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A IMPORTÂNCIA SOCIAL DAS TELENOVELAS

As telenovelas sempre exerceram, talvez especialmente aqui no Brasil, mas acredito ser um fenômeno verificado também em outros países, uma grande relevância enquanto instrumento que possibilita oferecer visibilidade para temas de interesse social. Ou seja, além da trama em si, ações socioeducativas podem ser – e seguidamente são – inseridas, o que causa impacto além do que ocorre na tela. É a ficção apontando que se pode agir e alterar o mundo real. Isso geralmente é feito com o uso da situação pessoal de algum personagem ou núcleo, destacando que se precisa conhecer e enfrentar o problema, inclusive sugerindo formas de isso ser feito.

Esse recurso, hoje em dia conhecido como merchandising social, ocorre há algum tempo. Não é algo novo, apenas o termo sendo mais recente. Ao contrário do merchandising comercial, quando personagens mostram como que “por acidente” que estão consumindo algum produto e serviço, muitas vezes surpreendendo os telespectadores pela quebra do fluxo mais lógico de algum diálogo, o social fica diluído ao longo da história. E tem, obviamente, muito maior relevância. Além do entreter, cabe a esse trecho específico da trama, informar, sensibilizar e provocar debates na sociedade. O que não raras vezes resulta inclusive em alterações de políticas públicas.

Talvez o primeiro momento em que tal recurso tenha sido adotado tenha sido no início dos anos 1990. Falo da novela De Corpo e Alma. Na trama, a personagem Bettina (Bruna Lombardi) sofre um acidente fatal e tem o seu coração transplantado para Paloma (Cristiana Oliveira). O texto era de autoria de Glória Perez e a situação, posta propositalmente na história, causou forte impacto emocional. De tal forma que na primeira semana após levada ao ar, o Instituto do Coração (InCor), em São Paulo, teve o registro de nove órgãos para transplante – estava há dois meses sem receber um único sequer.

Mulheres Apaixonadas, levada ao ar em 2003, conseguiu influenciar em dois temas simultaneamente. O drama vivido pelo casal de idosos Flora (Carmen Silva) e Leopoldo (Oswaldo Louzada), que sofriam maus-tratos praticados pela neta Dóris (Regiane Alves), levou à tramitação de modo acelerado do Estatuto do Idoso. De autoria do senador gaúcho Paulo Paim, enfrentava morosidade. Mas, com a novela, foi aprovado ainda durante o período de sua exibição, assegurando uma série de direitos fundamentais para pessoas com mais de 60 anos de idade. Na mesma telenovela, a professora Raquel (Helena Ranaldi) sofria agressões físicas e psicológicas do marido Marcos (Dan Stulbach). As cenas fortes foram responsáveis por impulsionar as discussões que culminaram na sanção da Lei Maria da Penha, legislação específica para o combate da violência contra a mulher em nosso país.

Muitos outros exemplos poderiam ser dados aqui. Entretanto, concluo com apenas mais um, que se deu em novela que estará terminando já nos próximos dias. No remake de Vale Tudo, a faxineira Lucimar, papel da atriz Ingrid Gaigher, é uma mãe trabalhadora que, divorciada e sem receber apoio do ex-marido, recorre à Justiça para garantir os direitos do seu filho. Quando isso ocorreu na telenovela, explodiu o número de pedidos semelhantes junto à Defensoria Pública. No início, ocorreram absurdos 4.500 deles por minuto, no seu aplicativo. E o total atingiu quase 270 mil solicitações.

Isso tudo comprova o poder da comunicação. Mas, não invalida algumas mensagens equivocadas que muitas vezes também são passadas. Até quando acidentais ou subliminares. Na mesma Vale Tudo, quando o filho “escondido” de Odete Roitman (Débora Bloch) é encontrado pela irmã, assusta a forma como ele é acolhido pela família. A história aponta como insensível sua mãe, apenas. Afinal, foi ela que escondeu Leonardo (Guilherme Magon) após um acidente de trânsito que o deixou deficiente. Entretanto, depois de 13 anos isolado do mundo e de possibilidades de tratamento, o que primeiro pensam os personagens “bonzinhos” do núcleo é levá-lo para ser verificado se existe compatibilidade para que ele se torne doador de medula óssea para o irmão que está com câncer. Nenhum fala em atender ele mesmo, examinar suas condições, respeitar seu momento. Assim, mesmo sem querer, a mensagem passada é a de coisificação do personagem, não apenas pela vilã. O valor dele está na utilidade, não na sua humanidade já extremamente aviltada.

03.10.2025

Odete Roitman (Débora Bloch) e seu filho Leonardo (Guilherme Magon).

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O bônus de hoje tenta fugir ao lugar comum de apresentar a música tema de Vale Tudo, optando por escolher aquela que acompanha um personagem específico, que é Marco Aurélio Cantanhede (Alexandre Nero). Trata-se de PIMP, com Bacao Rhythm & Steel Band, um grupo alemão de funk. Ela também aparece no excelente filme Anatomia de Uma Queda.

Bacao Rhythm & Steel Band – PIMP