UM COMENTÁRIO QUE NEGA A CIÊNCIA

Certa ocasião, enquanto ainda era apenas um jogador de futebol em atividade – um dos melhores na época –, o hoje senador eleito pelo PL do Rio de Janeiro, Romário de Sousa Faria (ou simplesmente Romário), disse que Pelé calado era um poeta. Foi em 2005, quando ele atuava pelo Vasco da Gama e não gostou de uma opinião externada pelo Rei do Futebol. Se o baixinho agora não fosse um bolsonarista, talvez pudesse dizer o mesmo, mas para outra pessoa. Me refiro ao meteorologista Luiz Carlos Molion.

Este cidadão, que muitos afirmam ter estreita ligação com organizações do agronegócio, tem se revelado um grande porta-voz do negacionismo. E conseguiu a proeza de, no último dia 4 de setembro, afirmar que o El Niño não passava de um incrível alarmismo promovido pela imprensa. Foi ao ser ouvido no Senado, onde foi depor na CPMI que investiga Organizações Não-Governamentais que atuam na Amazônia. Na mesma oportunidade também foi categórico ao dizer que não haveria de modo algum excesso de água em precipitações do Rio Grande do Sul (veja o vídeo que está abaixo, junto aos bônus). No dia seguinte ocorreu a mais devastadora enchente que se tem notícia no Estado, com um volume de chuvas sem precedentes.

Em Roca Sales, por exemplo, em apenas 11 horas o nível do Rio Taquari subiu de 8m96cm para 22m37cm. Em Lajeado chegou a 29m45cm. Já Muçum teve 80% da cidade submersa e muitas pessoas precisaram esperar por um socorro improvável naqueles primeiros momentos, ficando horas sobre o telhado de casas que tinham dois pavimentos embaixo d’água. Molion, enquanto isso, não se sabe se continuava em Brasília ou estava retornando para sua Maceió, onde é professor na Universidade Federal de Alagoas. Ele recebe um bom salário, pago com dinheiro público, sendo esperado que ofereça como contrapartida sua contribuição na formação de gerações que entendam e façam uso correto da ciência. Mas, não é esse de modo algum o papel que ele está desempenhando.

Baseado em absurdos, como essa opinião absolutamente desproposital, emitida no momento mais inapropriado possível – o que pelo menos serviu para desmascarar o “professor” e sua trupe –, que o governador gaúcho, Eduardo Leite (PSDB), se sentiu confortável para mentir em entrevista que concedeu à televisão. O primeiro mandatário do Estado disse que ele e sua equipe foram “pegos de surpresa”, uma vez que não existiu nenhum aviso prévio sobre os riscos. Isso inclusive gerou um bate-boca entre ele e o jornalista André Trigueiro, no programa Em Pauta, da Globo News.

O profissional de imprensa, que é conhecido e respeitado como um dos que mais entendem de meio-ambiente em nosso país, não aceitou passivamente a explicação de Leite. E afirmou que essa desculpa se ouvia seguidamente, a do desconhecimento, a da surpresa diante de fatos que na verdade são sim previsíveis. A resposta do governador foi de que “faltava empatia” por parte de Trigueiro. Como se essa fosse a função de um jornalista em relação a quaisquer entrevistados, ao invés de buscar informações para atender seu público.

A plataforma Metsul, uma empresa de serviços meteorológicos, divulgou depois uma nota garantindo ser improcedente as alegações de Leite. E que havia sim alertado sobre os riscos. Segundo o texto, informaram com a devida antecedência que existiam modelos matemáticos prevendo chuvas muito intensas. Em 31 de agosto, cinco dias antes da catástrofe, divulgaram alerta informando que setembro iria começar com chuva extrema, onda de tempestades e com certeza enchentes. Acentuaram ainda que a projeção era entre 300 e 500 mm na metade norte do Estado. Depois, 72 horas antes, repetiram o alerta em nota que reforçava o mínimo de 300 milímetros e um cenário sem precedentes, sendo que a situação iria fugir ao convencional. Que os acumulados de precipitação sobre algumas cidades gaúchas poderiam atingir praticamente a média histórica de chuvas de toda a primavera.

Outro relato, esse posterior aos problemas verificados, foi a recuperação de notícia antiga, publicada na Zero Hora ainda em 2016. O jornal trouxe reportagem sobre relatos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e da Fundação SOS Mata Atlântica, sobre os remanescentes florestais e seus ecossistemas nos 3.429 municípios que abrangiam o mapa de aplicação da Lei da Mata Atlântica. E Muçum liderava a lista entre os gaúchos que mais eliminaram mata natural. Ou seja, talvez uma parte das pessoas que estão agora sofrendo com esse desastre, que é lamentável sob todos os aspectos, estejam enfrentando isso pela soma de fatores que provocaram uma grande quantidade de chuva em pouquíssimo tempo, mas também pelas decisões que alguns tomaram no passado. Que tudo ao menos sirva de aprendizado.

11.09.2023

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O bônus de hoje é múltiplo. Temos o trecho da manifestação do negacionista Luiz Carlos Molion, na qual diz que a enchente não ocorreria. Depois vem a música As Forças da Natureza, um samba de autoria de João Nogueira e Paulo César Pinheiro, aqui na voz de Tereza Cristina. E fechamos com O Sal da Terra, de Ronaldo Bastos e Beto Guedes, com este segundo autor e a banda Jota Quest.

O negacionista Luiz Carlos Molion afirmou, na véspera da enchente, que não havia possibilidade dela acontecer
(Uma gentil edição do colega jornalista Babiton Leão)

ACORDARAM A XUXA

A bela andava adormecida. Ou ao menos estava sonolenta, longe dos holofotes que mais dão destaque: aqueles da Rede Globo de Televisão. Nos últimos dias, no entanto, ao retornar para sua antiga casa, virou verdadeiro arroz de festa (*). Esteve presente em diversos programas, seja como entrevistada, convidada ou atração. Circulou pelo Domingão com Hulk; no Mais Você, da Ana Maria Braga; no Altas Horas, de Serginho Groisman; no Que História é Essa, Porchat?; no Fantástico e até mesmo no Papo de Segunda, atração do canal GNT. Deram um jeito inclusive de recuperar velhos vídeos com ela no Criança Esperança, onde também teve participação no deste ano. E uma apresentação junto com Angélica e Eliana, antigas “concorrentes”, foi chave de ouro. Se estivéssemos na época do Big Brother Brasil, que ocorre sempre no começo do ano, não duvidem que seria vista visitando a casa. Ela ganhou até mesmo um documentário, que recupera sua trajetória mostrando ser ela um dos cases mais bem sucedidos da história da TV brasileira. Falo de Maria da Graça Meneghel, a Xuxa.

Gaúcha de Santa Rosa, há quem diga que saiu da sua cidade natal em uma quinta-feira e começou a falar chiado no Rio de Janeiro na segunda seguinte. Maldades à parte, iniciou como modelo ainda aos 16 anos, em desfiles e fotos publicitárias. Sua primeira capa foi para a revista Carinho, da Bloch Editores. Em 1983 iniciou na televisão, no Clube da Criança, criado por Maurício Sherman na extinta Rede Manchete. Ficou por lá até 1986, quando se transferiu para a Globo, onde de fato explodiu em termos de popularidade e audiência. Foram vários os programas que então protagonizou: Xou da Xuxa, Xuxa Park, Planeta Xuxa e alguns outros. Seu nome sempre no título da atração.

Graças ao trabalho da empresária Marlene Mattos, virou uma máquina de produzir dinheiro. Muitos discos, alguns filmes, linhas de cosméticos e de roupas, material escolar e brinquedos com sua imagem, tudo rendia uma fortuna. Mais tarde se transferiu para a Rede Record, onde não mais teve o sucesso anterior, mas seguia conhecida. Inclusive no exterior tentou fazer carreira, claro que sem a repercussão alcançada aqui em terras tupiniquins.

Em um país onde temos tantos reis e rainhas assim denominados pelos interesses do mercado – Pelé, Roberto Carlos, Marta, Hortência e Rita Lee, por exemplo – por que não uma Rainha dos Baixinhos? Foi a este posto ela alçada, quando ocupava o horário matinal da programação global e arregimentava milhões de crianças, que a seguiam como os ratos de Hamelin iam atrás do flautista. Naquele período contribuiu para encher muitos cofres, em especial os da emissora e dela própria, mas também de vários daqueles empresários que embarcaram juntos na empreitada.

Seus programas tinham relativa qualidade, mas nunca se livraram de alguns escorregões que, hoje em dia, seriam muito mais evidentes. Era constrangedor ver todas as manhãs ela conclamar as crianças que assistiam para se alimentarem bem na refeição matinal. Fazia isso diante de uma mesa com vários tipos de pães, frutas, cereais, leite, sucos e bolos, esquecendo que uma gigantesca parte entre aquelas que estavam vendo aquilo tinham no máximo um café preto e um pão dormido para consumir. Outra coisa é que suas Paquitas, as assistentes de palco que sempre a acompanhavam, eram todas loiras. Nunca houve sequer uma que tivesse cabelo escuro, mesmo que conservasse a pele clara. Negras jamais, nem em sonho.

O documentário que citei fizeram também para exorcizar algumas dessas agora indesejadas lembranças. E nele coube transformar a sua antiga empresária Marlene Mattos, outrora fundamental no sucesso de Xuxa, em uma bruxa malvada. Alguém precisava levar a culpa, deixando o papel de boazinha para a outra vez eterna Rainha dos Baixinhos. Esta afirmou em entrevista recente que nunca soubera que quando escolhiam por outros atributos uma Paquita não loura, essa era obrigada a pintar os cabelos. Mas, se esqueceu de um antigo comercial que fizera, que desmente essa sua conveniente versão de agora (veja ele no final desta crônica, nos bônus). Marlene foi também acusada pela antiga amiga de filtrar até mesmo seus possíveis namorados.

Alguns anos e procedimentos estéticos depois, eis que ela surge de volta à televisão que a projetou. Agora sessentona e sem mais chances de animar apenas auditórios infantis, até porque as crianças de hoje em dia são um tanto diferentes daquelas da sua época, se tornou necessário trabalhar a sua imagem. Para que possa ser aproveitada em outra gama de programas. Uma nova Xuxa precisaria brotar dos escombros, para ainda render o dim-dim que agrada tanto ao plim-plim. E é esse renascimento que todos estamos presenciando agora. Como Lázaro, ela está sendo despertada outra vez para a vida. Mas, esse milagre deve ser atribuído não a Jesus e sim ao “Deus Mercado”.

12.08.2023

(*) No Brasil essa expressão, “arroz de festa”, costuma ser empregada para designar pessoa que faz o possível para estar presente em todos os eventos comemorativos que consegue.

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No bônus de hoje temos primeiro um vídeo (a qualidade não é boa) de um velho comercial de televisão, estrelado por Xuxa. Depois é a vez de Pedro Iaco, com a música Fada Madrinha.