DIVINO PROCESSO

O mínimo que se pode dizer sobre o roteiro do filme Divino Processo é que se trata de algo bastante criativo. Quem o assina é Stewart Schill, que também dirige o que a crítica teve dificuldade em enquadrar, de tal forma que aparentemente ele pode ser considerado comédia, drama e romance ao mesmo tempo. Foi lançado em 2016 e conta a história de um advogado totalmente descrente e solitário, depois de ter perdido sua esposa em um acidente de trânsito. Sua única companhia é a de um cão chamado Brutus e ele segue morando na casa que lhe traz muitas lembranças. Nela, até mesmo o closet com fotos e pertences da mulher permanece intocado. Essa história prossegue até que um furacão põe abaixo a residência e sua seguradora se recusa a indenizá-lo, sob a alegação de que a tragédia se tratou de um “ato divino”.

Frank, o nome do personagem vivido por Henry Ian Cusick, decide então fazer algo impensado e entra com um processo contra Deus. O próprio título original do filme já revela isso (Frank vs. God). A causa vira um caso completamente único, surpreendente, surreal. Um bispo católico e lideranças de outras correntes cristãs, um rabino judeu, um imã muçulmano, além de budistas e xamanistas, são intimados como partes integrantes do processo, uma vez que representariam a divindade na Terra. A demanda vira para os religiosos um desafio para as suas crenças mais fundamentais. De tal forma que consegue algo que parece inicialmente improvável: que diferenças sejam postas de lado e todos se unam para enfrentar o problema. Além disso, se este precedente fosse de alguma forma estabelecido, essas organizações teriam que se preparar para outros processos e para muitos milhões de dólares gastos.

Entretanto, do ponto de vista do postulante, não se trata de algo frívolo. Ele foi de fato lesado. E uma cláusula, colocada em letras miúdas, atribuía genérica e arcaicamente o termo já citado de “ato divino” para todo e qualquer fenômeno meteorológico inesperado, como forma de proteger a empresa seguradora. Ou seja, transferia responsabilidade. De tal forma que, uma vez ela sendo atribuída a terceiros, enseja mesmo que o ressarcimento seja buscado. Sem contar ainda que a morte de Brutus durante o evento – Franke por sorte não estava em casa – lhe trouxe ainda uma segunda perda emocional, que não pode de modo algum ser mensurada. Além disso, há um drama paralelo, com sua sobrinha tendo leucemia, se aproximando do estágio terminal.

Enquanto o próprio sócio do protagonista no escritório diz não haver “nada mais chato na vida do que um advogado com princípios”, ele segue convicto da necessidade de dar prosseguimento à causa. Na defesa de Deus – ou ao menos dos seus prepostos terrenos – atua uma advogada competente. Ela de imediato propõe ao juiz o arquivamento, sob as alegações de “causa insuficiente, ausência de jurisdição, a não presença do réu e o completo absurdo”. O que não é feito porque o próprio juiz tem seus interesses, entendendo que a notoriedade que isso trará pode servir a seus propósitos, como o de vir a tornar-se senador. Aliás, mais um caso em que, mesmo que desta vez de forma indireta, a religião estaria beneficiando e levando gente pouco honesta para o exercício do poder. O Brasil, por exemplo, se tornou pródigo nisso nos últimos anos.

A narrativa está bem posta. Argumentos são apresentados com consistência o suficiente para assegurar convencimento de lado a lado. É discutido o que vem a ser Deus, como demonstrar ser real a sua existência ou não e que impacto tem a fé na vida das pessoas. Claro que tudo dentro das limitações de um filme que pretende ser pouco mais do que simples entretenimento. E que não foge, em vários momentos, do percurso seguido sempre à risca por filmes românticos, que valorizam o amor como a solução para quase tudo. A própria aproximação gradual entre os dois advogados litigantes demonstra isso. Especialmente depois que Frank recusa uma tentativa milionária de acordo proposta pelo desonesto representante legal do ramo dos seguros, setor que temia a repercussão disso tudo nos seus negócios.

Enfim, vale muito a pena dedicar 1h40min do seu tempo para ver o filme. Ele não irá com certeza alterar suas convicções, sendo você ou não uma pessoa religiosa. Mas, ajudará muito a passar o tempo sem abrir mão de um muito positivo hábito de refletir. Ou seja, podemos nos divertir sem que para tanto se precise abraçar a completa alienação.

17.07.2024

Xamanistas, muçulmanos, católicos, judeus e budistas unidos na defesa de Deus

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O bônus de hoje é Redemption Song (Canção da Redenção), com Bob Marley & The Wailers. A canção retrata a fé e a esperança na recuperação de toda a humanidade que temos perdido e, de certa forma, exalta a busca por uma vida mais plena e próxima ao projeto divino. Sugere a necessidade de que se emancipe a nossa mente, que não se admita mais a morte dos nossos profetas e que se cante canções que falem de liberdade. A abordagem artística é a de um mundo imaginário, de uma forma que estimula a autorreflexão. E o vídeo foi feito com o uso de 2.747 desenhos originais, usando símbolos para amplificar a magnitude da letra. Ele foi realizado pelos artistas franceses Octave Marsal e Theo De Gueltzl.