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A DESPEDIDA SIMBÓLICA DE FRANCISCO

O Papa Francisco, o primeiro latino-americano entre os 266 da história, “retornou à Casa do Pai” – conforme dito no anúncio oficial da sua morte, pelo Vaticano – às 7h35 minutos da manhã desta segunda-feira. Isso ocorreu no dia seguinte à última de suas aparições públicas, ocorrida de um modo simbolicamente perfeito em um Domingo de Páscoa. Nele, contrariando todas as expectativas recentes, em função de sua delicada condição de saúde, ele não apenas apareceu na sacada da Basílica de São Pedro para acenar e abençoar os milhares de presentes como ainda deu uma volta com o seu “Papamóvel”, ficando o mais próximo possível dos fiéis que estavam ocupando a praça.

Sua voz enfraquecida não impediu que externasse votos de Boa Páscoa a todos, quando ainda na sacada. Depois, passou o microfone para um assistente e mestre de cerimônias, que encarregara de ler o discurso que pessoalmente preparara. Neste texto repetiu algumas de suas maiores preocupações e desejos, reafirmando que “não há paz possível onde não há liberdade religiosa, liberdade de pensamento e expressão”, com uma visão plural que ia muito além do catolicismo em si. Também tratou de outra vez pedir aos líderes políticos que “não cedam à lógica do medo que aprisiona”, mas trabalhem para “quebrar as barreiras que criam divisões”. Ele defendeu mais uma vez o desarmamento e clamou pelo cessar fogo real e definitivo em Gaza, para que acabe de vez aquela “dramática e indigna crise humanitária”. Fez isso repetindo ser preciso a libertação dos reféns, mas também a “ajuda às pessoas que estão famintas e anseiam por um futuro de paz”.

Francisco havia passado quase 40 dias internado no Hospital Gemelli, na capital italiana. Enfrentara um quadro de pneumonia bilateral. Essa doença é uma infecção muito grave: inflama os alvéolos, que se enchem de líquido ou pus, dificultando ao extremo a capacidade respiratória. Suas causas podem ser de origem viral ou bacteriana. Mesmo depois de ter recebido alta, devido à idade – 88 anos completados em 17 de dezembro do ano passado – e também um histórico de ter tido outros problemas pulmonares, inspirava muitos cuidados.

Ainda quando um adulto jovem, tivera pleurisia, uma inflamação das membranas que revestem os pulmões. Isso o tornou mais vulnerável a resfriados e gripes, que eram episódios frequentes. Em março de 2023 ele chegou a ser internado por causa disso. Naquele mesmo ano fez cirurgia para tratar laparocele, que é uma hérnia. E antes, em 2021, teve removido parte do cólon em função de uma diverticulite. Não bastasse isso, sofria de artrose nos joelhos e tinha dores ciáticas. Todos esses reveses valorizam ainda mais seu esforço constante em cumprir os compromissos com a igreja e, acima de tudo, com as pessoas. Ele tinha exata noção do que sua figura representava, jamais tendo fugido das implicações políticas disso resultante.

Ele nunca centrou suas preocupações apenas em relação aos católicos. Via a humanidade como um todo indissociável e defendia os direitos de quem professava outras ou nenhuma fé. Não por acaso foi o primeiro pontífice a visitar a Península Arábica, em 2019. O objetivo da visita foi promover o diálogo inter-religioso e reforçar a convivência pacífica entre cristãos e muçulmanos. Chegou a celebrar uma missa no Estádio Zayed Sports City, nos Emirados Árabes Unidos, para 180 mil pessoas. Em 2021 foi ao Iraque. E poucas coisas o deixavam mais abalado do que a situação dos migrantes. Não por acaso o seu último contato em termos diplomáticos foi com o vice-presidente dos Estados Unidos, James David Vance. Francisco criticava duramente a política estadunidense de Donald Trump, em relação ao assunto.

Quando o mundo enfrentou o episódio da pandemia de Covid-19, o que determinou a necessidade de isolamento social para que o vírus fosse freado enquanto se aguardava por uma vacina, ele foi um verdadeiro farol de esperança. Em um momento que jamais deveria ser esquecido, fez uma oração solitária, apenas ele no meio da Praça de São Pedro totalmente vazia. Isso foi em 27 de março de 2020 quando, sob chuva, deu a benção Urbi et Orbi (*), de modo extraordinário. Imagem que, com absoluta justiça, impactou o planeta. Também durante este período, escreveu e publicou a encíclica Fratelli Tutti (Todos Somos Irmãos), sobre a fraternidade e a amizade social.

Nascido em Buenos Aires no ano de 1936, registrado com o nome de Jorge Mário Bergoglio, ele se tornou noviço aos 22 anos, iniciando sua formação religiosa. Estudou Humanidades, no Chile, antes de voltar à Argentina e graduar-se em Filosofia. Depois disso, lecionou as disciplinas de literatura e psicologia em colégios jesuítas. Foi ordenado sacerdote em 1968 pelo Arcebispo Ramón José Castellano. Continuou seus estudos em Teologia e fez votos definitivos na Companhia de Jesus, em 1973. No mesmo ano, foi nomeado Provincial dos Jesuítas na Argentina, ocupando o cargo até 1979. Liderou a ordem em momentos difíceis, devido à ditadura militar que assolava seu país.

Depois, foi reitor do Colégio de San José e pároco em San Miguel. Após concluir tese de doutorado na Alemanha, chegou a bispo auxiliar (1992) e arcebispo (1998) de Buenos Aires. Sempre mantinha um estilo de vida simples e próximo aos mais pobres. Costumava usar transporte público e incentivava a presença da igreja na periferia. Tornou-se cardeal em 2001, com o título de San Roberto Bellarmino. No conclave de 2005 ficou em segundo lugar, perdendo a votação para Joseph Ratzinger. Mas, tornou-se Papa da Igreja Católica, Bispo de Roma e Soberano da Cidade do Vaticano em 13 de março de 2013, o primeiro jesuíta a conseguir isso. Adotou então o nome Francisco, em homenagem a São Francisco de Assis.

Sua primeira viagem internacional foi feita ao Brasil. Veio para a Jornada Mundial da Juventude, que ocorreu no Rio de Janeiro. Circulou pela cidade em carro aberto e visitou a comunidade da Varginha, que integra o Complexo de Manguinhos. Depois esteve no Santuário de Aparecida, no interior de São Paulo. E encerrou com uma missa celebrada na Praia de Copacabana, para 3,7 milhões de pessoas, um recorde que ainda não foi e provavelmente jamais seja batido. Popular e bem-humorado, gostava de tango e de futebol, sendo torcedor e sócio do Club Atlético San Lorenzo de Almagro.

No seu pontificado promoveu reformas na Cúria Romana, aumentando a transparência financeira. Combateu a corrupção e incentivou o diálogo aberto para problemas polêmicos, como a crise climática – sua encíclica Laudato Si (Louvado Seja Você), em 2015, reforçou a necessidade de um compromisso global para com o meio ambiente – e o papel das mulheres na igreja. Acolheu pessoas divorciadas, homossexuais e outras minorias. Visitou o Canadá e pediu perdão a líderes indígenas pelos abusos cometidos contra eles. E todos os anos visitava prisões para se encontrar com detentos. Fez isso uma última vez, na quinta-feira passada.

Os preparativos para a sua despedida começam ainda hoje. E serão mais simples, uma vez que ele eliminou, por exemplo, a exigência de três caixões. Já está seu corpo depositado em um único, de madeira e zinco, com o qual será sepultado. E isso não se dará, contrariando a tradição, na Basílica de São Pedro. Anunciou antes sua opção pela Basílica de Santa Maria Maggiore, explicando ter forte conexão e devoção pelo local. Ficará exposto ao público não mais em pedestal elevado. E a cerimônia, como de praxe, terá a presença de chefes de Estado e de governo. Ela deve ocorrer entre quatro e seis dias. O conclave, para a escolha do seu sucessor, leva pelo menos mais duas semanas, depois disso. Nos resta torcer que os cardeais consigam escolher, entre eles, alguém que esteja à altura de Francisco, para dar continuidade ao que ele começou e não permitindo o retrocesso e o conservadorismo. Nem os católicos nem ninguém merece isso.

21.04.2025

(*) A Urbi et Orbi (em latim, Cidade e Mundo) é uma bênção solene para conceder indulgência plena. Ou seja, para perdoar todos os pecados.

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O bônus de hoje tem o áudio de Missa da Terra Sem Males, composta por Dom Pedro Casaldáliga, Pedro Guerra e Martin Coplas, na voz de Diana Pequeno. A obra é um hino à esperança e à justiça social, sendo frequentemente utilizada em celebrações religiosas e de cunho social.

Diana Pequeno – Missa da Terra Sem Males