TUDO VAI DAR CERTO

O roteiro e a direção são assinados por Woody Allen, o que já dá o tom de como e onde a história deve se desenrolar. Claro que em Nova York, onde um homem de idade avançada e mal humorado se envolve em um improvável relacionamento. Ele é um enxadrista aposentado e hipocondríaco, que vive só e se depara um dia com uma jovem na sua porta, pedindo algo para comer e um lugar para passar a noite. Ela é uma interiorana vinda do Sul, recém chegada na metrópole completamente sem noção de nada. A noite se transforma em uma semana e se transfigura, ao longo e depois disso, em uma relação absurdamente pitoresca. Estou falando de Whatever Works, que foi lançado no Brasil ainda em 2010 com o título de Tudo Pode Dar Certo e agora anda por aí, extraviado em streamings e sites especializados.

No elenco estão Larry David e Evan Rachel Wood, nos papéis principais de Boris e Melodie. Quando a história do casal vai tomando o rumo da intimidade, a mãe da garota chega repentinamente. A mulher se coloca contra a escolha da filha e começa a buscar um parceiro substituto para ela. Depois chega o pai da moça, o que complica ainda muito mais os acontecimentos. Entretanto, são esses dois novos personagens que a partir do que encontram sofrem as maiores consequências e vão aos poucos percorrendo uma jornada de autoconhecimento.

Esse filme marcou o reencontro de Allen com sua cidade, uma vez que antes de rodar Tudo Pode Dar Certo ele esteve por um bom tempo na Europa – cinco anos para ser exato –, período no qual dirigiu outros quatro longas-metragens. Segundo seu relato, o roteiro era ainda do início da década de 1970, quando ele havia preparado tendo em mente Zero Mostel para viver o papel de Bóris. Ele era seu amigo e ambos já haviam contracenado em The Front, uma comédia dramática de 1976, dirigida por Martin Ritt. No Brasil o filme recebeu o nome de Testa de Ferro Por Acaso, seguindo a ilogicidade reinante no setor. Só que aquele autor faleceu em 1977 e a ideia foi arquivada por 30 anos.

O roteirista e diretor confessou que quase nada foi mudado do roteiro original. Segundo ele, as alterações mais significativas giraram apenas em torno das referências sociais e políticas que estavam datadas. Agora, como é característica dos trabalhos de Woody Allen, os diálogos são ágeis e não raras vezes cortantes. Um recurso que busca demonstrar comportamentos do personagem e, ao mesmo tempo, chamar a atenção para os de quem assiste. No caso deste trabalho, a crítica ficou dividida. Houve quem dissesse que ele não acrescentou nada de especial para a carreira do Allen, mas também tivemos quem afirmasse que ele com toda a certeza agradaria quem conhece e admira o seu estilo.

De qualquer forma, estamos diante de um relacionamento entre pessoas não apenas de idades como de mundos diferentes. São contrastes que se somam, desde a idade e a formação pessoal, passando por alguém que é tipicamente fruto de um grande centro, enquanto a outra pessoa tem horizontes quase suburbanos. Uma demonstração de que é mais do que correta a frase do filósofo francês Blaise Pascal (1623-1662): o coração tem razões que a própria razão desconhece. Indicação feita, espero que você me dê razão por afirmar que vale a pena ficar diante da tela por uma hora e meia. Se trata de diversão leve, com proposta de que se tenha uma visão mais generosa quanto à diversidade maravilhosa dos seres humanos.

10.12.2023

Larry David (Boris) e Evan Rachel Wood (Melodie)

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O bônus de hoje oferece primeiro o trailer legendado do filme em questão e depois uma das músicas que fazem parte de sua trilha sonora: Salty Bubble, de Tom Sharpsteen e His Orlando. 

O INEXPLICÁVEL ÓDIO A ÁRVORES

Uma árvore de mais de 200 anos, localizada no Parque Nacional de Northumberland, no norte da Inglaterra, foi simplesmente abatida, na noite de 28 de agosto, por um jovem de 16 anos. Ela não apenas era bastante antiga, como também famosa. Isso porque foi cenário de vários filmes de sucesso, aparecendo por exemplo em cena de Robin Hood: Príncipe dos Ladrões, filmado em 1991, com Kevin Costner. Além disso, estava localizada junto da histórica Muralha de Adriano, listada como Patrimônio Mundial da Unesco, ela que foi construída cerca de 1.900 anos atrás, com o objetivo de proteger a fronteira noroeste do Império Romano. Milhares de turistas visitam o local todos os anos, com uma fotografia tirada junto à árvore sendo verdadeiro clássico. Conhecida como Sycamore Gap, ela era icônica e considerada como a mais importante de todo o Reino Unido. Isso até o adolescente cometer esse deliberado e inexplicável ato de vandalismo. Tivesse isso ocorrido no Brasil, no ano passado, o jovem teria grande chance de obter estágio no Ministério do Meio Ambiente, talvez como assessor do então ministro e hoje deputado federal, Ricardo Sales, ao invés de ser preso.

Mas, se você considera este ato insano, tenho pelo menos mais um para te contar. Por absurdo que possa parecer, uma sequoia gigante, que também tivera um nome atribuído para si, foi cortada exatamente porque pouca gente acreditava que ela existisse. Mark Twain tinha, segundo as estimativas, pelo menos 1.350 anos de idade, tendo chegado à altura de impressionantes mais de cem metros, com uma circunferência de 27 metros e mais de oito metros de diâmetro. Fincara suas raízes num local onde bem depois do início de sua vida foi delimitado o Parque Nacional Kings Canyon, na Serra Nevada, Califórnia, oeste dos EUA. O batismo, como já devem estar desconfiando quem conhece um pouco da literatura norte-americana, foi para ser feita uma homenagem ao humorista e escritor assim chamado.

Em época na qual as comunicações não tinham a instantaneidade de hoje, sua existência era quase como uma lenda. Como muitas pessoas duvidavam dos relatos, a derrubada se deu em 1891, apenas para que seções do seu tronco pudessem ser depois exibidas em museus de história natural, existentes em Nova York e Londres. Ou seja, porque não acreditavam que ela fosse real, a solução encontrada foi matá-la para provar que estava viva. É preciso dizer que naquele momento a exploração de madeira era intensa, mas ela sozinha continha mais matéria prima do que um hectare inteiro de pinheiros de bom porte. Como não havia maquinário tão eficiente quanto os da atualidade, seu corte demorou 13 dias inteiros e intensos para ser concluído.

Agora, este desrespeito com as árvores, um dos maiores símbolos da generosidade da natureza, por aqui consegue ser ainda maior. Basta ver o que tem sido feito com a Amazônia, a maior floresta tropical de todo o mundo. E isso acontece com outros biomas também, como a Mata Atlântica. O desmatamento é implacável, de tal forma que se informa e comemora não o seu término, mas a queda na sua intensidade. Quando o noticiário fala do fato, na televisão, anuncia que houve “redução” de tanto por cento. Ou seja, que estamos matando mais lentamente e não zerando o crime ambiental.

Em Porto Alegre, o prefeito Sebastião Melo (MDB) concedeu o Parque da Harmonia esse ano, para a iniciativa privada. A empresa Gam3 Parks, que ficará com ele pelos próximos 35 anos, recebeu uma “autorização informal” – isso não foi documentado, não houve termos de condições devidamente assinado – para derrubar nada menos do que 435 árvores. Pouco adiantou a reação popular contra o fato, pois quando ela veio as árvores já estavam abatidas.

Em termos de Estado, o ex-governador José Ivo Sartori (MDB) tentou fortemente entregar também o Jardim Botânico. Foi em 2017, quando ele extinguiu a Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, entre outras fundações, demitindo os servidores. Também se empenhou muito para que fosse firmado um “acordo” com uma grande empresa da construção civil, que pretendia derrubar parte da cobertura vegetal, nos quatro cantos do parque, para erguer quatro prédios. Ou seja, o “miolo” do parque seria preservado e transformado num jardim privado daquelas pessoas, na certa bastante privilegiadas financeiramente, que adquirissem unidades nas construções. Felizmente a Justiça acolheu pedido do Ministério Público Estadual e manteve a área intocada, como um museu vivo e de patrimônio público inalienável e indivisível.

O grande crime das nossas amigas árvores parece ser o do fornecimento de oxigênio, sombra, frutos e tantos outros produtos. Talvez também o de embelezar as nossas vidas, além de garanti-las.

11.10.2023

P.S.: Hoje teremos mais uma vez aqui no blog a sessão anexa, logo após as chamadas para doações e antes do bônus. São duas pequenas propostas de reflexão.

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O tronco da sequoia abatida
A árvore era gigantesca

ALGUMAS COISAS PARA SE PENSAR (06)

  1. A professora Ana Paula Giocondo, que leciona história no Colégio Cívico Militar Marquês de Caravelas, na cidade paranaense de Arapongas, fez um trabalho com seus alunos exaltando o nazismo. Expos a figura de Hitler na escola e fez com que os pequenos representassem o papel de soldados alemães. Depois, os levou para entrevistar a filha de um nazista que reside por lá. Isso está nas redes sociais e recebeu curtida do Núcleo Regional de Educação de Apucarana. É isso que nós queremos para nossos filhos? É essa a “escola sem partido” defendida pela direita?
  2. Para quem não sabe, os metrôs de Nova York, Barcelona, Paris, Londres, Berlim, Madrid, Amsterdam, Munique, Bruxelas e Istambul são TODOS estatais. Por sua vez, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), afirma que o melhor modelo é o privado e quer vender o existente na capital paulista. Prometo que ainda irei escrever, aqui no blogue, sobre a expressão “Joãozinho do passo certo”.

O bônus de hoje é o áudio de Saga da Amazônia, de Vital Farias. Esta música está no álbum Cantoria, que foi agravado ao vivo em 1984. Dele participam também Geraldo Azevedo, Elomar e Xangai, todos com uma forte cultura regional brasileira.