ELE CAMINHOU PARA A MORTE SORRINDO

Seu nome era Joseph Arridy e ele foi executado no dia 06 de janeiro de 1939, aos 23 anos, depois de ter passado exatos 18 meses e sete dias no corredor da morte. Aliás, um prazo muito menor do que em geral ocorria. Limitado intelectualmente, com um QI avaliado em 46 pontos, ele fora preso após o estupro seguido de assassinado da menina Dorothy Drain, de 15 anos. Ela e sua irmã Barbara Drain, essa de apenas 12, haviam sido atacadas em sua casa na cidade de Puebla, no Colorado (EUA), durante a noite. A segunda, mesmo muito espancada, sobreviveu ao ataque brutal. Joe, como era conhecido, fora encontrado vagando perdido, próximo da estação de trens existente na localidade. Só que isso ocorreu apenas 11 dias depois dos crimes.

Bastante interessado em resolver o caso e prestar contas à comunidade, o xerife George Carroll conduziu o interrogatório do jovem, inicialmente detido apenas pela genérica acusação de “vadiagem”, de tal forma que ele confessasse a autoria. Foi fácil, porque Joe sempre respondia concordando com aquilo que lhe era perguntado, apesar de sua imensa dificuldade em falar sentenças completas. Aliás, ele passara quase toda a sua vida em instituições dedicadas a pessoas com necessidades especiais, tendo fugido de uma delas pouco antes de ser encontrado pela polícia.

Suas informações sobre a cena e o momento do ataque às garotas eram totalmente desencontradas. Mas a polícia insistia em reafirmar sua culpa, apesar de três psiquiatras terem atestado que um homem de intelecto tão baixo não seria capaz de cometer o crime, por de fato sequer ter engenhosidade suficiente para isso. Absurdo é que a sobrevivente disse textualmente que não era ele, que não o reconhecia. E mais: um outro suspeito foi detido e reconhecido pela vítima sobrevivente. Seu nome era Frank Aguilar, um ex-funcionário do pai das meninas, que havia sido demitido dias antes das agressões. Nada foi suficiente para evitar que Joe fosse indiciado, julgado e condenado à morte.

Na cadeia, ganhou um trenzinho de brinquedo, no Natal. Ele sempre tivera um amor incondicional por trens, razão pela qual vagava no local onde foi preso. Costumava manter os braços para fora das grades, para que o seu trem passeasse pelo corredor e entre as celas. Os demais presos gostavam dele, devolvendo o brinquedo cada vez que ele escapava do alcance dos seus braços. Ele estava sempre alegre e sorrindo, sem ter a exata noção do local onde se encontrava e do terrível destino que o aguardava. Mesmo ao ser perguntado, disse não saber o que era uma câmara de gás. Só seria mesmo apresentado para ela nos momentos finais da sua vida.

Quando a data chegou, perguntado sobre a escolha para ser sua última refeição, Joe pediu sorvete. Apenas isso. E se deliciou comendo aquele que lhe foi entregue. Ainda atônito, prestes a ser executado disse apenas “não, Joe. Não morra.” Assim como não foi ouvido o pedido de clemência feito pela sua mãe, esse apelo ingênuo e final também foi inócuo. Mas ele, de qualquer forma, foi para o local mantendo o sorriso de sempre no seu rosto. Havia uma inocente altivez, algo que não tiveram nenhuma de todas as autoridades que examinaram seu caso. A última coisa que fez foi entregar a um colega presidiário o seu brinquedo predileto. Os outros detentos, de dentro de suas celas, aplaudiram o rapaz pela sua suposta coragem, quando caminhava em direção à morte. Na realidade, era a ingenuidade e o total desconhecimento. Mesmo assim, não havia como deixar de reconhecer sua dignidade.

Ele tirou suas meias e calçados, como precisa ser feito nessa hora. Entrou escoltado na câmara de gás. Recebeu ainda um tapinha amistoso de um dos oficiais, que se retirou. A idade mental de Joe não passava de uns seis anos. Morreu tão feliz quanto esse seu entendimento lhe permitia. Algum tempo depois o homem que realmente havia cometido os crimes dos quais Joe foi acusado terminou sendo também executado. O perdão póstumo para ele chegou apenas em 2011, com 72 anos de atraso. Foi concedido pelo então governador Bill Ritter, que reconheceu sua inocência. Se ele chegou a saber dessa decisão, foi em um local onde a justiça merece ser assim chamada. E onde talvez por muito tempo ainda tenham permitido que ele brincasse em paz com trenzinhos, sem qualquer risco ou ameaça.

27.09.2023

P.S.: Hoje teremos outra vez aqui no blog a sessão anexa, logo após as chamadas para doações e antes do bônus. São informações e perguntas propondo algum tipo de reflexão. Siga rolando a tela para baixo.

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Joe (à direita) entrega seu trenzinho para outro prisioneiro, pouco antes da execução

ALGUMAS COISAS PARA SE PENSAR (03)

  1. Um estudo feito em conjunto pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pela Universidade de São Paulo (USP) concluiu que quase 99% dos alimentos ultraprocessados que são comercializados no Brasil têm teores demasiadamente elevados em gorduras, açúcares, sódio e aditivos para realçar o sabor. Foram analisados 10 mil alimentos diferentes, encontrados nas principais redes de supermercados, de biscoitos e bebidas lácteas até pizzas e refeições prontas. Um desastre para a saúde dos consumidores. Quantos desses produtos você costuma colocar em seu carrinho de compras, quando vai ao supermercado?
  2. Mesmo sendo aplicadas gratuitamente em nosso país, através das unidades de saúde de rede pública, a imunização infantil caiu de modo vertiginoso nos últimos anos. O negacionismo fez com que se retrocedesse a níveis de décadas atrás, o que trará muito em breve consequências danosas. Sem os números de 2022, que foram ainda piores, entre 2016 e 2021 são essas as quedas verificadas: BCG de 100 para 68%; rotavírus de 95 para 70%; paralisia infantil de 98 para 69%; e tríplice viral (caxumba, rubéola e sarampo) de 95 para 73%. Vocês acreditam que aqueles que pregam contra as vacinas REALMENTE deixaram de vacinar seus próprios filhos?

O bônus de hoje é a música Minha Sina, de Luizinho Gonzaga. A faixa integra o álbum Terras do Juquery, que serviu como colaboração na luta antimanicomial para a Reforma Psiquiátrica Brasileira.