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UMA AVALIAÇÃO QUE PRECISA SER FEITA

É bastante provável que a densidade de sociólogos e cientistas políticos dentro das hostes dos partidos de esquerda, em especial no PT, seja muito semelhante se comparada com a da população de Macau (*), onde se encontram 22.110 habitantes por quilômetro quadrado. E eles todos se dedicam a produzir meritórias teses e infinitos artigos com os quais defendem pontos de vista e discutem formas de se conduzir a sociedade para um caminho mais justo e igualitário. Mesmo assim – e eu gostaria muito de saber a razão – não se tem conseguido colocar em prática sugestões que tenham sido apresentadas. Talvez nem mesmo elas estejam servindo para que se chegue a concordâncias sobre determinados fenômenos que, uma vez compreendidos, poderiam ser fundamentais para essa evolução tão desejada por todos.

Um bom exemplo disso está na questão da crescente abstenção que tem sido verificada nas eleições municipais de Porto Alegre. Considerando os últimos vinte anos, ou seis pleitos seguidos, pode ser constatado algo de fato surpreendente. Em 2004 foi de 13,63%; em 2008 subiu para 16,35%; mais quatro anos, em 2012, já estava em 18,55%; em 2016 atingiu nada menos do que 22,51%; a subida foi ainda mais expressiva em 2020, com 33,08%. E agora, em 2024, foi tão elevado o número daqueles que não compareceram que superou a votação recebida pelo candidato primeiro colocado no turno: Sebastião Melo recebeu 345.420 e as abstenções somaram 345.544, com uma diferença de 124. Cada vez mais eleitores parecem preferir se ausentar, não se importando em não marcar presença no processo de escolha de representantes. 

Evidente que neste número há aqueles que de fato não têm como estar presente, por muitas razões distintas. Desde questões de saúde ou de trabalho, viagens para fora do domicílio, questões climáticas severas ou mesmo falta de condições de transporte. Tudo isso pode ter acontecido nesses anos todos, em maior ou menor grau. Mas, parece evidente que a causa maior deva ser outra. E claro que este tema já ocupou muitos dos profissionais que citei na abertura. O que deve estar faltando, então, não é trabalho de análise. É se não um consenso ao menos alternativas viáveis propostas para enfrentamento do problema. Ou incapacidade de convencer os que poderiam fazer algo nesse sentido. Talvez ainda haja uma falha na transmissão das teorias no rumo de aplicações práticas.

Quem tem perdido mais com a ausência destes eleitores? Isso também seria muito importante levantar com precisão, usando dados científicos, confiáveis. Mesmo parecendo que são mesmo as esquerdas que sofrem mais com o fenômeno, isso precisa ser comprovado. Até para que um provável remédio seja como um antibiótico específico e não genérico, de amplo espectro. Se essa é de certa forma uma doença da democracia, ela precisa ser tratada antes que vitime de vez o paciente.

Parece bastante óbvio que isso não deve estar acontecendo apenas em Porto Alegre. Em maior ou menor grau é bastante provável que o cenário se repita em muitos outros municípios pelo país, o que não nos isenta da necessidade de compreensão e combate. Porque talvez isso tenha uma importância inimaginável para que seja detido o sistema que, em âmbito nacional, derrubou Dilma, prendeu Lula e destampou bueiros de onde eclodiram figuras como Bolsonaro, Marçal e milhares de outros. E que, em nível local, está quase reconduzindo ao poder alguém envolvido e muito responsável com a divisão da cidade em duas: uma que mima os mais ricos e outra que escandalosamente abandona a sua população mais pobre – que, mesmo assim, vota nele.

Estamos a exatas duas semanas do segundo turno das eleições. Não há como evitar que isso venha a acontecer novamente, também por falta de tempo. Mas, reafirmo com convicção: uma avaliação profunda e urgente precisa ser feita. E, mais do que isso, necessitamos que mentes e braços trabalhem juntos. Ou, antes do que se possa imaginar, será proibido pensar e, quem sabe, algemas imobilizem vontades.

13.10.2024

(*) Macau se trata de uma região autônoma localizada na costa sul da China continental, que está separada de Hong Kong pelo delta do Rio das Pérolas. O local tem a maior densidade demográfica do mundo. Em se tratando de um país, o mais denso é Mônaco, com 18.865 habitantes por quilômetro quadrado.

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