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A REFORMA TRIBUTÁRIA É INSUFICIENTE

No meu ponto de vista, há um aplauso exagerado ao fato de ter sido aprovada a tal “Reforma Tributária”. Cá entre nós: tirando aquilo que foi posto na última hora, talvez justamente para angariar aceitação – a alíquota zero para as cestas básicas –, o que mais daquilo que foi mudado realmente aponta para que se consiga alcançar uma sociedade mais justa, em prazo razoavelmente curto? Na realidade, a grande alteração se concentra apenas na simplificação da cobrança de muitos dos impostos que existem, fazendo de vários deles um único ou talvez dois. Isso é ótimo para as empresas, que desburocratizam seus controles e recolhimentos, não para os trabalhadores. Mesmo assim, o enorme prazo dado como “período de transição”, aliado à necessidade de legislação complementar em vários casos, dilui tudo e posterga um enfrentamento real contra a desigualdade social que é histórica e aniquila um futuro mais promissor para nosso país e seu povo. Essa seria atacada de fato apenas se passasse a existir um imposto sobre grandes fortunas e se fossem corrigidas as faixas do imposto de renda, duas providências que não foram cogitadas.

Evidente que depois de três décadas nas quais só se falava, sem que algo de concreto fosse feito, a aprovação de agora aparenta ser um progresso e, de fato, se trata de uma vitória do ministro Fernando Haddad. Os pontos positivos apontados por todos são o fim das isenções fiscais para empresas multinacionais; cobrança de IPVA de jatinhos, jet-ski, iates e helicópteros; redução de impostos sobre medicamentos, itens de educação e transporte público; detalhamento do imposto pago direto na nota fiscal; menor burocracia; e retorno de parte do que é pago para as pessoas mais pobres – o chamado cashback, já que uma expressão em inglês seria mesmo indispensável –; entre outros também significativos, porém “menos cotados”. 

Agora, isso será feito aos poucos, em prazos que para alguns casos superam os dez anos de espera. E cada um destes que são considerados avanços ainda serão discutidos, como coloquei antes, pela necessidade que terão de normatização. Ou seja, estarão ao alcance de lobbies que com absoluta certeza começarão a atuar. Nos bastidores já se ouve defesa a favor dos agrotóxicos, por exemplo, terem tributos menores. Se tornariam um penduricalho que seria agregado aos “insumos agropecuários” já previstos. Também foi ampliada a imunidade tributária para “entidades religiosas e templos de qualquer culto, incluindo suas organizações assistenciais e beneficentes”. Sopa no mel para que igrejas caça níqueis possam não apenas fazer lavagem cerebral como também de dinheiro. Outro agradinho leve foi a elevação da linha de corte de receita de R$ 2 milhões para R$ 3,6 milhões por ano, para que os produtores rurais possam ficar fora da tributação e se mantenham em um regime diferenciado de recolhimento de impostos, por meio de crédito presumido. Simplificando, para que paguem ainda menos impostos do que agora.

O Brasil seguirá ocupando lugar de destaque no ranking dos países mais desiguais em todo o planeta. No final de 2019, relatório publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento nos colocava em segundo lugar na triste lista da concentração de renda, atrás apenas do Catar. Três anos depois, em 2021, o World Inequality Lab, instituição que é codirigida pelo reconhecido economista francês Thomas Piketty, dizia que em termos de desigualdade social, entre os membros do G-20 – as 19 maiores economias do mundo, mais a União Europeia –, também somos o segundo. Pior do que nós, apenas a África do Sul. Desde de 2017 sabemos que seis bilionários brasileiros têm, juntos, a mesma riqueza que a soma dos bens de 100 milhões dos nossos habitantes. Com esses dados postos, dá para acreditar que esta perfumaria proposta agora, para ser esparramada ao longo de no mínimo uma década, fará grande diferença?

O sistema tributário por aqui sempre serviu para poupar os abastados e detonar com a vida das demais pessoas. O grupo dos 10% mais pobres gasta pelo menos 32% da sua renda com tributos. Os 10% mais ricos no máximo contribuem com 21% do que ganham. Tudo é propositalmente disfuncional: o imposto de renda na realidade deveria ser chamado de imposto sobre o salário. A maior alíquota dele no Brasil é de 27,5% e apanha todo mundo que recebe mais de R$ 4.664,00 por mês, sendo o desconto feito direto em folha. Segundo dados da OCDE (*), os países desenvolvidos praticam algo entre 40 e 50%, mas apenas entre aqueles contribuintes com renda superior ao que equivale, na nossa moeda, a R$ 44 mil. Não bastasse isso tudo, Fernando Henrique Cardoso, quando era presidente da República, presenteou os grandes investidores com uma benesse extra: isenção total sobre lucros e dividendos. No mundo inteiro, apenas Letônia e Estônia têm sistema semelhante.

Importante destacar que tudo aquilo que expus nos parágrafos anteriores são números, estatísticas que podem ser facilmente confirmadas com pesquisas feitas nas fontes. Não se trata, portanto, de uma opinião. No mais, o que coloco, mesmo que com um título afirmativo, na verdade oferece uma proposta de reflexão. Se consegue cobrir esse abismo todo com meia dúzia de caminhões de terra? E podemos empurrar todas as providências que são efetivamente necessárias, por uma década ou mais? A imprensa tradicional segue divulgando todas as “vantagens” do que foi aprovado, trazendo consigo a repercussão bem faceira da esquerda brasileira. Mas, sem uma análise mais séria e profunda. Na realidade, foi concedido pela elite apenas um anel e não dos mais caros. Os dedos continuam e continuarão intactos.

11.07.2023

(*) OCDE é a sigla que identifica a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, uma instituição intergovernamental com 38 países membros, fundada em 1961 com o objetivo de estimular o progresso econômico e o comércio mundial.

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O bônus de hoje é tem o desabafo Chega, de Gabriel o Pensador; e também a música Justiça Social, com João Alexandre.