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UM BRASIL VESTINDO RETROCESSO

Desde minha adolescência – e talvez antes – eu ouvia falar que o Brasil era o país do futuro. Pois ontem, tantos e tantos anos passados, descobri que somos o país do passado, ao ver a abertura das Olimpíadas 2024, que têm Paris como sede. O uniforme da delegação brasileira foi de um retrocesso tão vergonhoso que não há como encontrar palavras para ser isso descrito de forma apropriada. No país que é a maior referência da moda mundial, que escolheu um desenho sofisticado para o de seus atletas, utilizando de modo discreto as cores da bandeira nacional, com o desenho feito pela Berluti – famosa grife parisiense que foi fundada pelo italiano Alessandro Berluti, no ano de 1895 – nós fomos com a “criação” da equipe de Flávio Rocha, o herdeiro das Lojas Riachuelo.

Este brasileiro, que talvez seja um gênio incompreendido do design de moda, é membro da Igreja Neopentecostal Sara Nossa Terra. Adivinhe: ele conseguiu essa boquinha junto ao Comitê Olímpico Brasileiro, sem concorrência, ainda em 2021, uma recente época onde relacionamentos pouco ortodoxos abriam portas como nunca. Sua empresa foi – e cito aqui um exemplo que talvez possa esclarecer tudo – forte apoiadora do ex-presidente Jair Bolsonaro. Então, nada mais coerente do que ser o uniforme olímpico do nosso país uma referência ao conservadorismo, ao retrocesso, ao preconceito. Parece muito mais roupa para usar em cultos do que em um evento grandioso, acolhedor e plural como este que ocorre de quatro em quatro anos.

As mulheres usam uma saia branca na altura dos joelhos ou, conforme sua estatura, abaixo deles. Lembram as que identificavam normalistas, lá pelos anos 1960 e anteriores. O conjunto tem ainda uma blusinha com listras horizontais amarelas e brancas, além de uma jaqueta jeans mais básica impossível. Os homens receberam calças também brancas e as suas camisetas são distintas apenas porque as listras têm o verde ao invés do amarelo, com as mesmas jaquetas. Aliás, essa última peça foi a única que teve um bafejo de ousadia, que infelizmente ficou escondido nas costas: são bordados feitos à mão por artesãs do Rio Grande do Norte, com desenhos que representam a fauna e a flora brasileiras. Eles são vários e distintos, como a onça-pintada, araras, tucanos e folhas de plantas nativas. No complemento, abrigos pretos com ombreiras verdes e duas listras brancas em “vê”, abaixo delas.

Comparando com o que fizeram outros países, nossa posição fica ainda mais desconfortável. Os Estados Unidos vieram com uma vestimenta all american, usando calças jeans com cintos de couro e uma versão muito moderna do blazer azul marinho da Ralph Lauren. O México, que quase sempre usava temas astecas e maias, inovou ao apostar no streetwear, com a ousadia da cor rosa-choque em detalhes inspirados do graffiti, tudo feito pela grife Men’s Fashion, que partiu de um ponto turístico se sua capital, a estátua El Angel de la Independencia. A Coréia do Sul veio com ternos elegantérrimos, para homens e mulheres, em tons de azul claro. A Espanha fez algo semelhante, mas mesclando as cores da sua bandeira com o bege e o branco, atingindo um alinhamento de fato impecável.

Até países em tese com menor probabilidade de estarem preocupados com o requinte de seus trajes souberam surpreender positivamente. Um exemplo é o Haiti, que causou furor nas redes sociais. Seus atletas vieram com peças desenhadas em trabalho colaborativo entre a designer italiana Stella Novarino, fundadora da Stella Jean, e o pintor haitiano Philippe Dodard. A Mongólia, por sua vez, veio com um desenho feito pela grife local Michel & Amazonka, carregado de referências à cultura daquela nação asiática, tudo feito em apenas três meses.

Por aqui tivemos três anos, que não resultaram em nada. Quando os uniformes se tornaram conhecidos, o mundo da moda ficou mais do que surpreso, estarrecido. Foi quando o COB, tentando justificar as razões da escolha das Lojas Riachuelo, declarou ser uma parceria firmada com o objetivo de se “criar uma identidade para o Brasil, que fosse moderna e inovadora”. O que, convenhamos, complicou ainda mais o entendimento. A diretora de marketing da rede de lojas então concedeu entrevista na qual jurou que a inspiração para a criação das peças foi “a alegria do povo brasileiro”. Nisso ela conseguiu um resultado melhor, uma vez que não foram poucos os risos que a explicação causou.

A única vantagem que talvez exista é que os corajosos e as corajosas que desejarem adquirir peças deste uniforme as encontrarão nas Lojas Riachuelo, agora ou em breve. E baratinho, pois vale muito pouco mesmo.

27.07.2024

Atletas brasileiros prontos para participar de um culto evangélico

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O bônus de hoje é a apresentação da cantora canadense Céline Dion no encerramento da cerimônia de abertura das Olimpíadas de Paris, nesta sexta-feira, 26 de julho. A música escolhida foi Hymne a L’Amour (Hino ao Amor), um clássico da francesa Édith Piaf. Ela não se apresentava em público há dois anos, em virtude de ter sido diagnosticada com doença rara e incurável, a Síndrome de Pessoa Rígida, que causa espasmos e dor extrema. E fez isso do alto da Torre Eiffel.