AS DUAS SARNAS DE BALNEÁRIO CAMBORIÚ
Muitas razões têm feito com que turistas fujam de Balneário Camboriú, em Santa Catarina. Entre essas estão a absurda expansão de prédios demasiado altos na orla, causando o sombreamento da área da praia desde muito cedo todas as tardes; uma areia pegajosa – parecendo as movediças que ameaçam engolir protagonistas em filmes de aventura –, devido à ampliação artificial da área; as condições sanitárias precárias; os preços abusivos de tudo; e uma enorme densidade demográfica de gente sem noção. O balneário, que teve época de glória e glamour nos anos 1970 e 1980 é hoje um arremedo daqueles tempos. Pois agora conseguiu somar a tudo isso uma nova razão para que se evite passar por lá: está enfrentando um surto inacreditável de sarna.
Sarna é o nome mais popular de uma doença infecciosa chamada de escabiose. Seus sintomas principais são uma coceira de fato infernal e o aparecimento de vermelhidão na pele, algo que parece se agravar ainda mais à noite. Quem a provoca é um ácaro minúsculo – o Sarcoptes Scabiei –, sendo ela altamente contagiosa. Assim, é comum que infecte escolas, casas de repouso, famílias inteiras e ambientes de trabalho. O tratamento consiste na aplicação de medicamento tópico, que deve ser posto sobre toda a pele, do pescoço para baixo. Também medicamentos orais podem contribuir para a eliminação dos ácaros e seus ovos.
Mas, justo uma destas formas de tratamento parece estar sendo culpada pelo surto que está atingindo proporções tão elevadas que preocupam e muito as autoridades sanitárias locais. Isso porque, sendo a população uma das mais bolsonaristas de todo o país, o uso indiscriminado e indevido de Ivermectina, a partir de recomendação do ex-presidente Jair Bolsonaro ao garantir que essa medicação seria uma forma precoce de combate ao Coronavírus, fez com que os ácaros se tornassem agora resistentes. Ou seja, a única e verdadeira finalidade daquele remédio não pode mais ser alcançada.
Tomando-se como referência apenas a goiana Vitamedic, uma das principais fabricantes de Ivermectina em nosso país, a partir da publicidade supostamente informal feita por Bolsonaro – é quase impossível comprovar se houve ou não pagamento para isso –, suas vendas pularam de 22,5 milhões de comprimidos em 2019 para 284,6 milhões em 2020, o que significa alta de 1.164%. Considerando os demais laboratórios e o prosseguimento desta insanidade nos anos seguintes, seria fácil prever as consequências. Aliás, essa empresa chegou a ser processada por decisão do Ministério Público Federal, que exigiu na Justiça pagamento de R$ 55 milhões pelo fato acessório dela ter pago pela publicação de páginas inteiras em vários dos principais jornais do Brasil, exaltando a eficiência do “kit-covid”, algo que sempre foi negado pela ciência médica confiável, que é baseada em pesquisas e evidências.
A legislação brasileira proíbe veículos de comunicação voltados ao grande público, como os jornais escolhidos, de anunciarem quaisquer medicamentos de tarja preta ou vermelha. Neste segundo bloco estão tanto a Ivermectina quanto a Hidroxicloroquina, também xodó do mesmo grupo negacionista que pode ter contribuído para que a Covid-19 causasse o dobro de mortes do que deveria ter causado por aqui. Mesmo assim, o governo anterior fez com que a Anvisa arquivasse os processos administrativos que chegaram a ser abertos para investigação.
“A nossa bandeira jamais será vermelha” – cor que está em tantas outras, de “países comunistas” como Estados Unidos, França, Inglaterra, Itália, Portugal, Suíça, Japão, Alemanha e Espanha –, era uma frase repetida feito mantra pela extrema-direita brasileira, apesar de tal troca jamais ter sido proposta ou sequer sugerida por partido algum da esquerda. Mas, nossa pele sim: essa poderá ficar bem vermelha mesmo, graças ao Mito e à Ivermectina. O que agora acontece em Balneário Camboriú, local que ajudou a eleger uma sarna e ganhou outra de presente.
17.06.2024
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