OLHOS FECHADOS, CORAÇÃO SEMPRE ABERTO
Lucy Needham veio para o Brasil em função de um projeto da British Broadcasting Corporation, a BBC de Londres. À jornalista inglesa coube a parcela brasileira em uma série que pretendia mostrar as diferentes culturas do mundo. Para realizar o seu trabalho precisou se enfronhar em estilos musicais brasileiros, realizando entrevistas com profissionais do setor. Até que foi ouvir um paraibano e, por essas coisas que apenas o destino parece explicar, ocorreu uma explosiva paixão entre os dois. Foi assim que, depois de concluir sua missão, voltou para o nosso país para se casar com ele.
O casal já estava convivendo por três anos quando ele se encontrou com um colega baiano. Foi em Salvador e o anfitrião mostrou ao visitante uma melodia que fizera, ainda inédita. E este tratou de colocar sobre ela, na mesma hora e em improviso absoluto, uma letra. A inspiração foi a sua esposa inglesa, que se revelava cada vez mais encantada com a nossa cultura e modo de viver, como se sua alma sempre tivesse sido daqui. A letra tem inclusive trechos no idioma nativo de Lucy (*), mas é totalmente brasileira em estrutura e sentimento.
O paraibano é Herbert Lemos de Souza Vianna, cantor e compositor, o vocalista e guitarrista do grupo Os Paralamas do Sucesso, uma banda de pop rock e reggae que surgiu no final dos anos 1970, no município fluminense de Seropédica. O baiano é Antônio Carlos Santos de Freitas, o Carlinhos Brown, versátil cantor, compositor, apresentador e artista visual. Ele já concorreu dez vezes ao Grammy Latino e venceu em 2003 com o álbum Tribalistas, feito em parceria com Marisa Monte e Arnaldo Antunes.
Lucy e Herbert tiveram três filhos e permaneceram juntos até o dia 4 de fevereiro de 2001. Naquela data estavam se dirigindo para a casa de Dado Villa-Lobos, que é guitarrista da banda brasiliense de rock Legião Urbana e sobrinho-neto do compositor clássico Heitor Villa-Lobos. Iam com um ultraleve pilotado por Herbert. Filho de um brigadeiro, desde muito pequeno ele se acostumara com aviões, helicópteros e adorava voar. Tanto que se tornara piloto. Uma manobra repentina e a princípio inexplicável os levou a cair no mar. Isso ocorreu em Mangaratiba, no interior do Rio de Janeiro.
Lucy morreu na hora e Herbert ficou paraplégico. Depois de 44 dias em coma ele acordou, mas com perda considerável da memória. Orientados pelos médicos, seus familiares levaram muito tempo para contar para ele que a esposa perdera a vida. A recuperação foi muito lenta, com uma série de cirurgias e muita fisioterapia. Mas ele conseguiu depois inclusive voltar à ativa com os Paralamas. E costuma contar que tocar e cantar certas músicas foi fator primordial para a reorganização das memórias e retomada de uma vida normal e produtiva.
Há quem afirme que, quando finalmente soube da morte dela, ele teria composto uma segunda música em homenagem à amada. Essa versão diz que assim nascera a bela Aonde quer que eu vá. Quem sabe da história do casal percebe mesmo uma imensa saudade em versos como “Olhos fechados/ pra te encontrar/ Não estou do seu lado/ mas posso sonhar”. O que fica depois escancarado em “Longe daqui, longe de tudo/ Meus sonhos vão te buscar/ Volta pra mim, vem pro meu mundo/ Eu sempre vou te esperar”. Entretanto, essa canção está no álbum do ano 2000, com a segunda coletânea da banda, sendo a única inédita naquela obra. Ou seja, mesmo repleta deste sentimento de perda, numa coincidência inexplicável, ela é anterior ao acidente fatal.
Herbert moveu uma ação indenizatória contra a empresa fabricante da aeronave que pilotava, afirmando que havia uma falha de fabricação. Perícia feita pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) confirmou o que ele dizia, uma vez que o material usado na cauda sofria degradação em temperaturas elevadas. Com isso, foi indenizado. Entretanto, valor algum poderia compensar a perda de Lucy.
20.04.2025
P.S.: Sobre os três filhos de Lucy e Herbert: Luca, o mais velho, é formado em edição de vídeos pela PUC/RJ; Hope, a do meio, é designer de moda e comanda marca de roupas com a amiga Natália Rangel; e Phoebe, a mais jovem, é assídua no TikTok, onde posta sobre viagens e maquiagens, além de homenagens ao pai.
(*) A música resultante da parceria entre Carlinhos Brown e Herbert Vianna é Uma brasileira.
Você gosta de política, comportamento, música, esporte, cultura, literatura, cinema e outros temas importantes do momento? Se identifica com os meus textos? Se você acha que há conteúdo inspirador naquilo que escrevo, considere apoiar o que eu faço. Contribua por meio do PIX virtualidades.blog@gmail.com ou fazendo uso do formulário abaixo:
FORMULÁRIO PARA DOAÇÕES
Selecione sua opção, com a periodicidade (acima) e algum dos quatro botões de valores (abaixo). Depois, confirme no botão inferior, que assumirá a cor verde.
Faça uma doação mensal
Faça uma doação anual
Escolha um valor
Ou insira uma quantia personalizada
Agradecemos sua contribuição.
Agradecemos sua contribuição.
Agradecemos sua contribuição.
Faça uma doaçãoDoar mensalmenteDoar anualmente
O bônus de hoje é um clipe de apresentação ao vivo do Paralamas do Sucesso, com Herbert Vianna cantando Aonde quer que eu vá.