Uma das coisas mais importantes que eu aprendi já na fase adulta da minha vida foi ter cuidado com pessoas que tratam mal outras das quais elas não dependem. Gente que desdenha o porteiro do seu prédio; que se gruda na parede do elevador oposta àquela onde está o ascensorista. Que acha que o estagiário da empresa é um escravo a seu dispor e não um jovem buscando dar os primeiros passos na formação profissional. Que sequer cumprimenta o pessoal da limpeza; que enxerga com enorme facilidade os sinais externos de uma suposta diferença de classe social. Não raramente essa espécie de gente que tem ojeriza por quem está, mesmo que circunstancialmente, em posição inferior, é a mesma que tem uma atração incontrolável por quem possa lhe abrir caminhos. Estejam onde estiverem quem lhes seja conveniente, elas dão um jeito de encontrar.

Entre essas tem ainda aquelas que identificam entre seus próprios pares os que lhe são vantajosos. Os que podem significar chaves que lhes abram portas de oportunidades futuras. E que, em função disso, ficam coladas neles, com sorrisos, saudações, presentinhos. Usam a corrente do rio para que seu barco deslize sem esforço. Mas, pressentem como se fossem sensitivas quaisquer mudanças nessa perspectiva e saltam fora se há uma corredeira perigosa. Deles se afastam com a mesma rapidez com que se aproximaram, sem vergonha, sem pudor, sem remorso. Sua suposta amizade enfim se revela, falsa como uma nota de três Reais.

Marketing pessoal em demasia pode demonstrar falta de caráter. Uma coisa é estabelecer relacionamentos, fazer networking – como tem gente que adora expressões em inglês. Só que isso, para ser verdadeiro, tem que se tratar de uma via de mão dupla. Você recebe e também oferece. Beber toda a água sem dar a mínima para a sede do outro está longe de ser o comportamento adequado. Eu tive o desprazer de ver isso bem de perto, certa vez. Uma pessoa que derrubava as escadas pelas quais tinha subido, deixando para trás quem antes oferecera para ela degraus que lhes foram essenciais à sobrevivência. Com poder, cortava cabeças com desenvoltura. Até que um dia fizeram o mesmo com ela, como se atribui a Joseph Guillotin, médico francês que acabou vítima do próprio instrumento de execução que inventara. Mas, no caso dele, há relativa controvérsia se de fato teria sido guilhotinado.

Ninguém de fato cresce sozinho. Precisamos de apoio não apenas na primeira infância, mas ao longo da vida. Até porque o verbo crescer, nesse caso, está sendo usado no sentido de aprender, ir além, evoluir. Não é o crescimento físico, mas o social, o profissional, o humano. Como somos seres sociais, é do esforço coletivo que resultam nossos avanços, sejam eles individuais ou de grupos. Aquela pessoa de quem lembrei, citando como exemplo, me fez um imenso favor ao se afastar da minha vida. Entretanto, devo admitir que ter com ela convivido foi importante, no mínimo porque me deixou de algum modo vacinado. Criei anticorpos. Passei a reconhecer com mais facilidade certo tipo de gente. E hoje isso acontece ao natural: minha pele faz o serviço de sugerir que me afaste. Já que se trata de uma “urticária do bem”, não tenho intenção alguma de visitar meu dermatologista.

11.03.2024

P.S.: Abaixo você encontra o “Algumas Coisas Para Se Pensar” e também o tradicional bônus.

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ALGUMAS COISAS PARA SE PENSAR (16)

1. O Tribunal de Contas do Paraná – e nada vindo de lá surpreende mais – conseguiu fazer a proeza de presentear suas funcionárias mulheres, pela passagem do dia 8 de março, com um kit costura. Todos eles tinham linhas, agulhas e uma tesoura. Só não tinham nada em termos de sensibilidade e inteligência. Não se deram conta do real significado do que representa o Dia Internacional da Mulher.
2. Descobriram a existência de um tronco de árvore no Parque da Redenção – o Parque Farroupilha –, em Porto Alegre, que tem idade avaliada em cerca de 200 milhões de anos. Pelamordedeus! Não contem isso para o prefeito Sebastião Melo que ele dará um jeito de eliminar este vestígio, porque ele não tem a “modernidade” que a construção civil está trazendo para a cidade.
3. O olavista Filipe Martins, preso na Superintendência da Polícia Federal em Pinhais, Curitiba, em virtude da investigação sobre envolvimento na tentativa de golpe do dia 8 de janeiro de 2023, anda tendo surtos de cagonismo. Com medo de que pudesse sofrer algum atentado, de queima de arquivo, pediu para ser transferido para uma cela onde ficasse sozinho. Foi atendido. Quem deve demais, teme muito.
4. O STF decidiu essa semana que a União precisa indenizar a família de um homem morto dentro de sua própria casa, no Rio de Janeiro, por um disparo feito por elemento do Exército, quando da intervenção ocorrida naquela cidade. Isso é inédito e deverá ter repercussão para outros casos semelhantes. Só espero que os recursos para tanto sejam retirados do valor destinado às Forças Armadas e não atinja saúde, educação e outros gastos necessários com a população civil.

O bônus de hoje é a música Deus Me Proteja, de Chico César, com o próprio mais Dominguinhos.