O VERGONHOSO CASO ARACELI
Uma menina de apenas oito anos retorna para casa, depois de mais um dia na escola São Pedro, localizada na Praia do Suá, em Vitória, capital do Espírito Santo. No caminho até o ponto do ônibus que costumava pegar, recebe proposta para dar um passeio. Ingênua, aceita o convite feito por um homem estranho – soube-se mais tarde – e segue com ele. Nunca mais seria vista com vida por seus familiares e colegas. O fato se deu no dia 18 de maio de 1973. Uma grande mobilização seguiu-se a ele, com a polícia e a população buscando prioritariamente achar com vida a criança. A cobertura de imprensa foi grande não apenas naquele Estado como em todo o país. Nos dias nos quais o sumiço persistia, houve uma procissão no Convento da Penha, com pedido de intercessão para que ela fosse localizada. Até mesmo apelos a paranormais foram feitos.
Seis dias mais tarde, no entanto, seu corpo foi encontrado jogado em um matagal, ironicamente existente nas proximidades do Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória (HINSG). O caso ganhou enorme repercussão, também porque os exames realizados pelos médicos-legistas mostraram que ela fora drogada, abusada sexualmente e submetida a sevícias inenarráveis. A criança teve peito, barriga e vagina dilaceradas por uma série de mordidas; seu queixo fora descolado a golpes contundentes; e o rosto desfigurado com o uso de ácido. Estava nua e sem nada seu que pudesse ajudar no reconhecimento imediato.
Entretanto, por motivos que no início não se entendia, as investigações enfrentaram problemas muito estranhos. Algumas negligências primárias passaram a ocorrer, como a não preservação do local onde encontraram o corpo. Para se ter uma ideia, os peritos recolheram os restos mortais e voltaram apenas no dia seguinte, para buscar vestígios que pudessem auxiliar na elucidação. Foi quando encontraram dentes e fragmentos das costelas da menina, que haviam sido deixados para trás. Mesmo assim, com o trabalho de alguns bons policiais, foi possível chegar aos nomes do aliciador e de dois cúmplices. Eram eles Paulo Constanteen Helal, o Paulinho; Dante de Barros Michelini; e seu filho Dante Brito Michelini, o Dantinho.
Com isso, houve esperança da opinião pública no sentido de que todos sofressem punições exemplares. Ledo engano: pertencentes a famílias tradicionais e influentes, ambas com fortes ligações com a ditadura militar ainda em curso, começou todo um processo para esvaziamento do caso. Um dos recursos utilizados foi a constante divulgação de boatos que apontavam para rumos propositalmente equivocados – e foram dezenas deles. Uma espécie de fake news anterior à era das redes sociais sendo já naquela época ferramenta de bandidos adoradores da ditadura.
O julgamento ocorreu apenas em 1980, com Paulinho e Dantinho sendo condenados a 18 anos de reclusão cada um e Dante pegando cinco, por cárcere privado. Mas, a sentença foi anulada logo depois, por causa de um suposto “erro técnico” na dosimetria das penas. Assim, resultaram totalmente inúteis os esforços do Ministério Público. Entretanto, um novo julgamento ocorreu 11 anos mais tarde, quando o magistrado Paulo Nicola Copolillo, em sentença com absurdas mais de 700 páginas, absolveu a todos. Ou seja, nenhum deles jamais pagou por aquilo que fez.
A menina se chamava Araceli Cabrera Crespo. Para a família, não restou nada além da saudade. A única homenagem é que resultou instituído em nosso país o 18 de maio, data do seu desaparecimento, como Dia de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, com a edição da Lei Federal 9.970, no ano 2000. No mais, sobra a vergonha pelo fato de até agora continuarem ocorrendo barbáries como essa, sempre praticadas por “homens de bem”, sem que nossa indignação consiga depurar a sociedade brasileira, extirpando de vez essa espécie de gente.
03.03.2024
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Faça uma doaçãoDoar mensalmenteDoar anualmenteO bônus de hoje começa com Disk Denúncia, com Nina Oliveira e Gabi da Pele Preta. Depois temos a pesada Pedofilia, que está incluída no CD Nheengatu, dos Titãs. Este trabalho é apresentado como uma série de faixas que fazem uma “crônica ácida do Brasil em carne viva, com as angústias e mazelas que estão bem aqui do nosso lado”.