Um viúvo bilionário, com 65 anos, se ausenta por algum tempo do clube reservado e exclusivo que frequenta, ao lado de tantos outros como ele, que nem conseguem saber com exatidão quanto vale todo o patrimônio que possuem. Então, retorna um dia de braços dados com uma mulher exuberante, que aparenta não ter mais do que uns 25 anos. E ela se agarra a ele e o beija toda hora, como se fosse o homem mais lindo e charmoso do mundo. Seus amigos ficam sem palavras, mas é evidente que desconfiam de que ela mantém a tal relação por interesse.

Num raro momento em que a mulher não está próxima, o grupo aproveita e pergunta a ele como conseguiu tal namorada, mesmo já adivinhando a resposta. Na verdade, já é minha esposa, ele revela. E o que você fez para convencer ela? Falou da sua fortuna? Não, pois isso ela já deveria saber. O que fiz foi mentir minha idade, conta o homem. Disse então que tinha apenas uns 50?, questiona um dos interlocutores. Não, responde ele. Falei que tinha 90.

Esse é um típico caso no qual a mentira tinha um propósito, não sendo de forma alguma algo inconsequente. Se é que existe alguma que não cause algum efeito. O que se pode dizer é que são vários os seus tipos e que há um indefinido e enorme número de suas motivações. Como uma forma de categorizar, há aquelas que são sociais (ditas para evitar algum constrangimento), as justificadas por empatia (para proteger alguém de algo e não causam mal), convenientes (que alcançam resultados sem que ocorram prejuízos para ninguém), as patológicas (em geral crônicas e sem necessidade de motivo aparente), as criminosas (que permitem alguma vantagem ilegal), as que são por engano mesmo e as meras omissões.

São sociais aquelas quase que inconscientes, como dizer que está tudo bem ao se cumprimentar alguém, mesmo que na verdade não esteja. As por empatia, do tipo dizer que não compareceu a algum evento porque estava doente. Entre as convenientes, jurar para uma criança que ela comer brócolis ou espinafre vai deixá-la muito mais forte. As patológicas são em geral catastróficas para relacionamentos, causando entre outras coisas uma autoestima baixa. Criminosas são as produzidas com intuito de ilegalidade, de logro, de apropriação ou para negar ter feito alguma dessas coisas. Essas foram potencializadas com o surgimento das redes sociais, que as impulsionam e multiplicam seu poder destrutivo. São o logro das mensagens falsas levando a perda financeira dos incautos, as manipulações políticas através das fake news.

Temos ainda a mentira por omissão, que na verdade consiste em uma forma indireta, uma vez que são o ocultar de informações verdadeiras, o que também resulta em engano. Podemos citar ainda a meia verdade, que surge de uma mescla intencional de fatos reais com outros que não o são, o que leva à impressão enganosa. E um caso pode ser acrescido, esse de fundo psicológico, que é a mentira para si mesmo(a). A pessoa se convence, mesmo que de modo inconsciente, de algo que gostaria que fosse verdadeiro. Assim como reafirmar que é feliz no casamento, apesar de não o ser.

A mentira faz parte da vida de imensa maioria das pessoas. Talvez da totalidade. Diria até mesmo que se trata de uma marca humana, uma característica, com manifestações eventuais ou não. E até mesmo podendo ser aceitável, sob determinadas circunstâncias. Mas, minimizar sua existência, buscar sua erradicação, especialmente quando atinge alguém, deve ser uma das nossas buscas evolutivas.

29.10.2025

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O bônus de hoje é a música Pega na Mentira, de Erasmo Carlos.