ESTÁ CHEGANDO A HORA
Minha avó e minha mãe costumavam usar com relativa frequência o ditado popular “aqui se faz, aqui se paga”. Conforme eu fui crescendo, cada vez mais desacreditava disso. Foram tantas as iniquidades que vi ao longo da vida, tantos os desvios, as irregularidades e injustiças que tive o desprazer de presenciar ou conhecer, sem que os responsáveis por tais atos fossem afinal penalizados, que não havia mais como levar em conta aquele ensinamento. Pois agora pode estar chegando a hora de que eu morda senão a língua – pois não era eu que dizia isso –, ao menos minha descrença. Tomara que eu a despedace com os dentes e comemore isso com efusiva alegria e renovada fé no futuro.
O grupo criminoso que se viu chegar ao poder em nosso país, pessoas que trabalharam durante quatro longos anos para destruir a nossa nação e que ainda tiveram o desplante de tentar sua perpetuação ilegal, ao que tudo indica está com seus dias contados. Com a devida e necessária autorização da Justiça, a Polícia Federal desencadeou mais uma etapa da sua Operação Tempus Veritatis, que em Latim significa “A Hora da Verdade”. E está finalmente chegando às autoridades que planejaram e incentivaram a tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023. Ironicamente, isso agora se dá em outro dia 8, mas de fevereiro e no ano seguinte. Ou seja, exatos 13 meses depois – o número é outra ironia – não apenas aqueles que serviram de massa de manobra podem pagar pelos crimes.
Tais procedimentos, rigorosamente dentro da lei, levaram equipes de policiais federais a cumprir 85 ordens judiciais em dez Estados. Ao todo, eram 33 mandados de busca e apreensão, quatro de prisão preventiva e 48 medidas cautelares. Foram presos o coronel da reserva Marcelo Câmara e o major Rafael Martins, além de Filipe Martins, que era um dos assessores especiais de Jair Bolsonaro. O quarto mandado expedido era contra o coronel Bernardo Romão Corrêa Netto, que se encontrava nos EUA. Entre os principais alvos da operação ainda constam o presidente do PL e ex-deputado federal Valdemar Costa Neto; os generais Augusto Heleno e Walter Braga Netto, ambos integrantes do antigo governo; o general Paulo Sérgio Nogueira, responsável pela pasta da Defesa; e o ex-ministro Anderson Torres, da Justiça e Segurança Pública. As buscas também atingiram endereços ligados ao almirante Almir Garnier Santos, que comandava a Marinha; e ao general Estevam Teófilo Gaspar de Oliveira, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército; além de vários outros militares de alta patente.
Segundo as apurações da Polícia Federal, os golpistas haviam formado dois grupos distintos. O primeiro trabalhava na construção e propagação da versão de fraude nas eleições de 2022. A estratégia adotada foi a da disseminação falsa de que o sistema eletrônico era frágil. Isso foi feito, de modo preventivo, antes mesmo da realização do pleito, com o objetivo de deixar caminho preparado para legitimar depois a intervenção militar que pretendiam liderar, em caso de derrota nas urnas. Este trabalho dependeu de articulações com uma milícia digital. O segundo dos núcleos cuidava do financiamento de todas as ações. Foram essenciais, por exemplo, depois do resultado negativo no segundo turno, para a manutenção de acampamentos de civis aloprados em frente a quartéis. Gente que depois serviu de massa de manobra para o ataque à Praça dos Três Poderes, determinada com o objetivo de tentar que Lula, em ato impensado, decretasse ele próprio a GLO, sigla de Garantia da Lei e da Ordem, que os militares utilizariam para o afastar do poder.
Conforme foram sendo apreendidos documentos, celulares e tabletes, os policiais federais se surpreenderam com a enorme quantidade de provas que os próprios suspeitos haviam feito contra si. Apareceram vídeos de reuniões golpistas; o texto de um pronunciamento que Jair Bolsonaro faria à nação, anunciando a decretação de Estado de Sítio – esse estava na sala que o ex-presidente usa na sede do PL –; e até mesmo um diário, redigido de próprio punho pelo general Augusto Heleno, no qual estão narradas passo a passo as providências golpistas. Enfim, talvez estejamos diante de um momento histórico em nosso país, sendo real a possibilidade de se mostrar que não estão os militares acima da lei. E que civis que compartilhem com eles os mesmos ideais antidemocráticos serão igualmente identificados, julgados e punidos.
Agora, em meio a tantas situações que só surpreendem quem nada sabe sobre o “enorme preparo” que têm os integrantes das nossas Forças Armadas – a logística que desenvolveram para a distribuição de vacinas contra a Covid, quando o general Pazuello estava à frente do Ministério da Saúde, foi um grande exemplo –, mais um fato inusitado chamou a atenção. O tenente-coronel Guilherme Marques Almeida, um dos alvos da megaoperação da quinta passada, desmaiou ao ser abordado por policiais federais em sua residência Detalhe: ele é o comandante do 1º Batalhão de Operações Psicológicas do Exército, com sede em Goiânia. Entre as atribuições dele e desta unidade está a de oferecer suporte para que os militares enfrentem e aguentem situações nas quais estejam sujeitos a fortes pressões. Precisou ser socorrido às pressas. Que agora também o Brasil seja socorrido e acorde de vez, senão de um desmaio, do enorme pesadelo recente.
10.02.2024
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Faça uma doaçãoDoar mensalmenteDoar anualmenteEm pleno Carnaval, o bônus de hoje oferece duas marchinhas: a primeira é Três Batidinhas (Toc Toc Toc), de Nino Antunes. Depois é a vez de Está Chegando a Hora, cujo nome eu me “apropriei” para a crônica de hoje, na voz de Zeca Pagodinho. Ela é de autoria de Henricão e Rubens Santos, que a compuseram ainda na década de 1940, como sendo uma despedida da folia, para ser cantada próximo da quarta-feira de cinzas. A única coisa que precisa ser dita é que, ao contrário do que está na letra, ninguém ainda lúcido e em sã consciência vai guardar saudades deste grupo que se vai, tomara que para a prisão.