O QUE PENSO SOBRE A MORTE DE CHARLIE KIRK

Howard-John Wesley é pastor sênior da Igreja Batista, na cidade de Alexandria, Virgínia. Trata-se de um líder religioso dinâmico, com muito talento na oratória e corajoso em suas opiniões. Com nada menos do que 218 anos de história que tem a igreja onde ele prega, é apenas o oitavo a ocupar essa posição. Sob sua liderança, ela cresceu de cerca de 2.500 membros efetivos para mais de dez mil. Além disso, possui outros 50 mil que são espectadores online mensais, em 80 ministérios ativos, com ênfase nos infantis e de missões.

Na contramão do que fazem os milhares de templos evangélicos pentecostais no Brasil, ele e o que dirige doaram nada menos do que US$ 5,4 milhões para organizações humanitárias. Por tudo isso, registro para ele e aquela igreja todo o meu respeito e reconhecimento. Me parece que compartilhamos a ideia de que a fé precisa se manifestar como algo vivo e acolhedor, exercendo presença forte em questões sociais e não tendo seguidores apenas como fonte de renda, numa espécie de negociação onde o conforto espiritual é entregue mediante pagamento.

Foi esse pastor, por exemplo, que liderou marchas de protesto contra a decisão do grande júri de Nova York, em 2014, que decidira não indiciar um policial daquela cidade por estrangular e matar Eric Gardner, em mais um dos tantos casos de violência gratuita contra negros. O sermão que ele fez, “Quando o Veredito Dói”, foi reconhecido a tal ponto de se tornar assunto de capa da revista Time, que o considerou uma das mais bem feitas pregações de todos os tempos. Este, juntamente com outros dois muito relevantes – “Uma Resposta de Rispa” e “Conte Sua Própria História” – foram arquivados no acervo religioso do Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana, em Washington, DC.

Pois essa semana eu vi e ouvi o que ele disse sobre o caso Charlie Kirk. E, por causa disso, resolvi apresentá-lo a quem por aqui talvez ainda não o conheça. Porque achei oportuno e muito correto o seu ponto de vista. Wesley disse que Kirk não merecia ter sido assassinado, mas que estava de algum modo saturado de ver bandeiras dos EUA a meio-mastro, com o objetivo de chamar a nação para honrar e venerar um homem que era um racista sem remorso (*). Um homem que passou a sua vida inteira na semeadura da divisão e do ódio. Ou seja, não passava pano para um crime absurdo, sem esquecer o contexto, o fato de a vítima dessa vez ser uma indutora da violência que custou sua própria vida.

Na visão do pastor, não se pode exigir que alguém tenha compaixão por outro ser humano que não respeita a vida. O que não significa aplaudir e nem sequer concordar com o seu fim trágico. “Sinto muito, mas não há nenhum ponto da Bíblia ensinando que se deve honrar o mal. E a forma como você morre não redime a maneira como você viveu”, afirmou ele, categórico.

Wesley disse que ouvir pessoas com raiva seletiva era um verdadeiro absurdo. Isso porque muitas outras mortes ocorridas recentemente também mereciam ser lembradas e, entretanto, a elas não haviam dado a mínima. E como exemplo citou o caso da deputada democrata Melissa Hortman e seu marido, que foram baleados dentro de casa, em Minneapolis. Aliás, em outro local do mesmo estado, acrescento eu, o senador John Hoffman e sua mulher também sofreram atentado, sendo ambos baleados várias vezes, só que esses dois sobreviveram. Os dois atentados foram fruto de ações perpetradas pela extrema-direita, a mesma corrente ideológica radical a que Kirk pertencia.

A realidade é que se eu decidisse comemorar a morte de quem pensa diferente de mim estaria me tornando igual a membros desse grupo pelo qual é difícil ter qualquer simpatia. Gente que, por exemplo, se regozijou quando faleceu o neto do presidente Lula, de apenas sete anos de idade. Arthur morreu devido a meningite meningocócica. Não foi um crime, portanto. Mas redes sociais desumanizaram o fato, desrespeitaram a dor alheia e teve gente rindo ao invés de chorar. Não sou nem quero ser assim. Lamento a morte daquele ativista estadunidense, do mesmo modo que discordo do seu lamentável jeito de ser. Ou, como concluiu Wesley o seu sermão e eu outra vez me aproprio: “posso execrar a violência que tirou sua vida, mas não tenho que comemorar como você escolheu viver”.

16.09.2025

(*) Kirk também defendia que mulheres, negros e latinos não deveriam ter direito a voto. E que a venda de armas fosse restrita a homens brancos e heterossexuais.

Howard-John Wesley, pastor sênior da Igreja Batista

O bônus de hoje é a música Ser Diferente é Normal, com Gilberto Gil e sua filha recém-falecida, Preta Gil.