como os de casamento, por exemplo. Ou formatura. Não sei se esse serviço ainda existe, uma vez que as impressoras o podem fazer mais rápido, barato e facilmente. Mesmo que com menos glamour.   

A verdade é que vou continuar esperando pelas cartas que não chegam. Talvez porque eu esteja velho. Talvez porque eu tenha a Lua em Peixes. Ou porque boas recordações fazem um bem enorme para a alma. Por qual motivo pouco importa. E não custa nada dar uma espiadinha pela abertura da caixa onde mora uma das minhas tantas e infundadas esperanças.

04.11.2025

Você gosta de política, comportamento, música, esporte, cultura, literatura, cinema e outros temas importantes do momento? Se identifica com os meus textos? Se você acha que há conteúdo inspirador naquilo que escrevo, considere apoiar o que eu faço. Contribua por meio da chave PIX virtualidades.blog@gmail.com ou fazendo uso do formulário abaixo:

Uma vez
Mensal
Anualmente

FORMULÁRIO PARA DOAÇÕES

Selecione sua opção, com a periodicidade (acima) e algum dos quatro botões de valores (abaixo). Depois, confirme no botão inferior, que assumirá a cor verde.

Faça uma doação mensal

Faça uma doação anual

Escolha um valor

R$10,00
R$20,00
R$30,00
R$15,00
R$20,00
R$25,00
R$150,00
R$200,00
R$250,00

Ou insira uma quantia personalizada

R$

Agradecemos sua contribuição.

Agradecemos sua contribuição.

Agradecemos sua contribuição.

Faça uma doaçãoDoar mensalmenteDoar anualmente

O bônus de hoje é a “A Carta”, com Erasmo Carlos e Renato Russo.