LIVROS NÃO LIDOS

Sim, eu tenho livros que comprei e nunca os li inteiros. E esse sempre foi um fato que me incomodava, causava um certo desconforto íntimo, como se eu estivesse traindo ao mesmo tempo as minhas finanças e os escritores, que dedicaram tempo, criatividade e competência para que eles fossem escritos. E isso durou até dias atrás, quando uma pessoa amiga me enviou uma destas tantas mensagens de WhatsApp – que também não leio todas, mas por motivos diferentes – , permitindo que eu tivesse uma nova visão sobre essa minha característica.

Era um texto com comportamento semelhante atribuído a Umberto Eco (1932-2016), o brilhante filósofo, linguista e escritor italiano que foi diretor da Escola Superior de Ciências Humanas, na Universidade de Bolonha. Ele, além de ser o autor de obras como O Nome da Rosa, O Pêndulo de Foucault e O Fascismo Eterno – cito aqui apenas três entre os seus 56 romances e ensaios –, era também proprietário de uma biblioteca com mais de 50 mil volumes. Segundo ele, é tolice pensar que se precisa ler todos os livros que se compra, da mesma forma que criticar aqueles que compram mais livros do que conseguem ler. No seu entender, existem coisas na vida que se precisa ter em abundância, mesmo que usemos apenas uma pequena porção.

Eco compara os livros a remédios que se tem disponíveis em casa, preventivamente. Quando se precisa, se tem alguma dor, por exemplo, basta recorrer a eles. Acrescenta que se pode e deve fazer o mesmo com os livros, aos quais há como apelar em certos momentos. Tive que concordar e não apenas por interesse, para me sentir melhor, mas por entender esse pensamento lógico. Livros nos aplacam outros tipos de dores e todas as categorias de dúvidas. Nos fazem companhia na solidão e nos abrem horizontes para viagens imaginárias e convívios inimagináveis. Podemos abrir um deles para degustar de uma vez só, de ponta a ponta, como também apreciar aos poucos, indo e voltando em capítulos, lendo páginas aleatórias, buscando citações. Livros não são fugas da realidade, representando na verdade a sua multiplicação.

O pensador italiano foi além na sua apreciação sobre o tema. E disse que aqueles que compram apenas um livro e depois se livram dele após a leitura estão aplicando a mentalidade do simples consumidor. Encaram a obra como um mero produto, semelhante a qualquer outro que seja igualmente descartável. Mas, diz ele, quem ama livros sabe que eles são tudo, menos mercadoria. Acolho a tese de que para esses últimos o livro é um parceiro leal, que precisa ter essa lealdade retribuída, inclusive em termos de conservação. Eu cuido dos meus de tal forma que possam parecer jamais terem sido abertos, mesmo que folhados inúmeras vezes. Gosto de ver todos eles sempre com o aspecto de novo, apesar que aquele cheiro bom que eles trazem consigo das livrarias se perde com o tempo.

Pessoalmente, quando compro um livro eu me sinto como se estivesse conhecendo um novo amigo. E daqueles com os quais a gente simpatiza no primeiro instante, de quem leva a impressão de que já se conhecia anteriormente e a certeza de que esse encontro renderá ótimos momentos. Com os livros, assim como com as pessoas de quem se gosta, não raras vezes o convívio é menos frequente do que se gostaria. Mas, cada reencontro que acontece se reveste de emoções e de luzes trazidas pelas lembranças. O que, no fundo mesmo, representa o que de real existe e importa.

06.12.2024

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O bônus de hoje é a música Livros, de Caetano Veloso.

DAR UMA BANANA

Existe uma expressão que até poderia ser verbal, mas que se manifesta de uma forma física, com um gesto. Consiste em dobrar parcialmente um dos braços, em ângulo de noventa graus com o punho cerrado, enquanto que a outra mão agarra o seu bíceps. Logo em seguida, aquele que está dobrado é levantado de modo enfático, na posição vertical. Isso significa “dar uma banana”. Equivale a dizer que não se respeita o outro, aquele que está sendo interlocutor, ou que se considera irrelevante o assunto do qual estão tratando.

Dar uma banana retira simbolicamente a dignidade, a importância e o respeito da pessoa a quem ela é endereçada. É confirmar que não se dá a mínima para ela e suas posições pessoais. Isso poderia muito bem ser direcionado, agora mesmo, para duas “influenciadoras digitais” que vivem no Jardim Catarina, em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro. São tristes figuras que conseguem ter 13 milhões de inscritos acompanhando suas postagens no Tik Tok, mas desconhecem o que seja empatia e não têm a mínima ideia do que seja humanidade.

Elas também deram banana, mas não virtual e sim a fruta, que não veio sozinha. Dois vídeos que postaram registram os fatos, que falam e chocam por si só. Em um deles Nancy oferece para uma menina negra, na rua, a possibilidade de escolher entre R$ 5,00 e uma caixa fechada, onde estaria um presente misterioso. A menina opta pela caixa e, quando abre, se depara com um macaco de pelúcia. Ingênua, sem entender a gravidade da “comparação”, a criança abraça o brinquedo e se diz feliz com ele. Em outro vídeo é um menino negro, que pode optar entre R$ 10,00 e um pacote. Ele escolhe o segundo e, ao abrir, encontra dentro uma banana. “Só isso?”, questiona ele. “Você gosta”, responde a mulher com maldade.

Kérollen Cunha e Nancy Gonçalves, mesmo faturando horrores com essas atrocidades, nos vídeos investem em um visual estético de gosto duvidoso, em termos de vestimenta. E ao menos uma delas, ao que tudo indica, passou por algum procedimento estético no rosto, no qual algo deu errado. Não parece terem tentado embelezar seu espírito, não buscaram melhorar seu comportamento, o que talvez as tornasse merecedoras de uma admiração distinta daquela que conseguem ter, inacreditavelmente. Denunciadas, passaram a ser investigadas em um inquérito policial. Isso as levou a apagar os referidos vídeos, o que não impediu de serem localizados depois. Sua “assessoria jurídica” tratou também de informar que “não havia intenção de fazer referência a temáticas raciais ou a discriminações de minorias”. Com isso talvez o delegado agora e o Ministério Público, posteriormente, não concordem.

Estiveram na Delegacia de Crimes Raciais e de Delitos de Intolerância (Decradi), na segunda-feira, 12 de junho. Não quiseram falar com a imprensa, nem na chegada nem na saída. No mesmo dia e no mesmo local era aguardado o depoimento de outra pessoa: um motorista de aplicativo, também vítima da dupla. Clipe que fizeram no interior do carro as mostra debochando dele. “Aqui dentro está um mau cheiro, cheiro de podre”, diz a mãe. “Cheiro de bicho morto”, retruca a filha. “Acho que é por causa desse cabelo”, fala outra vez a mãe, enquanto toca na cabeça do motorista. “Ai mãe, que nojo! Não mexe nisso”, volta a falar a filha. Depois questionam o homem por que ele não cortava o cabelo mais baixo. E ele responde que a prioridade é levar comida para casa. Daí elas oferecem R$ 200,00 para ele, como se tal valor pudesse pagar pelas ofensas.

A denúncia contra as mulheres fora apresentada pela especialista em direito antidiscriminatório, Fayda Belo. Ela chamou o ato criminoso de “racismo recreativo”, que ocorreria quando alguém usa de discriminação contra pessoas negras, com o intuito de diversão. Abro mão de qualquer neutralidade jornalística, o que não é mesmo possível num caso como esse, para dizer que torço para que, em breve, elas também se tornem motivo de “recreação”. Mas para outras detentas, quando conduzidas a algum presídio. Por lá é bem provável que encontrem algumas mães, negras como essas crianças que têm humilhado.

19.06.2023

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O bônus de hoje é com Os Detonautas. Eles nos trazem a música Racismo é Burrice, de Gabriel o Pensador.