O SERVIÇO SECRETO E A PLANTAÇÃO

O jovem tinha ascendência árabe e morava com seu pai idoso no subúrbio de uma grande cidade dos Estados Unidos. Após o atentado ocorrido contra as Torres Gêmeas, em Nova Iorque, ele se tornou tão suspeito quanto os milhares de outros muçulmanos que viviam honestamente naquele país. E bastou uma denúncia anônima para que parasse na prisão, sem uma acusação formal e disponível enquanto durasse a investigação que na certa não daria em nada. O idoso ficou sozinho e não tinha como fazer a plantação que pretendia no terreno dos fundos da casa, algo que muito ajudaria no seu sustento. Assim, fez ele um desabafo em carta enviada ao filho.

Meu querido. Gostaria muito que você estivesse aqui comigo agora, o que o livraria da humilhação que deve estar passando e também me ajudaria a arar nossa terra para o plantio que eu pretendia. Não tenho forças para fazer isso sozinho, lamentavelmente.

Passado poucos dias chega resposta do rapaz: – Meu pai. Mesmo que pudesse fazer ou se conseguisse alguém para ajudá-lo, peço que de modo algum cave no nosso terreno. Tenho algo importante escondido nele, o que te contarei quando sair da prisão. Não deu sequer uma hora e agentes da CIA e do FBI, além de um contingente enorme de homens do Exército cercassem a casa. Cavaram a terra toda, palmo a palmo, não encontraram nada e foram embora.

Nova carta do filho, uma semana mais tarde, esclarecia tudo: – Meu pai. Espero que as forças de segurança tenham arado bem a terra para que você possa agora plantar batatas e outras hortaliças. E caso precise de mais alguma coisa me avise. Ainda não posso estar junto ao senhor, mas sempre farei o melhor possível para apoiá-lo.

A moral da história é que esses tão destacados serviços de inteligência podem não estar assim tão apropriados dessa qualidade humana – mas não apenas nossa. Acostumados a fazer uso de dados e envolvidos profundamente com questões políticas, eles subestimam a capacidade que as pessoas comuns têm, tanto para o bem quanto para o mal. Uma prova cabal disso é que não conseguem, em que pese o volume absurdo de recursos à disposição, terminar com o que chamam de “terrorismo”. Este, por sua vez, é uma ação violenta que de certa forma é uma filha da guerrilha, tantas vezes utilizada com o aval da oficialidade. Algo que não deveria merecer aplauso, mas que precisa ser entendido nas suas mais profundas razões e raízes.

As guerrilhas surgiram como uma forma de resistência popular contra invasões e regimes opressores, fazendo uso de táticas de combate não convencionais. E qual a razão dessa escolha? Simplesmente porque não haveria como enfrentar o inimigo muito maior em número e armamento, em combates abertos de uma guerra convencional das antigas. O termo vem do idioma espanhol, sendo algo como “guerra pequena”. Isso em virtude de ter sido utilizado pela primeira vez quando da resistência que a Espanha ofereceu à invasão napoleônica no início do Século XX. Se bem que essas “guerras irregulares” já aconteciam muito antes, remontando à antiguidade.

Um tanto hipócrita é a narrativa oficial, uma vez que sendo a ação a favor de quem conta a história essa é retratada como algo positivo, mas se contrária passa a ser posta como um crime hediondo. Exemplos fáceis: os kamikazes japoneses eram heróis no seu país, oferecendo a própria vida para deter inimigos muito mais poderosos. Os estadunidenses não pensavam assim. Quando os jovens da resistência francesa sabotavam o exército invasor, na Segunda Guerra Mundial, eram exemplo para o “mundo livre”. Os alemães não os tinham na mesma conta. Os homens-bomba árabes acreditam piamente que serão recebidos no paraíso por 72 virgens. São assassinos fanáticos segundo os seus inimigos.

Assim, a mesma pessoa pelo mesmo ato ocupa ao mesmo tempo papel de paladino audacioso e de facínora. O “terrorista” se trata de criminoso frio e um patriota em dedicação extrema. Se torna essencial dizer que o homem ser o lobo do homem – que injustiça com o animal –, matando de modo consensual, com recursos admitidos pelas convenções acertadas entre nações, ou fazendo isso à margem desses acordos, se já tivéssemos atingido um mínimo de real humanidade seriam ambas circunstâncias que não poderiam ser de modo algum aceitas. 

As duas situações são algo apenas um pouco mais horroroso do que as também abomináveis prisões arbitrárias, o permitir a morte pela fome, a escravidão propriamente dita ou a indireta, as crenças em supremacia, os estupros sendo arma de guerra, manter a miséria como forma de garantir dominação, a desatenção com a saúde e com a educação das coletividades, o uso da fé e de religiões de forma manipuladora e tantas outras formas de violência evidentes ou não, que naturalizamos. Até que se supere isso tudo haverá tempo para que muitos pais plantem muitas hortas.

17.07.2025

Você gosta de política, comportamento, música, esporte, cultura, literatura, cinema e outros temas importantes do momento? Se identifica com os meus textos? Se você acha que há conteúdo inspirador naquilo que escrevo, considere apoiar o que eu faço. Contribua por meio do PIX virtualidades.blog@gmail.com ou fazendo uso do formulário abaixo:

Uma vez
Mensal
Anualmente

FORMULÁRIO PARA DOAÇÕES

Selecione sua opção, com a periodicidade (acima) e algum dos quatro botões de valores (abaixo). Depois, confirme no botão inferior, que assumirá a cor verde.

Faça uma doação mensal

Faça uma doação anual

Escolha um valor

R$10,00
R$20,00
R$30,00
R$15,00
R$20,00
R$25,00
R$150,00
R$200,00
R$250,00

Ou insira uma quantia personalizada

R$

Agradecemos sua contribuição.

Agradecemos sua contribuição.

Agradecemos sua contribuição.

Faça uma doaçãoDoar mensalmenteDoar anualmente

O bônus de hoje é vídeo com Ney Matogrosso cantando Tem Gente Com Fome, de João Ricardo e Solano Trindade.