COMO SE LIVRAR DE UM COMPANHEIRO ABUSIVO

Que fique claro: não sou a favor de nenhuma espécie de violência, muito menos entre duas pessoas que vivem juntas, tendo tomado essa decisão em algum momento de suas vidas no qual acreditaram ser esse o melhor destino possível para os dois. Pessoas normais não começam relação alguma pensando em terminar. Mas, claro que percalços podem afastar um ou ambos do desejo de continuidade. O que é até normal e jamais justifica que se passe a conviver com agressões, não importando serem elas físicas, psicológicas ou meramente verbais. O que, na maioria das vezes que ocorrem, têm as mulheres como vítimas.

Pois, lá na Itália e durante o Século XVII, uma cosmetologista de nome Giulia Tofana também não tolerava que isso acontecesse. Entretanto, ela tinha um hábito pouco recomendável quando se tratava de auxiliar para que tais fatos deixassem de ocorrer. E essa sua interferência em geral era definitiva. Muito hábil e detentora de conhecimento profundo na sua área, teria criado um produto que fazia muito mais do que amenizar imperfeições faciais de suas clientes. Produzia também, sob encomenda, uma tal de “Água-Tofana”, que lentamente envenenava os companheiros de mulheres maltratadas. A substância, que era artesanal e discreta, era vendida disfarçada do que chamava de “Maná de São Nicolau de Mira”. Este era apresentado como sendo um óleo medicinal que gotejaria de forma milagrosa dos ossos do santo.

Totalmente insípido, inodoro e incolor – sem gosto, sem cheiro e sem cor alguma –, razão pela qual o termo água se aplicava com perfeição, as interessadas colocavam algumas gotas na alimentação ou na bebida do seu marido e, depois de alguns dias, ele começava a ter um mal estar que não podiam determinar a causa. Até que passava deste para outro mundo, deixando também de existir o problema da esposa. Era até possível, com relativa precisão, determinar em quanto tempo a morte ocorreria, em função da dosagem administrada. Poderia ser uma semana, um mês ou um ano à frente, o que auxiliava no álibi. Ao final, não deixava traços no corpo da vítima. Algo assim de deixar agentes da CIA, em tempos atuais, loucos de inveja.

Descontada a possibilidade de boa parte dessa história não passar de lenda, consta que Giulia teria fornecido a substância venenosa para centenas de mulheres italianas. Isso teria terminado apenas quando uma delas se acovardou e não concluiu o “serviço”, deixando a sopa que servia ao marido sem o veneno e confessando a intenção. Se há boa dose de verdade nisso tudo, esta foi uma das primeiras assassinas em série de toda a história. A razão para ter tantas clientes talvez residisse no fato dos casamentos em sua imensa maioria serem arranjados, sem quaisquer sentimentos afetivos verdadeiros, condenando mesmo as mulheres mais poderosas e influentes a uma vida de infelicidade. Além disso, a ordem social forçava todas elas à subalternidade, fechadas em mundos restritos onde nem os sonhos mais banais tinham chance de se tornar realidade.

Claro que nem sempre os motivos eram os mesmos. O historiador Mike Dash, por exemplo, relata um fato um pouco distinto. Uma menina de 13 anos, Maria Aldobrandini, que pertencia a um clã poderoso e influente de Roma, tinha se casado com o duque Francesco Cesi, de outra família muito distinta, mas 30 anos mais velho do que ela. O pai do marido era um cientista proeminente e amigo de Galileu, enquanto o tio viria a ser o Papa Inocêncio 11. Inocente não era ela quando, nove anos depois, ao se apaixonar pelo conde Francisco Maria Santinelli acelerou a possível viuvez. O mais interessante é que o líquido foi obtido através do auxílio de um padre chamado Girolamo, pároco da igreja Sant’Agnese in Agone (Santa Inês em Agonia), que fica na Piazza Navona, no centro de Roma.

Agora, considerando o título desta crônica, os tempos atuais e o fato de estarmos no Brasil, minha recomendação passa longe da história e das ações de Giulia Tofana. Mais aconselhável é procurar uma Delegacia da Mulher para registro de ocorrências, confiar no Ministério Público, levar em consideração a existência da Lei Maria da Penha e buscar apoio não só da Justiça como da família e de amizades verdadeiras. Nenhuma mulher deve aceitar companheiro abusivo, mas não é muito inteligente sair de uma prisão doméstica para habitar um presídio.

12.12.2024

P.S.: O compositor Wolfgang Amadeus Mozart faleceu em decorrência de uma enfermidade jamais diagnosticada, em 5 de dezembro de 1791, aos 35 anos de idade. Por muito tempo existiu a suspeita de que tenha sido ele também uma das vítimas da Água-Tofana.

Pintura “Poção do Amor”, de Evelyn De Morgan. Mulher coloca substância no vinho. Bem poderia ser Água-Tofana.

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