SOBRE CORRETORES ORTOGRÁFICOS
Esses corretores ortográficos que temos em nossos celulares e também nos computadores e tablets, em muitos momentos facilitam a nossa vida. Assim, são vistos como um avanço tecnológico interessante, apesar de não existir quem não tenha ficado no mínimo descontente com determinadas intervenções. Ou, em alguns casos, até mesmo constrangido. Exemplo clássico disso é o inofensivo “sanduba”, que vira sabe-se lá por que em uma proposta de sexo grupal, na mensagem enviada para colegas de trabalho. Essa me foi contada por uma assistente em uma universidade onde trabalhei, mais vermelha que um tomate muito maduro.
Os erros mais comuns em geral são resultantes de uma base de dados insuficiente, do fato de ser o dispositivo originalmente feito para usuários de outros idiomas e do desconhecimento de expressões que são gírias, recursos linguísticos regionais. Coisas que a Inteligência Artificial, essa que agora se apresenta como uma panaceia, um remédio para todos os males, promete resolver. O que talvez venha mesmo a pelo menos ser parcialmente verdade, reduzindo as substituições inadequadas. Mas, eu duvido que mesmo ela possa ter cem por cento de acerto, nos momentos em que precisar ser avaliada a intenção do usuário. Porque essa pode ser irremediavelmente humana demais.
Em um texto que postei aqui mesmo no blog escrevi “bolicho”, referindo o termo que tem sentido de “taverna” ou “bodega”. Um estabelecimento que não raras vezes é tão pobre quanto a clientela que dele faz uso. E o corretor, desconhecendo esse sentido que é muito sulista, ficou teimando em me sugerir a troca por “boliche”, o jogo aquele que se usa bola com três furos para derrubar dez pinos feitos de madeira, ou por “beliche”, as camas de dois andares que na infância a gente sonhava ter, apenas pela eventual primazia de dormir na parte alta. Irmãos menores que ficassem na parte baixa, subalterna, em representação física da superioridade simbólica. Esse é um exemplo não da intenção, como citei logo acima. Mas, de quando o erro crasso pode vir da proximidade sonora, a questão dos fonemas, ou ainda da mera semelhança da grafia. Como entre os verbos “caçar” e “cassar”, que se enquadrariam em mais de um motivo para troca inconveniente.
Não se pode esquecer que os algoritmos não têm consciência, sendo só um método de comparação da palavra verificada com as existentes em dicionários. Eles priorizam a suposta necessidade de correção da grafia, falhando na verificação de contexto e nas nuances e intenções humanas. O que também é complicado, quando o próprio ser humano apresenta a maldade que nos é característica, saindo do oral para o escrito. Com a materialização dos preconceitos, por exemplo. Para esses casos, ainda em 2020 foi lançado algo chamado de “Teclado Consciente”, que trazia inicialmente 180 palavras como sugestões para quem digitasse termos que fossem discriminatórios para pessoas com deficiência.
Esse era um corretor ortográfico social de smartphones e tablets, que identificava automaticamente palavras discriminatórias e oferecia de imediato indicações para troca dos termos e expressões. Ao digitar a palavra considerada inadequada, o usuário recebia uma explicação breve do motivo da incorreção, seguido da lista com as possíveis mudanças. Com isso, combatia o uso de palavras capacitistas (*) e as que fossem racistas ou LGBTfóbicas. Uma contribuição concreta para que se construa uma sociedade mais inclusiva e menos preconceituosa, um apelo à prática da empatia.
29.09.2025
(*) Capacitistas são termos e expressões que diminuem, menosprezam e excluem pessoas com deficiências. Mesmo que de forma dissimulada, elas trazem desde suas origens um enorme preconceito embutido. Como exemplos podemos citar “retardado”, aplicado como uma ofensa e que vem de um problema mental leve. Ou dizer “mancada”, referindo algum erro, quando isso aponta para pessoas com problemas de locomoção. Assim como “judiaria”, que representa sofrimento, injustiça, tendo surgido a partir do que sofreu o povo judeu na mão dos nazifascistas.

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