Em 11 de setembro de 2014, na cidade de Santana do Livramento, na fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai, um incêndio criminoso escancarou o preconceito arraigado que é uma das marcas de parcela significativa da população. A sede do Centro de Tradições Gaúchas Sentinelas do Planalto foi o alvo da intolerância, com as chamas tendo se iniciado por volta da 0h30 e controladas apenas três horas depois, pelo Corpo de Bombeiros. Era uma quinta-feira e a causa foi o fato de estar marcada a celebração de um casamento coletivo no local, no sábado, dia 13. Não que a ação criminosa fosse contra a união civil das pessoas, mas porque aquele ou aqueles que fizeram isso não aceitavam o fato de, entre os casais que confirmaram, existir um de duas mulheres. O relacionamento homoafetivo gerava indignação mais quente do que as chamas que consumiram parte do local.

Ninguém resultou ferido, até pelo horário em que isso aconteceu. Muito significativo é que a combustão forçada iniciou no palco, onde os casais ficariam. Mesmo assim, a juíza diretora do Foro de Livramento, Carine Labres, confirmou que o evento não seria cancelado. Isso resultou em ameaças contra a integridade da magistrada, semelhantes àquelas que em dias anteriores tinham sido feitas contra Sol Rodrigues e Sabriny Benites, as duas mulheres que decidiram aproveitar a oportunidade oferecida pela justiça para oficializar sua união. Conta que havia outro casal em situação semelhante, tendo esse desistido. A consequência foi que a juíza passou a ser protegida pelo efetivo local da Brigada Militar, com isso sendo estendido também para as duas nubentes. No caso da juíza, como as ameaças de morte foram persistentes, durante 45 dias ela precisou ser mantida sob proteção policial.

A repercussão do fato foi enorme. Aliás, um verdadeiro tiro no pé dos preconceituosos, porque algo que poderia ter passado despercebido ganhou holofotes nacionais. Virou notícia, fortaleceu a posição daqueles que se opõem à discriminação. A Secretaria da Justiça e dos Direitos Humanos do Rio Grande do Sul repudiou o fato, ressaltando que é crime a homofobia. Assinaram uma nota a titular da pasta, Juçara Dutra Vieira, e a coordenadora da Diversidade Sexual, Marina Reidel. A Polícia Civil, como não poderia deixar de ser feito, abriu inquérito – que, no entanto, terminou inconclusivo, como convinha para boa parte da comunidade local. O Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) tratou de lavar as mãos, dizendo que não se manifestaria devido ao fato de o CTG não ser mais filiado a ele.

O patrão do Sentinelas do Planalto, mesmo estando obviamente acuado entre as duas correntes, favoráveis e contrárias ao evento, declarou que, se a sede fosse recuperada a tempo, manteria a decisão pela cedência. Gilberto Gisler, conhecido como Xepa, disse que não seria correto se curvar, fosse diante de ameaças ou vitimado pela ação criminosa. Mas, a cerimônia que enfim confirmou a união de Sol e Sabriny terminou sendo feita no fórum da cidade. E foi acompanhada pessoalmente pela então ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Ideli Salvatti, que veio especialmente de Brasília.

A média dos divórcios de casais heterossexuais no Rio Grande do Sul é de quase seis mil por ano, nas duas últimas décadas. E entre os anos de 2021 e 2023 houve um crescimento de 57% neste número. Comparando com outras regiões, só a cidade de São Paulo teve 26,1 mil divórcios em 2022. Naquele ano, considerado o país como um todo, aproximadamente para cada dois casamentos ocorridos se teve uma separação registrada. Entretanto, dez anos passados, as duas santanenses ainda continuam juntas e felizes. Sol inclusive recuperou a guarda de um filho que já possuía. Ele agora está com 17 anos e vive com ambas, em uma família bem constituída.

11.09.2024

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