CONVERSAS PRA BOI DORMIR

Mais uma expressão idiomática exposta aqui no blog, essa que dá título para a crônica de hoje. Adoro grande parte delas. Todas são um conjunto de duas ou mais palavras, no idioma que se domina – existem em todos eles –, se caracterizando por não existir como encontrar seu significado apenas considerando o sentido literal de cada termo. Gente normal não conversa com bovinos, evidentemente. Exceto talvez algum agropecuarista um tanto excêntrico, mas esse provavelmente não se enquadrasse nos critérios de conceituação da normalidade. Enfim, o dito refere uma conversa fiada ou mole, como também uma história que nada possui de verdadeira. Isso tem um forte apelo figurativo e cultural, se enquadrando plenamente no contexto popular. Na imprensa então, considerando-se os últimos tempos, não é nada incomum encontrá-las em enorme profusão, menor apenas do que as que pululam nas redes sociais.

Um exemplo bem recente: o competentíssimo serviço secreto de Israel, o Mossad, garante que não percebeu todo o aparato e movimentação dos integrantes do Hamas, no preparo para os ataques com foguetes no dia 7 de outubro. Isso que o grupo está confinado em uma área menor do que a Zona Leste de São Paulo, toda ela cercada com arame farpado e muros, com torres de vigilância ao redor, sensores de movimento e um enorme número de câmeras, além do apoio de satélites dos Estados Unidos. Então, sem ser notado, o grupo treinou durante pelo menos três meses – avaliam em mais de 600 homens – e preparou tratores e escavadeiras para abrir caminho para a invasão. Na minúscula e vigiada Gaza, nada foi notado. Mas, o mesmo serviço secreto conseguiu saber que dois – eu disse dois – homens estariam preparando um atentado a ser perpetrado aqui no Brasil, contra a comunidade judaica, tratando corretamente de avisar nossa Polícia Federal para providências. Algo bem fácil de se entender e muito provável de acontecer, considerada a “índole terrorista” do povo brasileiro e todo nosso histórico de atentados. E constataram isso de lá mesmo, apesar da prodigiosa distância entre Brasília e Tel Aviv, de quase 11 mil quilômetros. O que pode ser coberto em cerca de 13 horas de voo, se ele for direto. Ou seja, um forte cheiro de indevida justificativa para a retenção criminosa, por tanto tempo, de brasileiros junto à fronteira do Egito.

Outro exemplo, esse totalmente local: o discurso adotado quando da privatização da companhia de energia elétrica de São Paulo foi aquele repetitivo de sempre, de que o serviço seria barateado. Ela atende nada menos do que 7,5 milhões de unidades consumidoras, em 24 municípios da região metropolitana, tendo esse fato se dado em 2018. A providência tomada pela empresa desde então foi reduzir em 36% suas equipes, o que garantiu um aumento de 50% no lucro e piorou em muito quaisquer atendimentos. O resultado é que agora, com ventanias atingindo fios, uma parcela enorme da população ficou sem energia por mais de cinco dias. As perdas e prejuízos foram incalculáveis e o empurra-empurra quanto às responsabilidades, previsíveis. A solução proposta foi cobrar dos consumidores uma “contribuição de melhoria”, para que aqueles que agora exploram o serviço usem os recursos para a colocação de redes subterrâneas. E, se esse tanto não for suficiente, dinheiro público também será alcançado para eles. Ou seja: o lucro foi privatizado, enquanto o eventual prejuízo deve ser socializado. Esta a comprovação de que o argumento inicial para desencadear o processo era conversa mole, mesmo que na época defendida por alguns “jornalistas isentos”. Tivemos boi na linha (outra expressão), sendo que essa não é daquelas de transmissão, com torres e tudo mais.

Lembro que o meu irmão Sérgio brincava comigo, numa época na qual ele já era estudante universitário e eu ainda percorria os anos do antigo Curso Primário – foi apenas em 1971 que a estrutura de ensino do país unificou as etapas primária e ginasial em uma única, denominada de Primeiro Grau. Quando algo absurdo estava sendo falado ele referia como “tertúlias flácidas para acalentar bovinos”. De início apenas a última palavra era do meu conhecimento, mas evidente que entendi depois. A frase sequer era dele, mas foi uma lição importante a mais que ele me deu. Aprender a identificar coisas que nos são entregues em um embrulho, muitas vezes com papel de presente, mas que não valem nada daquilo que aparentam. E quem as aceita, acaba sendo a pessoa sim, embrulhada. Não se precisa nem sair de casa para ver o quanto essa prática está em uso. Ai de quem não consegue ver o que existe na informação, além da sua superfície: tende a ser mais um passivo e inocente ruminante.

10.11.2023

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O bônus de hoje é a música de Noel Rosa, Seja Breve. A gravação que se apresenta foi feita por Ivan Lins e MPB4.

QUEM AGREDIU QUEM

Nos primórdios da humanidade, a guerra se estabeleceu como uma necessidade na busca da sobrevivência. Quando um determinado grupo não tinha de onde tirar condições para se manter vivo, precisava recorrer ao único recurso restante, que era tomar o alimento e o abrigo daqueles que os possuíam. Isso, com o passar do tempo e com o conhecimento considerável que hoje acumulamos, não serve mais como justificativa. Grandes potências lutam por algo subjetivo, que é o poder. O “direito” de manter comando, hegemonia. Isso porque, está mais do que provado, o planeta dispõe de recursos suficientes para todos os seus habitantes. Nos falta é a predisposição para a harmonia, a compaixão, a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro. E nos sobra ambição e orgulho.

Agora, uma perguntinha. O que faríamos nós, enquanto brasileiros, se outro país fosse aos poucos tomando nosso território? O que faríamos se não se tivesse acesso a condições razoáveis em termos de liberdade para deslocamentos, para decidir sobre nossa educação, sobre nosso acesso à saúde e sequer houvesse respeito por nossas origens e nossa história? O que faríamos se o tempo todo esse invasor decidisse se podemos ou não morar em certos locais, se nos tirassem de nossas casas e depois as colocassem abaixo, substituindo por outras que seriam suas, a partir de então? Se sequer nos reconhecesse como nação, como povo?

Exatamente isso vem ocorrendo há anos na Palestina. O regime imposto pelo governo israelense, hoje mais do que nunca, de supremacia que vem sendo liderada pela extrema-direita daquele país já foi amplamente caracterizado como de apartheid. Em setembro do ano passado, quando da abertura da Assembleia Geral da ONU, isso foi denunciado mais uma vez. Não era a primeira, não foi a última. E para que não paire qualquer dúvida sobre a legitimidade dessa associação, até mesmo dois antigos primeiros-ministros de Israel, Ehud Barak e Ehud Olmert já haviam alertado que o Estado Judeu se arriscava a se tornar um “Estado com Apartheid”, a não ser que aprendesse a negociar com palestinos. Também o ex-presidente dos EUA, Jimmy Carter, fez análise semelhante e a publicou em seu livro “Palestine: Peace Not Apartheid”.

Além desses exemplos mais do que suficientes, duas respeitáveis ONGs israelenses, Yesh Din e B´Tselem, recorreram igualmente à definição de apartheid. E a oposição ao governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu cresce a cada dia. Todo o contingente democrático daquele país não suporta mais suas posturas, não apenas pelo belicismo como também pelo radicalismo em outras posições que ele defende. No âmbito externo, um relatório da Human Rights Watch (HRW), que foi baseado em investigação de duas décadas de trabalho direto em Israel, como ainda em investigação de dois anos e meio, atestou o sistemático crime contra a humanidade que lá vem sendo praticado. Segundo o Tribunal Penal Internacional, são três os elementos que configuram essa situação: a intenção de um grupo racial em dominar outros, a opressão sistemática e a perpetuação de atos desumanos. Todos acontecem por lá, contra os palestinos.

Por último, temos ainda a recente publicação de relatório da Anistia Internacional. Ele vem assinado pela nova secretária-geral Agnès Callamard, antiga relatora especial da Organização das Nações Unidas sobre execuções extrajudiciais, sumárias e arbitrárias. Seu título é “O apartheid de Israel contra os palestinos: um sistema cruel de dominação e um crime contra a humanidade“. Foi redigido com base em análise de cinco anos daquilo produzido pelo direito civil de Israel, que governa dois milhões de palestinos com nacionalidade israelense, e do direito militar, que governa os restantes quatro milhões de palestinos na Cisjordânia e em Gaza.

Com tudo isso posto, não me venham dizer que se trata de uma visão de esquerda, ou antissemita ou restrita e parcial. Há fundamentação mais do que suficiente, produzida por órgão acima de quaisquer suspeitas, que indicam a necessidade de a comunidade internacional agir. Israel não pode mais ser tolerado como um estado membro da ONU que esteja acima das obrigações do direito internacional. Mesmo que ele e também os EUA sempre se julguem assim. E foi essa omissão sistemática e proposital que terminou indicando aos palestinos a saída armada, que pode ser vista como igualmente absurda, de agora. A violação permanente dos direitos humanos levando à resposta que também viola direitos humanos.

Inacreditável é que o autoproclamado como perfeito sistema de defesa de Israel foi pego com as calças nas mãos. A inteligência local foi no mínimo negligente e incompetente, a tal ponto de não ter percebido que os palestinos armazenavam em seu território uma grande quantidade de foguetes, que foram disparados em ataque maciço. Ele começou ao amanhecer do sábado, 07 de outubro, com disparos feitos de diversos pontos diferentes de Gaza. Em seguida, combatentes palestinos que se infiltraram no território controlado por Israel começaram a causar baixas e fazer reféns. A reação veio, mesmo que desordenada a princípio. Com isso, nas primeiras horas já eram centenas de mortos dos dois lados. O balanço divulgado ao meio-dia de ontem, domingo, confirmava um total de 1.077 vidas perdidas, além de 1.864 feridos, com 326 em estado grave. Considerando o poderio militar israelense e seu histórico de reações muito contundentes, mesmo diante de ataques infinitamente menos letais que o atual, esses números terão crescimento exponencial nos próximos dias.

É a estupidez humana acreditando que se pode resolver tudo com o uso da violência. O Estado de Israel, por determinação expressa de Benjamin Netanyahu, segue oprimindo o povo palestino nos territórios ocupados e também ampliando as colônias que são criadas sem cessar. Isso para que o tempo se encarregue de exterminar aqueles de quem tomaram o território na mão grande. E os palestinos, ao perceberem que suas chances são mínimas, pela via política, partindo para uma tentativa desesperada de resolver pelo recurso das armas. Onde, sejamos muito sinceros, suas chances também serão mínimas.

Agora, não espere ler quaisquer análises que sequer cheguem perto do que está escrito aqui e agora. Nem mesmo uma narrativa que contemple não apenas a “versão oficial” do Ocidente. Não naquela que se convencionou chamar de “grande imprensa”, aqui em nosso país. Isso porque todos os maiores grupos midiáticos, sem exceção, estão comprometidos ou têm dependência econômica séria o suficiente para os impedir de fazer de fato jornalismo. Hoje em dia, mais do que informar, eles trabalham é para formar uma opinião pública que atenda interesses específicos.

09.10.2023

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Vejam na sucessão de mapas o avanço permanente de Israel sobre os territórios pertencentes aos palestinos

O bônus de hoje é a canção Dami Falasteeni (Meu Sangue é Palestino), com Mohammed Assaf.