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SATURAÇÃO

Eu faço parte de 13 grupos ativos do WhatsApp nos quais se discute política e se defende a democracia. A companhia é excelente em todos eles. São pensadores de diversos matizes, com enorme capacidade de argumentação e entendimento sobre a realidade que vivemos. Recebo em média umas 80 mensagens em cada um, diariamente, o que me obriga a fazer uma seleção constante, pois seria impossível no espaço de 24 horas ler e interagir com todas as postagens. Mesmo assim, fazer isso é extremamente trabalhoso e acho que dedico tempo demasiado para tanto.

Asseguro a vocês que termino eliminando mais de 90% do total, boa parte porque são repetidas, outro tanto porque não seguem princípios básicos deste tipo de comunicação, como ser sucinto e objetivo. Há textos que – pasmem! – atingem tamanho equivalente a umas 12 laudas ou mais. Dias atrás recebi um com 27, que nem bateu o recorde de outro anterior, que tinha 36. E o WhatsApp definitivamente não é o espaço adequado para a publicação de dissertações e teses. Então, aqueles que desejo ler ou faço isso na hora ou copio e reservo em outro local, que criei especialmente. Alguns repasso, outros comento, todos me acrescentam entre esses selecionados.

Agora, está na hora de se fazer uma crítica também sobre essa nossa conduta. Porque, se a preocupação de quem escreve e compartilha é oferecer informação para melhor enfrentamento cotidiano de quem tem atacado a democracia, há algo errado. Primeiro porque não adianta o esforço de acumular conhecimento e alegações, se não sobra o tempo necessário para seu uso. Se ficamos mergulhados, afogados na teoria, sem partir para a prática, a exemplificação, a vivência na rua. Segundo, porque muitas vezes parece que estamos tentando convencer uns aos outros, algo desnecessário uma vez que habitamos nichos onde todos os integrantes têm posições políticas já consolidadas. E a saturação há muito é evidente.

Acho que nossos companheiros estão lendo notícias na mesa, enquanto fazem suas refeições. E no banheiro, quando a ocupação é outra. Neste último caso, a exceção talvez seja apenas o momento do banho, para evitar danos ao celular. Acredito que estão indo menos ao cinema, ao teatro, apreciar o pôr do sol na orla do Guaíba – para quem é de Porto Alegre – ou aproveitar o convívio com a família. Se é verdade que tudo é político, paradoxalmente a política não é tudo. A vida é essencial. Fazer amor, por exemplo, é imprescindível. E ler livros que não sejam sobre sociologia, política, filosofia. A ficção tem valor inestimável. Os sonhos individuais precisam ser tão valorizados quanto são os coletivos, as utopias. Porque ambos têm igual importância.

Durante a pandemia e o período no qual a extrema-direita esteve no comando do Governo Federal, o número de lives, seminários virtuais, debates e simples comentários cresceu de tal forma que, se eu fosse hipoteticamente pago com 50 Pila (*) cada vez que acompanhasse qualquer uma ou um, teria alcançado minha independência financeira. Ao mesmo tempo, os extremistas da direita inundavam – e ainda inundam – as redes sociais com uma série de mensagens curtas, efetivas, capazes de conquistar muitas consciências ou de reforçar posições já alcançadas, pouco importando se com verdades ou mentiras sendo veiculadas. Saindo com muito mais facilidade de suas bolhas, sendo virulentas, violentas, muitas vezes irracionais e negacionistas, elas cumprem o seu papel perfeitamente. Nós, no entanto, respondemos a isso como pregadores no deserto: falando verdades para ninguém.

Renunciamos a momentos preciosos das nossas vidas na tentativa de cumprir uma “missão” que nem de perto é alcançada. E a derrota passa a ser dupla: na política e pessoalmente. Conheço um número crescente de companheiras e companheiros que se mostram desiludidos, cansados e pensando em desistir. E essa minha afirmação não pretende de modo algum ser alarmista. Quero apenas propor que se gaste ao menos uma parcela pequena desse nosso esforço diário no sentido de reexaminar o que se está fazendo. Para que se faça mais e melhor depois. Para que não se perca ninguém pelo caminho. E para que os resultados sejam bem mais efetivos do que estão sendo.

03.05.2024

(*) O Pila é uma moeda simbólica existente no Rio Grande do Sul, que tem paridade de um por um com o Real brasileiro. E sempre se escreve assim, no singular: um Pila, dez Pila, cem Pila.

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O bônus de hoje começa com Epitáfio, dos Titãs. Esta é uma das músicas preferidas da banda de rock paulistana. A letra da canção foi escrita por Sérgio Brito, que a interpreta. Originalmente a gravação estão presente no álbum A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana, de 2002. Logo depois temos Dias Melhores, do Jota Quest. Este grupo é mineiro, de Belo Horizonte. E a música está no álbum do ano 2000 chamado Oxigênio.