O TORORÓ E O BOQUIRROTO
Nos últimos dias agora do mês de maio, a justiça do Mato Grosso deu sua decisão sobre um processo envolvendo o cantor sertanejo Leonardo. Em função de denúncia feita pelo Ministério Público Estadual, apuraram ter sido superfaturado um show que ele fez há um ano no município de Gaúcha do Norte, de 8,6 mil habitantes. Terá que devolver R$ 300 mil – bem menos da metade do que havia recebido –, certamente com todas as correções devidas. Mas, esse não foi um caso isolado. São inúmeros os pertencentes ao universo de duplas e cantores desse gênero musical que têm se valido de um expediente escuso para que cheguem nas suas mãos valores irreais e muito acima do que é praticado normalmente no mercado. E o que está por trás disso não é artístico, mas político partidário, ideológico.
O esquema é sempre o mesmo. O prefeito de alguma localidade que é inexpressiva, em termos econômicos, contrata a apresentação e aceita pagar cifras absurdas para alguém que, por uma enorme coincidência, apoiou candidato da direita nas eleições. O dinheiro sai legalmente dos cofres públicos e uma série de remunerações são possíveis. O artista termina pago por aquele seu “apoio informal” dado a um candidato nas eleições anteriores. E pode depois até doar parte disso para outras campanhas ou para qualquer organização suspeita, tudo dentro da lei. O prefeito, além de fazer uma boa média com a população, fica na lista dos parceiros premiados com emendas parlamentares ou com grana vinda do “Orçamento Secreto”. Essa vai para outras rubricas – nunca retorna para a cultura – ou cai no ralo comum para atender outros “interésses”, como pronunciava Brizola. E o apoiado surfa no resultado eleitoral.
O primeiro dos muitos escândalos explodiu em Roraima, antes do pleito de 2022. O cantor Gusttavo Lima foi contratado por R$ 800 mil para se apresentar em São Luiz do Anauá, Somadas as áreas urbanas e rurais, mal passa de oito mil habitantes. O aliado de Caiado e Bolsonaro teve depois um contrato de R$ 1,2 milhão com Conceição do Mato Dentro, nas Minas Gerais, cancelado a tempo devido à repercussão. A maré de azar do mesmo seguiu quando o Tribunal de Justiça da Bahia cancelou show na Festa da Banana de Teolândia – 15 mil habitantes –, onde seu cachê seria de R$ 704 mil. E outro inquérito foi aberto, desta vez em Magé, no Rio de Janeiro, onde os números passariam voando da casa do milhão. O cidadão caiu em lágrimas em uma postagem no Instagram, se dizendo injustiçado.
Aqui estão expostos, como exemplo, vários casos envolvendo Gusttavo Lima. Mas, são muitos os artistas em esquemas semelhantes. Como Wesley Safadão – apelido bem interessante –, que teve cancelado pelo MP de Alagoas show que faria em Viçosa por R$ 600 mil. E, no total, mais de 40 apresentações muito suspeitas andaram sendo alvo desta necessária reação. O que com certeza salvou orçamentos minguados de serem devorados, deixando prioridades reais da população sem atendimento.
Agora, mais bizarro ainda é como isso tudo foi deflagrado. Teve início com o arroubo estúpido do sertanejo Zé Neto, que integra dupla com Cristiano. Para fazer coro com o discurso bolsonarista contra a Lei Rouanet, ele de graça atacou a cantora Anitta. Insinuou que ela fizera uma tatuagem na toba para chamar a atenção e continuar sendo agraciada com dinheiro público, uma inverdade absoluta. Na realidade ela teve apenas uma proposta aprovada, ainda no ano de 2015, mas o valor terminou não sendo sequer captado e prescreveu. Na ocasião em que citou a cantora, em 2022, ele se manifestava bajulando Bolsonaro, que tentava a reeleição e vivia repetindo que a Rouanet era “mamata”.
Ao responder à provocação, Anitta revelou que já havia recebido várias propostas para fazer esses “shows de prefeituras” e recusado todas, uma vez que nunca se envolveria no desvio de recursos públicos. Assim, o tema entrou na pauta de procuradores, que se debruçaram com lupa sobre uma série de situações que se revelaram muito além de suspeitas. Voltando ao parágrafo anterior, a expressão toba refere informalmente a região da bunda, especialmente no Norte e no Nordeste do nosso país. Entretanto, a cantora prefere apelidar essa sua área anatômica de tororó. Deste modo, passamos todos os brasileiros a dever muito tanto a essa conhecida tatuagem “torororística” quanto à “boquirrotice” do Zé Neto.
09.06.2025
P.S.: Boquirroto é aquele que não consegue guardar segredos, que se caracteriza por ser indiscreto de tal forma que prejudica a si mesmo. Um boca-rota, sendo rota aquela que é quebrada, gasta, tola e pouco hábil.

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