COMO DIRECIONAR A SEGURANÇA PÚBLICA
Foi o jornalista Fábio Canatta que “levantou a lebre”, ao produzir matéria para a Ponte Jornalismo, essa semana. Segundo ele, um grupo de 55 empresários gaúchos está conseguindo, desde 2018, direcionar ações da segurança pública em benefício que não é exatamente de todos. E com uma estratégia tão bem articulada que, ao final, posam de muito preocupados com a população em geral.
O relato começa a partir do ato de entrega de equipamentos no valor de R$ 14 milhões, para a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Sul. Quem fazia isso era o Instituto Cultural Floresta, uma ONG fundada por um grupo de 55 grandes empresários gaúchos. E isso estaria sendo feito, em tese, sem a solicitação de qualquer contrapartida. Todas as viaturas, armas e coletes à prova de balas eram a colaboração do grupo para a melhoria do trabalho feito. Junto, entregaram também a promessa de, nos anos seguintes, ofertarem ainda mil carros, dez mil pistolas e auxílio para a construção de presídios.
O passo seguinte do ICF foi entregar para o Executivo estadual e para um grupo de deputados a minuta de um projeto de lei que permitiria, uma vez aprovado, transformar parte do ICMS devido pelas empresas (5%) em investimentos na policias. Ou seja, a ação benemérita do Floresta prosseguiria, mas com a doação ao Estado de recursos que já seriam de qualquer forma do próprio Estado. Isso de fato aconteceu e, entre o mês de outubro de 2019 até maio de 2023, o governo Eduardo Leite (PSDB) recebeu 271 viaturas. Mas, nunca contando como se definia necessidades e uso.
E isso começou ainda na primeira doação feita, antes da aprovação da lei. Um oficial que comandava unidade da Brigada Militar no bairro da Restinga, em Porto Alegre, comemorou na ocasião a chegada das 40 picapes, pois esperava receber ao menos uma delas para substituir viaturas de suspensão baixa e pouco operacionais, naquelas ruas esburacadas da sua região. Foi prontamente informado que isso não iria ocorrer, porque pela negociação esse equipamento novo poderia circular apenas em determinadas regiões. Ou seja, a reportagem denuncia que os empresários que fazem as doações têm o direito de escolher onde os recursos disponibilizados serão usados.
A Ponte teve o cuidado de verificar, através de consulta pela Lei de Acesso à Informação (LAI) como vem sendo feito o fatiamento dos recursos que são doados. Alguns exemplos: Charqueadas, com 40 mil habitantes, recebeu R$ 8,6 milhões, enquanto Canoas, com população oito vezes maior, levou R$ 7,2 milhões. A mesma cidade da região carbonífera, onde fica a sede da Gerdau, teve o equivalente a 43% dos recursos destinados para Porto Alegre.
Aliás, no início do ano passado a administração da Capital, hoje com Sebastião Melo à frente, passou a contar com um projeto semelhante ao estadual. Contribuintes do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) podem compensar parte do que devem para o Fundo Municipal de Segurança Pública. A questão é quem integra o conselho deste fundo e como os recursos serão aqui utilizados. A já citada Restinga e locais como Humaitá, Mário Quintana e Lomba do Pinheiro serão olhados com o mesmo cuidado que Moinhos de Vento, Bela Vista e Três Figueiras, por exemplo?
No caso do Instituto Cultural Floresta, a estratégia é tão perversamente perfeita que, se você ajudar – eles têm uma chave PIX na sua página na internet –, podem continuar atingindo seus objetivos sem tirar “um puto pila” do bolso, se preferirem optar por isso. Comprarão a segurança pública com dinheiro da população e com o que deixam de pagar em impostos devidos. Agora, cá entre nós, se você tem mesmo algum aí sobrando, melhor fazer a transferência do valor para a Ponte. Ou mesmo para esse blog aqui. Pelo menos somos transparentes.
19.09.2023
P.S. 1: A expressão “levantar a lebre” significa suscitar uma questão. Em geral se usa para a primeira pessoa que levanta um fato, descobre de algum modo uma irregularidade. Trata-se de um linguajar figurado muito antigo, proveniente de Portugal. Se encontra já em escritos do historiador Diogo do Couto, no ano de 1610.
P.S. 2: A expressão “um puto pila” é rigorosamente gaúcha. Primeiro que o pila é uma moeda informal aqui do Sul, sendo na realidade apenas um novo nome para o padrão monetário nacional. E com uma paridade absoluta: um Real é igual a um Pila. No texto significa “não destinar um só centavo seu”. Importante dizer que o “puto” em questão não tem qualquer conotação sexual, designando “nenhum”. Dizer “não tenho um puto pila” é semelhante a falar “estou pelado”. O que também não quer dizer sem roupa.

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