HORA DE PÔR O PÉ NO FREIO
Estamos todos adoecendo e isso não é uma frase solta, sem qualquer comprometimento com a realidade objetiva. Há pesquisas corroborando que doenças psíquicas estão aumentando de modo alarmante. Não se trata de um fenômeno apenas brasileiro, apesar do fato ser extremo e quase epidêmico por aqui. Pesquisas sérias e confiáveis apontam que 26,8% da nossa população tem algum transtorno mental. Isso significa algo em torno de 56 milhões de pessoas. Para se ter uma ideia, em 2024 os atendimentos via SUS para casos de ansiedade cresceram 14,3%. E quase meio milhão de pessoas precisaram se afastar do trabalho devido a problemas psicológicos. Em termos financeiros, isso custou quase R$ 3 bilhões para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o que levou o Ministério do Trabalho a atualizar a norma que define diretrizes sobre saúde nos ambientes corporativos. Desta forma, as empresas podem sofrer multas se adotarem práticas como jornadas exaustivas, metas abusivas, assédio moral e falta de suporte para seus funcionários.
Agora, mesmo sendo o ambiente profissional um dos que mais criam situações que levam ao estresse e a desequilíbrios psíquicos, isso não se trata de uma exclusividade sua. Tão ou mais sério do que ele está a degradação mental causada pelo consumo excessivo de conteúdos que são superficiais, expostos nas redes sociais, por exemplo. E a lógica opressiva da necessidade de consumo como meio de se alcançar tanto sucesso quanto felicidade. Esse último item foi forjado com o discurso publicitário apontando para um valor não utilitário para aquilo que é ofertado, a criação do valor em si. A instituição da lógica absurda da “grife” não como sinônimo de qualidade, mas como símbolo de “status”. Então, se cria uma distância insuperável entre o desejo construído e a sua real possibilidade de realização, devido às limitações financeiras. Como a cenoura amarrada na frente do burro para que ele continue andando, sem perceber que jamais vai alcançá-la.
Por esses e outros vários motivos, temos em geral uma rotina marcada pela pressa, pela urgência, pelo sufoco. O que, por óbvio, só poderia mesmo afetar nossa sanidade. A natureza não é assim: nela tudo tem o seu tempo. As coisas precisam maturar sem pressa, existir em harmonia, acontecer ao seu tempo. E os humanos contemporâneos parece que estão na contramão desta lógica, acelerando quando o melhor seria se arrefecessem um pouco todos os seus ânimos. Mesmo existindo alertas aos montes, apontando alternativas de vida mais saudável.
Hoje existem inclusive movimentos organizados que auxiliam com dicas, orientações e monitoramento, na reversão desta tendência que é insana. Um dos exemplos está em São Paulo, onde foi fundado em 2016. Falo do Instituto Desacelera, criado por Michelle Prazeres. Segundo explica ela, o projeto “é um ecossistema com cerca de cem parceiros, entre pessoas físicas, organizações, empresas e iniciativas já existentes, que juntas promovem a desaceleração”. Ele oferece palestras e cursos, para empresas e também pessoas fora do ambiente corporativo. Isso além de realizar uma série de pesquisas e produzir conhecimento. Interessante é que uma vez por ano se propõe a vivenciar o “Dia da Consciência do Tempo”, em 24 de julho. A data não foi escolhida ao acaso, mas porque 24 são as horas do dia e julho é o sétimo mês do ano, o que remete aos sete dias da semana.
Não existe apenas o instituto citado, com outras organizações também oferecendo alternativas. E até mesmo virtualmente se torna possível encontrar apoio para a busca de mudança – se bem que melhor mesmo é contar com profissionais e estruturas confiáveis, ao invés de dicas anônimas ou nem sempre testadas o suficiente. Agora, é inegável que na maioria das vezes é preciso ter apoio e persistência para mudar hábitos. Para lembrar que a vida não é uma competição permanente, na qual se precisa render mais e mais, desempenhar, vencer, ser o primeiro ou a primeira. O que termina sendo processo equivocadamente perseguido não apenas no trabalho como nos relacionamentos, no nosso tempo de lazer – que é cada vez menor –, na vida social e comunitária. Ter um mínimo de preguiça parece ser o máximo de desleixo, o que não é de modo algum uma verdade.
O sociólogo italiano Domenico De Masi (1938-2023) chegou a criar um conceito revolucionário na época, o de “ócio criativo”, ao publicar um livro com este título, em 1995. Ele defendia que o tempo livre é essencial para que se desenvolva criatividade e para que nos adaptemos às exigências de uma sociedade globalizada. Três décadas se passaram e parece que ao invés de aprendermos a viver como ele sugeria, tudo piorou. Para a sociedade de consumo o ócio é um pecado, jamais um direito. Mas, cá entre nós, este pecado tem o seu valor. Aliás, como a maioria de todos os demais.
19.03.2025

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Faça uma doaçãoDoar mensalmenteDoar anualmenteO bônus de hoje é o áudio de Epitáfio, com os Titãs. A música foi composta por Sérgio Britto e integra o álbum A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana, de 2001. Como foi lançada logo após a morte do guitarrista Marcelo Fromer, que integrava o grupo, ganhou maior relevância e carga emocional.